FOLHA DE SP - 16/12
Ou será que as dificuldades no Egito e na Tunísia são apenas sinal de como é difícil parir a democracia?
OS ACONTECIMENTOS no Egito e, em menor escala, na Tunísia transformaram em predominante uma "narrativa que diz que democracia no mundo árabe é uma má ideia", constata Katherine Wilkens, subdiretora do Programa para o Oriente Médio do Instituto Carnegie para a Paz Internacional.
Até na mídia árabe essa narrativa aparece claramente. Hasam Aidar, por exemplo, escreve para "Al Hayat" (a vida), o jornal de referência para a diáspora árabe, que "eles próprios [os partidos islamitas] provaram em curto espaço de tempo que são da mesma roupagem que as ditaduras em declínio, embora em cores diferentes".
Na Tunísia e no Egito, os países que iniciaram a Primavera Árabe, ganharam as eleições dela decorrentes partidos islamitas, derivados da Irmandade Muçulmana, a matriz das agrupações do gênero.
A canção que os ditadores árabes cantavam sempre, para justificar a ditadura, dizia que a alternativa a regimes autocráticos seria o avanço do islamismo, supostamente mais autoritário. Com isso, ganharam o respaldo ou, no mínimo, a omissão do Ocidente. É justa a "narrativa" hoje predominante?
Antes de responder, é bom deixar claro que desconfio imensamente de partidos que confundem religião e política. Não porque seja contra a religião, mas porque não acredito que líderes religiosos tenham linha direta com Deus (qualquer Deus), graças à qual obtêm dicas sobre como deve ser a Constituição, sobre construir ou não uma bomba atômica, sobre o papel da mulher na sociedade, e por aí vai.
Feita a ressalva, torço para que a já citada Wilkens tenha razão quando escreve: "Os partidos islamitas que venceram eleições na região estão avançando no caminho de se convencerem de que precisam seguir políticas pragmáticas para criar crescimento e gerar renda por meio do turismo e do investimento externo que os habilitará a produzir resultados e ganhar a reeleição".
No mais, é importante deixar claro que o parto da democracia é necessariamente processo complexo.
Analisa, por exemplo, Vincent Geisser, pesquisador do Instituto Francês do Oriente Médio, em referência à Tunísia, mas que vale para o Egito: "Os conflitos sociais colocam à luz do dia todos os problemas que ficavam escondidos sob o antigo regime. Essa liberalização da palavra pública é reveladora da situação particular e difícil de todo o período de transição (...) e dá essa impressão de desordem".
Não custa lembrar que, no Brasil, a transição também se caracterizou por uma bela confusão, até que o impeachment de Fernando Collor, sete anos após recuperada a democracia, começou a acomodar as águas. Mesmo assim, havia resistências à esquerda que guardam algum parentesco com o desconforto com os islamitas.
Para Marina Ottaway, especialista em Oriente Médio do Council on Foreign Relations, "muito da presente crise política [no Egito] vem do fato de que os partidos da oposição laica sabem que não vão ganhar uma eleição".
Daí a disseminarem a "narrativa predominante" é um passo.
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