FOLHA DE SP - 29/03/12
NOVA DÉLI - Brics é uma marca forte, mas corre o risco de desgaste se não agregar conteúdo a ela.
A avaliação é de um dos mais experientes e competentes diplomatas brasileiros, envolvido nas negociações e que prefere não ter o nome citado.
De fato, a quarta cúpula do grupo, que termina hoje, será uma mera repetição de muita retórica e pouco conteúdo.
Tome-se a proposta do banco de desenvolvimento dos Brics. Aí, sim, seria uma ação coordenada relevante, "uma nobre empreitada comum", diz Martyn Davies, executivo-chefe da Frontier Advisory, que faz pesquisa de mercado.
Reforça Jacob Zuma, presidente sul-africano, em conversa com Dilma Rousseff: "Será um instrumento de financiamento vital, especialmente para a África".
Mas o que a cúpula fará a respeito é apenas criar um grupo de trabalho para estudar o novo banco. Zuma, otimista, espera que os estudos estejam concluídos para a cúpula de 2013, em seu país. É improvável. "O estudo levará tempo", avisa Maria Edileuza Fontenele Reis, a principal negociadora brasileira.
O fato é que "pouca ação foi adotada coletivamente pelos Brics por falta de consenso", diz Jagannath Panda, pesquisador do Instituto de Assuntos de Defesa e Segurança da Índia. Para ele, os Brics "ainda estão no estágio conceitual".
Um conceito que rola desde a primeira cúpula em 2008 (estimular o comércio em moeda local) não se materializou até agora. "Todo mundo fala em comércio em moeda local, mas todos continuam usando o dólar", constata uma autoridade brasileira.
Reforça outro negociador brasileiro: com a Argentina tenta-se há mais tempo fazer comércio nas moedas locais, mas só abarca uma mínima fração. Não obstante, o conceito de comércio em moeda local está de novo na agenda da cúpula.
Nem por isso Brics deixa de ser uma marca forte: em 2011, representavam 25% da economia global (de acordo com a Paridade do Poder de Compra das moedas nacionais), 30% da área terrestre do planeta, 45% da população mundial e, nos dez anos mais recentes, cresceram 4,2 vezes, enquanto o mundo rico crescia apenas 61%.
Em todo caso convém relativizar os números. Grande parte da força vem do C de Brics, a China. Exemplo: o FMI calcula que, neste ano, os Brics contribuirão com 56% do crescimento da economia global. Mas 50% virão da China e da Índia.
Exemplo dois: o comércio entre os cinco ultrapassou US$ 250 bilhões em 2011. Mas US$ 200 bilhões são gerados só pela China nas trocas com os parceiros.
Luzes e sombras à parte, os cinco continuam apegados à marca Brics, que, se não rende ações concretas, tampouco faz mal à imagem de qualquer um deles.
No fundo, é como diz outro diplomata brasileiro: "Se os cinco já são isoladamente incontornáveis na discussão de qualquer assunto global, se efetivamente se coordenarem se tornarão essenciais".
A questão -que a cúpula-2012 não responderá- é se podem de fato coordenar suas ações ou se as prioridades de cada qual impedem uma atuação conjunta relevante.
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