domingo, janeiro 19, 2014

Descalabros econômicos em câmara lenta - RODRIGO BOTERO MONTOYA

O GLOBO - 19/01

Os governos de Venezuela e Argentina estão submetendo suas nações à estagflação, combinação de estancamento com inflação



Quando se tem vento a favor, a margem de manobra econômica dos países exportadores de commodities se amplia. Esta observação é válida tanto para os países que implementam políticas econômicas prudentes como para aqueles que preferem experimentar com o voluntarismo discricional. Enquanto dure a bonança externa, estes últimos podem fazer caso omisso da disciplina fiscal e monetária, com aparente impunidade. Os custos desse comportamento se manifestam quando a situação internacional se torna menos tolerante com os desequilíbrios macroeconômicos, tal como ocorre na atualidade.

Os governos de Argentina e Venezuela oferecem exemplos do que sucede quando se prefere o dogmatismo ideológico ao pragmatismo na implementação das políticas públicas. Ambos os regimes registram bastante longevidade: dez anos para implantar o modelo kirchnerista na Argentina, 15 anos de revolução chavista na Venezuela. Por isso, fica difícil justificar as penúrias invocando uma herança maldita. Com variantes originadas em peculiaridades específicas das respectivas sociedades, é possível mencionar os traços que têm em comum.

Coincidem em cultivar um estilo autoritário de governo, hostil às instituições e à separação de poderes. Em matéria econômica, prevalecem o senso estatizante, a aversão à liberdade de comércio e a desconfiança em relação ao mecanismo de preços como guia para induzir mudanças na alocação de recursos. Administram, sem transparência, um enxame de trâmites burocráticos que ampliam as possibilidades de corrupção. A desordem fiscal financiada com emissão monetária se traduz em aviltamento da moeda, desânimo dos investidores e fuga de capitais. Essas distorções conduzem a maior vulnerabilidade a choques externos, ao enfraquecimento das empresas, ao atraso tecnológico e à erosão da credibilidade oficial.

Estão submetendo suas nações à estagflação, combinação de estancamento com inflação. A perda de reservas internacionais e a dificuldade para obter crédito externo estão obrigando os governos a fazer ajustes contra sua vontade. Os ajustes estão sendo feitos de forma vergonhosa e tardia.

Na Argentina, 2013 terminou com saques, cortes de luz e conflito social. O governo pretende limitar a 20% os aumentos de salários com uma inflação da ordem de 27% ao ano. O governo da Venezuela, enfrentando uma inflação de 56%, crescimento de 1,6% e desabastecimento, trata de disfarçar a inevitável desvalorização com taxas de câmbio múltiplas.

Por hora, não parece previsível que se produza um colapso. O que está acontecendo é uma degradação econômica e social, na medida em que ambos os países consomem o estoque de capital e a inflação cumpre sua ação demolidora sobre a poupança e o valor real dos salários.

O relato destes desacertos deve induzir sentimentos de solidariedade, motivados por infortúnios alheios. Ademais, deixa lições valiosas para o resto da América Latina. Por um lado, demonstra o perigo que representam os caudilhos iluminados. Por outro, confirma que é uma boa ideia delegar as responsabilidades pelo manejo da política econômica a pessoas competentes.

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