VALOR ECONÔMICO - 29/03/12
A mudança dos critérios utilizados na renegociação das dívidas dos Estados e municípios pela União entrou, definitivamente, na agenda do Congresso. Uma comissão especial para discutir o assunto, criada pela Câmara, começou ontem a ouvir os secretários estaduais de Fazenda e deverá ouvir também vários governadores e o ministro da Fazenda, Guido Mantega, em meados de abril. O governo sabe que o principal objetivo de governadores e prefeitos é reduzir as prestações mensais que pagam ao Tesouro pela dívida renegociada e, com isso, abrir espaço para maiores gastos, principalmente investimentos.
Atualmente, os Estados e alguns dos principais municípios do país gastam até 15% de sua receita líquida real com o pagamento das dívidas renegociadas. Para fazer esses pagamentos, eles foram obrigados a executar programas de ajuste fiscal, que são monitorados pela Secretaria do Tesouro Nacional (STN). São esses pagamentos que servem de base para que o governo federal estime em 0,95% do Produto Interno Bruto (PIB) o superávit primário a ser feito, anualmente, pelos Estados e municípios. Com o superávit de 2,15% do PIB do governo central (Tesouro, Previdência e Banco Central), a meta de todo o setor público alcança 3,1% do PIB. É bom lembrar que, atualmente, embora sejam calculadas de acordo com os percentuais do PIB, as metas fiscais são fixadas na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) em valores nominais.
Meta de superávit pode ser alterada com a mudança
Até 2008, os Estados e municípios cumpriram com folga a meta prevista para eles. A partir de 2009, por causa da crise econômica internacional que afetou o Brasil, o governo federal relaxou um pouco os controles sobre os governos estaduais e prefeituras, ao permitir maior contratação de novos empréstimos. Em 2010, por exemplo, o superávit primário de Estados e municípios ficou em apenas 0,63% do PIB, incluindo no cálculo os resultados obtidos por suas empresas estatais (veja tabela abaixo).
Ainda não é possível saber em que resultarão as negociações para mudar os contratos das dívidas estaduais e municipais renegociadas pela União. Há todo tipo de proposta na mesa, inclusive uma que prevê uma nova renegociação de todo o estoque dos débitos existente atualmente, fixando-se um novo prazo para pagamento e custos financeiros mais favoráveis do que aqueles previstos nos atuais contratos.
Há um impedimento legal para uma re-renegociação: o artigo 35 da Lei Complementar 101, mais conhecida como Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), proíbe a realização de operação de crédito entre os entes da federação. O Ministério da Fazenda diz que aceita discutir novas formas contratuais para as dívidas renegociadas desde que isso não implique alteração da LRF. Essa orientação, se mantida, vai limitar bastante a pauta das negociações.
A troca do indexador das dívidas (o IGP-DI, índice de inflação da Fundação Getulio Vargas) e a redução das taxas de juros previstas em contrato (atualmente de 6% a 9%) estão no centro das discussões. Os atuais custos financeiros a que Estados e municípios estão submetidos são maiores do que as taxas pagas pelo Tesouro Nacional nos títulos que emite. Se o Banco Central conseguir manter a Selic em um dígito, a situação ficará ainda mais distorcida.]
É difícil acreditar que a alteração dessas duas variáveis (indexador e taxa de juro) não se configura, do ponto de vista jurídico, em uma nova re-renegociação, proibida pela LRF. Os políticos que participam dessas negociações não demonstram preocupação com a possibilidade de ter que alterar a LRF.
O primeiro problema que surge nessa discussão é saber se a nova taxa de juros e o novo indexador serão aplicados de forma retroativa, ou seja, se a série histórica do endividamento será revista desde 1997 - ano da lei 9.496, que autorizou a renegociação dos débitos estaduais. Se a série for revista, haverá, obviamente, alteração na composição da própria dívida líquida do setor público, que é divulgada pelo Banco Central. Se o governo não aceitar a retroatividade, mesmo assim haverá mudança na composição futura da dívida líquida do setor público, por conta dos novos custos financeiros.
O segundo problema é que a diminuição do custo financeiro das dívidas renegociadas pela União abrirá espaço para que sejam também reduzidas as prestações mensais pagas pelos governos estaduais e prefeituras ao Tesouro. Se isso acontecer, a meta fiscal para os Estados e municípios não poderá mais ser estimada em 0,95% do PIB. Será menor. Para manter a meta de 3,1% do PIB para todo o setor público, o governo central teria, portanto, que aumentar a sua parte.
É pouco provável que isso ocorra, pois quando retirou a Petrobras e a Eletrobras da meta fiscal, o governo central não elevou a sua participação. A meta, que era de 3,8% do PIB com a Petrobras e a Eletrobras, caiu para 3,1% do PIB. O superávit das estatais correspondia a 0,65% do PIB. Hoje, é de zero. O governo central reduziu um pouquinho a sua parte, de 2,2% do PIB para 2,15% do PIB.
A discussão sobre a mudança dos contratos de renegociação dos débitos estaduais e municipais tem, portanto, implicações na política fiscal. Se o governo permitir o alívio que os governadores e prefeitos reivindicam, é muito provável que a meta de superávit primário do setor público tenha que ser diminuída.
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