O Estado de S.Paulo - 19/01
"Restabelecer um clima de mais confiança entre os setores privados e o governo será decisivo para permitir aos empresários compreender os problemas dramáticos do segundo e reconhecer o fato de que o poder incumbente é o elemento regulador dos mercados, para aumentar a competição em um ambiente favorável aos negócios e não aos 'amigos negociantes'. E aos administradores estatais que aceitem que devem manobrar com inteligência e paciência, obtendo a cooperação empresarial para alcançar seus objetivos."
O parágrafo acima não faz parte do arsenal da "guerra psicológica" movida contra o governo por forças ocultas nas "elites" nem foi escrito por alguém "nervosinho" com a realidade fiscal do País. É de autoria do ex-ministro Antonio Delfim Netto, hoje dileto conselheiro da presidente Dilma Rousseff, e foi publicado por um semanário que não está no índex petista da "mídia conservadora e golpista".
De fato, a desconfiança com que, por dogmatismo ideológico, setores do governo e do PT tratam o setor privado está na raiz da tendência registrada nos últimos meses de diminuição do otimismo do empresariado em relação ao desempenho da economia em prazo previsível. Essa postura de maior ceticismo do setor privado em relação ao desempenho da economia é compatível com resultado da pesquisa Ibope divulgada na semana passada, segundo a qual o otimismo do brasileiro está hoje 17 pontos abaixo (caiu de 74% para 57%) do registrado no início do governo Dilma. É uma perspectiva preocupante que o governo se recusa a admitir para não prejudicar a campanha que já se desenvolve a todo vapor pela reeleição de Dilma Rousseff em outubro próximo.
A falta de entusiasmo em relação ao futuro da economia, ingrediente essencial para a atuação da iniciativa privada, é uma notícia particularmente ruim neste momento porque pode levar ao agravamento da improvisação e do imediatismo com que o governo tem procurado conduzir a política econômica no fio da navalha de uma campanha eleitoral que se anuncia mais difícil do que originalmente imaginavam os petistas.
É marca registrada herdada por Dilma de Lula a opção preferencial por programas governamentais de grande impacto popular que garantam os votos necessários à perpetuação do PT no poder. É o que explica, por exemplo, o fato de um programa de resultados imediatos como o Bolsa Família ser a menina dos olhos de Lula e de Dilma e merecer atenção permanente e prioritária do governo em sua execução, enquanto outros grandes projetos de impacto social não menos importante, mas de maturação lenta e resultados perceptíveis apenas a médio e a longo prazos, como a melhora e ampliação da infraestrutura, permanecem empacados.
Neste ano eleitoral o governo não vai perder tempo com o que não rende votos e pela mesma razão estará empenhadíssimo em distribuir bondades destinadas a quebrar resistências e conquistar corações e mentes arredios. Isso significa que haverá muito mais do mesmo: casuísmos custeados com o dinheiro público, em detrimento de ações capazes de atacar com seriedade e eficiência as verdadeiras causas do desempenho medíocre da economia brasileira.
Onze anos de administração petista e a clara verificação de que a tendência é o agravamento da erosão dos fundamentos econômicos que permitiram a Lula, em seu primeiro mandato, surfar alegremente na onda de prosperidade da economia mundial não permitem arroubos de otimismo diante do que o ano eleitoral de 2014 reserva.
Não custa nada, de qualquer modo, insistir em que "cabe ao governo formular os objetivos, mas resignar-se à sua baixa capacidade de executá-los fisicamente e entender que seu bom desempenho depende de um tratamento amigável com relação ao setor privado, transferindo-lhe, com leilões inteligentes, os investimentos de infraestrutura e controlando-o por meio de agências reguladoras que estimulem a competição, sempre que possível blindadas à política partidária". Parece conselho dado na medida para irritar petista. Mas certamente não foi essa a intenção de Delfim Netto, o dono das aspas.
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