quinta-feira, março 29, 2012
Furando gelo por 22 anos - FERNANDO REINACH
O Estado de S.Paulo - 29/03/12
Eles começaram a furar em 1990. No dia 5 de fevereiro de 2012, às 22h25, os cientistas terminaram. A sonda havia atingido água líquida. Era o Lago Vostok, localizado 3.769,3 metros abaixo da estação científica russa na Antártida. Mas o tempo para comemorar foi curto, no dia seguinte os cientista tiveram de partir. Com a chegada do inverno, 6 de fevereiro era o último dia em que um avião ousava pousar no Polo Sul antes da chegada do inverno.
A estação Vostok é considerada o ponto mais frio do planeta. Ela fica próxima do Polo Sul magnético, a 1,3 mil quilômetros do Polo Sul geográfico. Foi instalada em 1957 e, desde então, durante o verão (temperatura média de -32°C) é habitada por 25 cientistas. Durante o inverno (temperatura média de -68°C), 13 coitados ficam tomando conta. A estação fica a quase 3,5 mil metros de altitude e o vento sopra constantemente. No dia mais frio, a temperatura chegou a -89,2°C. A estação brasileira, que pegou fogo recentemente, localizada no nível do mar e na costa de uma península, é um paraíso tropical quando comparada à Vostok.
Em 1972, medidas feitas com um radar instalado em um avião confirmaram a suspeita de que embaixo daquela calota de gelo de mais de 3 km de espessura havia um lago com água líquida. Apesar do frio, a água permanece líquida por causa da pressão da calota de gelo e do calor vindo do centro da Terra.
Estudos geológicos feitos nos anos seguintes determinaram que o Lago Vostok provavelmente foi isolado por uma camada permanente de gelo, há mais de 15 milhões de anos. Foi nessa época que o grupo dos hominídeos (que inclui todos os macacos e os humanos) surgiram no planeta. Só 14 milhões de anos depois da formação do lago isolado os humanos apareceriam na África.
A possibilidade de existir um ambiente isolado de todo o resto dos ecossistemas do planeta por mais de 15 milhões de anos aguçou a curiosidade dos cientistas. Será que existe vida no Lago Vostok? De que tipo? Bactérias, outras formas de vida desconhecidas ou já extintas no resto do planeta? O único jeito de descobrir era cavar um furo e chegar lá.
Dúvidas. Nos primeiro dois anos o progresso foi rápido, 2,5 mil metros. Mas em 1998, quando os cientistas conseguiram chegar aos 3,5 mil metros, muitos começaram a questionar se esse projeto não poderia contaminar o lago isolado com seres vivos vindos do mundo exterior. Uma enorme polêmica envolvendo ambientalistas, biólogos e geofísicos tomou conta da comunidade científica. Os realmente paranoicos argumentavam que existia o risco de os seres vivos do Lago Vostok (se existissem) invadirem os ecossistemas da superfície. Seríamos todos destruídos por esses seres estranhos?
Essa discussão paralisou o projeto por cinco anos. Quando o furo foi retomado, rapidamente os cientistas chegaram a 3,7 mil metros, mas aí a broca ficou travada. Foram dois anos para resolver o problema. Em 2009, a perfuração foi retomada. No início de 2011, como contei aqui na coluna, os cientistas anunciaram que estavam a poucos metros do lago, mas o inverno chegou e os trabalhos foram paralisados.
Agora, finalmente eles chegaram lá. Os metros finais foram perfurados utilizando calor e um líquido de silicone para garantir a esterilidade do poço. Quando finalmente atingiram a água líquida, a pressão fez a coluna de liquido subir quase 30 metros. Uma pequena quantidade de água foi coletada do fundo do poço, mas ela veio contaminada com líquido de perfuração. Pouca informação pôde ser obtida (um vidrinho foi dado para o presidente Putin).
Agora, vamos ter de esperar mais um ano. No próximo verão, os cientistas vão baixar uma série de sondas pelo furo. Vão coletar água com recipientes estanques e descer sondas capazes de analisar as características químicas e físicas da água do lago. Talvez em 2013 possamos saber se existe vida no Lago Vostok. Só nos resta aguardar.
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