O Estado de S.Paulo - 19/01
Com desemprego de 11%, crescimento econômico nulo de apenas 0,1%, popularidade decepcionante (só 24% da população apoia seu governo), a companheira de vida em depressão no hospital e um caso amoroso com uma atriz para administrar, o presidente socialista da França, François Hollande, anunciou o que alguns chamaram de guinada liberal de seu governo. Sem detalhar como vai conseguir, prometeu cortar 50 bilhões em gastos públicos, suprimir 30 bilhões em impostos e aprovar uma reforma tributária para fomentar investimentos e gerar empregos. Os que não acreditam ou desconfiam pelo menos saúdam a novidade: ele caiu na real, é mais um socialista que recorre a soluções que condenou no passado e que rotulava de neoliberais.
Depois de passar três anos esnobando o Fórum Econômico de Davos, a presidente Dilma Rousseff finalmente se rende: não só vai comparecer e participar com entusiasmo dos debates, como levará a nata de sua equipe de governo. De repente, Davos não é mais aquele fórum da elite mundial rica que só discute temas de seu interesse e despreza os dilemas das nações pobres. De repente vale a pena ir a Davos, marcar presença, vender o Brasil para investidores estrangeiros e garantir que a economia vai entrar nos trilhos. A elite de Davos respondeu a Dilma com elegância: o Brasil terá lugar de destaque no fórum. Sem mais o glamour dos tempos de economia vigorosa, agora será apresentado como um país em "crise de meia-idade", como definiu o presidente do fórum, Klaus Schwab.
Os dois episódios são mais uma de seguidas mudanças que vêm ocorrendo em países governados por líderes que se dizem socialistas: com o tempo eles constatam que as fórmulas socialistas não se adaptam mais à realidade econômica de um mundo cada vez mais liberal e globalizado e acabam se rendendo ao que antes condenavam. Tem sido assim com países europeus em crise e governados por partidos socialistas, com o Brasil e outros da América Latina (fora Venezuela, Argentina, Bolívia e Equador), com a China e até com Cuba, que, gradativamente, solta as rédeas de uma economia que por 50 anos permaneceu engessada e atrofiada na monocultura da cana.
François Hollande caiu na real de uma França enfraquecida, que perde influência e poder no mundo, e apelou para receitas que os socialistas europeus vêm condenando desde Margaret Thatcher. Os tempos de murros em ponta de faca passaram para Dilma Rousseff. Hoje sua maior preocupação é atrair o capital privado estrangeiro para investir e fortalecer o crescimento econômico no Brasil. Se antes ela resistia às privatizações, de repente virou sua maior defensora e quer mostrar isso aos homens ricos em Davos.
Convencê-los implica transpor barreiras que ela própria criou, como a miúda intervenção do governo em negócios privados, que pode ser evitada com o fortalecimento da regulação e da fiscalização do Estado nos investimentos e nas empresas; passar a jogar limpo nas estatísticas macroeconômicas e não maquiá-las com artifícios simplórios que não enganam e só geram descrédito e prejuízos para a imagem do País. A crise de 2008 ensinou que os mercados não podem ficar soltos, fingindo que se autorregulam, mas cabe aos organismos de controle, regulação e fiscalização - e não aos governantes - a função de acompanhar os negócios privados, com independência política e profissionalismo técnico. Do contrário, o investimento não vem.
O que esses líderes políticos precisam entender é que o mundo mudou, globalizou, e as regras do socialismo já não atendem nem à área social, que precisa de atenção eficaz. Focado nos pobres, o Bolsa Família nasceu no berço do liberalismo da Universidade de Chicago. Agora mesmo, o governo do PT do Acre vive um dilema próprio deste mundo globalizado: mais de mil famílias haitianas perambulam como mendigos pela cidade de Brasileia. O governador Tião Viana quer tirá-los de lá e pede a Dilma que o faça. E o governo do PT socialista, que tanto condena a política de exclusão de imigrantes dos países ricos, não tem solução para eles.
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