O GLOBO - 29/03/12
Um jovem quilombola, que se forma no ensino médio, tem planos de ir adiante, e avisa que "estudo é tudo". Um menino da Rocinha, que de um pré-vestibular comunitário faz curso superior e já está no mestrado da PUC. Um jovem de uma família que, unida, transforma o lixão de Gramacho em polo de reciclagem. Três cientistas que estão mudando o Brasil. Tudo isso e mais numa noite só.
É meio irresistível depois de uma festa tão forte quanto a do Faz Diferença falar um pouco sobre o que domina a cabeça da gente no dia seguinte. O prêmio é a hora em que a redação busca as melhores histórias publicadas no ano, escolhe três, submete à votação dos leitores e celebra com os vitoriosos numa festa no Copacabana Palace. Ancelmo Gois e eu temos apresentado o prêmio desde que ele foi criado, em 2003. Por isso refletimos sobre cada lição dada, a vida de cada premiado, a síntese de cada ano. Uma reflexão que inspira.
A cineasta Julia Bacha, que ganhou na categoria Mundo, pediu um levante dos jornalistas pelas boas notícias. Ela encontrou boa notícia até no conflito Israel-Palestina. A equipe na qual trabalha e com a qual dirigiu Budrus é formada por profissionais oriundos dos dois lados desse insanável conflito, e as histórias que ela conta são dos pontos de encontro entre israelenses e palestinos.
Como superar nossas divisões brasileiras quem ensina é Damião Santos. Ele mora em Kalunga, com a mulher e quatro filhos, uma comunidade quilombola no sertão goiano, onde não havia luz até 2004. O pai dele, que não estudou, queria para os filhos outro destino. Está conseguindo. Damião se formou no ensino médio e foi o orador da turma. Aplaudido de pé, ele avaliou que era "menor e mais fraco" do que outros premiados mas avisou que pela educação "está buscando se igualar ao resto do país". Damião ensinou que a grandeza e a força do país se farão exatamente pela educação reduzindo distâncias sociais.
Isso foi o que provou Getulio Fidelis. Nascido e criado na Rocinha, ele foi pai aos 16 anos. "Num local que para muitos é fadado ao fracasso eu escolhi o caminho da educação." No caminho ele encontrou o cursinho pré-vestibular InVest, montado por voluntários ex-alunos do Colégio Santo Inácio, liderados por Fábio Campos. Getúlio fez o cursinho, passou para Ciências Sociais da PUC-Rio, ganhou bolsa plena, concluiu o curso. Disputou vaga no mestrado, passou em primeiro lugar e hoje é o coordenador-geral do cursinho que investiu nele.
- Para ilustrar como a educação mudou minha vida: em 2003, eu vim ao Copacabana Palace, como office boy, entregar uma correspondência para um hóspede. Hoje, venho pela segunda vez, mas para receber um prêmio - afirmou Getúlio.
Algumas histórias são mais conhecidas, mas igualmente emocionantes, como a de Tião Santos, que está no documentário Lixo Extraordinário, de Vik Muniz. O artista plástico disse que aprendeu com Tião que a arte pode mudar a vida das pessoas. Tião chamou ao palco sua família e agradeceu aos irmãos mais velhos.
- Eu vim assim de camisa simples porque eu queria que meus irmãos brilhassem. Eu sou o mais novo, trabalhei menos. Eles trabalharam muito para me criar e me dar educação. Eles não estão chiques? - perguntou Tião, emocionado, apontando sua família em roupa de gala.
Na saída, ele deu uma lição a mais para a cidade que vai sediar a Rio+20 e que recicla uma parte tão pequena do seu lixo, como este jornal tem mostrado:
- Quero romper com o paradigma de que reciclagem é coisa de pobre. Reciclagem é coisa de gente inteligente.
A educação costurou essas histórias, a ciência levou outros premiados. Foram três os cientistas que subiram ao palco. Denise Pires de Carvalho, a primeira mulher a dirigir o Instituto de Biofísica Carlos Chagas Filho, e que tem liderado pesquisas importantes na endocrinologia. O pesquisador Stevens Rehen, do Laboratório Nacional de Células Tronco Embrionárias da UFRJ. E a personalidade do ano, que foi o professor Miguel Nicolelis.
Rehen disse que nunca esteve tão feliz profissionalmente, apesar de lutar contra a burocracia na importação de insumos necessários para as suas pesquisas e apesar dos cortes no orçamento de pesquisas. Pediu mais investimento em pesquisa e inovação, inclusive do setor privado. O empresário Eike Batista, premiado em Economia, prestou homenagem aos vitoriosos da noite e avisou que gosta de investir em ciência.
Nicolelis é professor da Universidade de Duke, Carolina do Norte, mas voltou ao Brasil há alguns anos e comanda experiências vitoriosas no Nordeste, como a do Instituto Internacional de Neurociência, em Natal:
- O que eu aprendi hoje me emocionando com cada uma dessas histórias de brasileiros que estão mudando esse país é que algo muito importante aconteceu. Esses não são mais os tristes trópicos de Lévi-Strauss. O futuro que jamais chegava chegou. Pois é aqui que se tira poesia do lixo e jovens descem o morro e voltam como professores, engenheiros, líderes comunitários.
Ele contou que, parte dos seu projeto, ocorre em Serrinha, na Bahia, e em Macaíba, periferia de Natal, onde estudantes da Escola de Educação Científica estão batendo o recorde da permanência na escola, com taxa de evasão perto de zero. Foi uma noite para celebrar estes e outros exemplos ou talentos, como o do ator e cantor Tiago Abravanel. Eles fizeram com que, por um momento, nós jornalistas, céticos por natureza, vislumbrássemos um futuro azul da cor do mar.
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