Não existe um único motivo razoável para impedir que as denúncias de Marcos Valério contra Lula sejam investigadas
O que os petistas mais temiam aconteceu. O ex-presidente Lula acabou sendo arrastado para o olho do furacão do escândalo do mensalão. Segundo o publicitário Marcos Valério, apontado como o operador do esquema, Lula não apenas tinha conhecimento das práticas criminosas como deu sinal verde para a sua efetivação, delas também se beneficiando diretamente. O fato foi divulgado na última terça-feira pelo jornal O Estado de S.Paulo, com base no depoimento prestado por Valério ao Ministério Público Federal no dia 24 de setembro passado. As acusações são extremamente graves e precisam ser devidamente investigadas.
Ao longo de todo o episódio do mensalão, apontado como o maior escândalo de corrupção já visto no país, Lula adotou a estratégia de alegar desconhecimento dos malfeitos cometidos sob suas barbas por alguns de seus principais assessores diretos. Práticas que acabaram por condenar à prisão petistas do coturno do ex-ministro José Dirceu; do tesoureiro do partido, Delúbio Soares; e do ex-deputado José Genoino, para citar apenas três da leva de implicados na trama.
Uma única concessão feita pelo ex-presidente diante de tantas evidências de malfeitorias em seu governo foi afirmar a interlocutores sentir-se traído ou apunhalado pelas costas. Uma explicação simplória, mas que serviu até agora para eximi-lo de uma eventual responsabilização pelos deslizes irrefutáveis que vieram a público cometidos por companheiros íntimos. Citado agora nominalmente como protagonista do mensalão por ninguém menos que o responsável pela parte operacional de todo o esquema, Lula não pode simplesmente virar as costas e negar, como sempre fez – e continua fazendo.
A reação do PT e de Lula, no entanto, não se baseia apenas na negação, mas também na desqualificação do acusador. É verdade que as denúncias foram feitas por um condenado a mais de 40 anos de cadeia pelos ministros do Supremo e que, em tese, não tem mais nada a perder. Mas o simples recurso ao argumento ad hominem é fraco demais diante da gravidade das acusações feitas por Marcos Valério e da verossimilhança de alguns dos fatos narrados pelo depoente ao MPF; não é possível desqualificá-las pelo simples fato de o autor ser um condenado pela Justiça e, portanto, não merecer crédito nenhum – José Dirceu foi igualmente condenado pelo STF e segue gozando de crédito e prestígio entre os petistas. O fundamental é que a verdade venha à tona, doa a quem doer, e dela não pode se eximir nem mesmo um ex-chefe da nação.
Reconheça-se que não será fácil esse trabalho, uma vez que a blindagem em torno de Lula já começou; tão logo as denúncias chegaram ao conhecimento público, a própria presidente Dilma Rousseff encarregou-se de liderar o rosário de manifestações de desagravo, no que foi seguida por declarações contundentes de governistas e de líderes partidários da base aliada.
No entanto, não existe um único motivo razoável para impedir que as denúncias sejam investigadas. Se as afirmações de Marcos Valério forem inverídicas, o ex-presidente sai fortalecido do episódio, tendo sua inocência comprovada. No entanto, se o publicitário estiver falando a verdade, todos os culpados precisam responder pelos seus crimes. Por isso, é legítimo questionar a quem interessa tanta blindagem. O Ministério Público precisa apurar as denúncias e decidir se vê consistência nas declarações do operador do mensalão para, então, determinar a abertura do processo investigativo, ou se simplesmente manda arquivar o caso.
A apuração do escândalo do mensalão, com a consequente condenação de vários dos réus citados no processo, foi passo importante dado pelo país no caminho do resgate da ética no trato da coisa pública. É forçoso dizer, porém, que muito ainda precisa ser feito para o saneamento completo das instituições, ainda impregnadas dos velhos vícios dos conchavos e dos interesses escusos. Da mesma forma que o mensalão foi devidamente esmiuçado, novas denúncias de práticas contrárias à ética devem seguir pelo mesmo caminho, sob pena de se perder o que foi arduamente construído nos últimos anos.
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