O GLOBO - 19/01
Minha opinião é que 'num' é melhor do que 'em um' e que rolezinhos são expressão de luta de classes
Dê um rolê: você não vai encontrar a contração da preposição “em” com o artigo indefinido em nenhum texto impresso no Brasil em tempos recentes. Mesmo na biografia de Alexandre Frota, em que o português é tratado com demasiada licença, repete-se, até nas transcrições de falas do biografado, a suposta fineza de grafar a preposição separada do artigo. Me lembro (e aqui vai uma homenagem irônica, tanto aos linguistas quanto aos defensores da gramática da norma culta) de ter exposto minha estranheza em relação ao abandono do “num” e do “numa” (e, consequentemente, é claro, do “nuns” e do “numas”) no blog “obraemprogresso” e ter recebido resposta sóbria de Heloisa Chaves, a mais atenta às questões da língua entre os comentadores, confessando que de fato sempre dizia “num” mas escrevia “em um”. Aprendera na escola. É muito mais jovem do que eu e isso me fez observar que talvez tenha havido um acordo, mesmo informal, desautorizando a mencionada contração na linguagem escrita. Quando eu estudei, a contração da preposição “em” com o artigo “um” (e suas variações de gênero e número) era ensinada como a que se dá entre a mesma preposição e o artigo definido: ninguém diz ou escreve “em a” ou “em o”. Por alguma razão, deixou-se de encorajar os estudantes a fazerem o mesmo com artigos indefinidos, ao menos por escrito, já que não costumo ouvir nada além de “nuns” e “numas” nas falas de todos os meus eventuais interlocutores. Imagino o Alexandre Frota contando que, “em uma noite”, botou pra “fuder”. Pode ser que, influenciados pela escrita, alguns já falem assim e eu, com o ouvido viciado, não ouça.
Parece que “num” passou a ser considerado não algo como “no”, mas um caso semelhante ao de “pro”. Falando, digo que vou “pro Rio”. Muitas vezes escrevo assim em e-mails. Mas se preparo um texto sério para alguma coisa (uma orelha, uma contracapa, um release, um artigo) escrevo “para o Rio”. E mesmo que não o faça, sei que estou tomando a liberdade de transcrever um som coloquial que não é normal (esta é a boa palavra) na linguagem escrita. E, mesmo na fala, dizer “para o Rio” não me soa artificial. Apenas demonstra uma correção que pode sugerir ênfase ou detalhamento para maior clareza. Já “em um”… Sei não. Leio: “Em um ano de eleições as raposas levantam as orelhas”. Me pergunto: Por que não “Num ano de eleições”? Parece que, provinciano nascido e criado numa cidade pequena de uma região que não era nem Nordeste, fiquei por fora dos avanços nos currículos escolares. Teimosamente sigo escrevendo “num” e “numa” e “nuns” e “numas”. O final da letra de “O leãozinho” cita a frase “entrar numa” (que em São Paulo passou a ser “numas”, inclusive abandonando o verbo “entrar”). Me lembro (outra vez a próclise que me parece tão bonita — com o português brasileiro também nisso se aproximando do espanhol e sua clareza) de, passando um tempo na Costa do Marfim na casa de Nazaré e Fabrício, este último me ter chamado a atenção para o fato de que “Numa” era o nome do leão de Tarzan. A canção era então recém-composta e o álbum que a inclui só sairia depois de minha volta ao Brasil: botei a palavra “NUMA” toda em caixa-alta na letra impressa no encarte.
Curioso é que passei esses dias aqui na Bahia repetindo a palavra “rolezinho” em conversas com meu filho mais novo e nossos amigos — e todas as vezes eu pronunciei “rolèzinho”. É como se os baianos sempre tivéssemos pronunciado “rolé”, em vez de “rolê” (os da geração que escreve “em um” não devem saber que se usava o acento grave para definir uma sílaba subtônica, em geral em advérbios de modo nascidos de adjetivos proparoxítonos ou em diminutivos de substantivos oxítonos terminados em “e”: escrevíamos “cafèzinho” e teríamos agora que escrever “rolèzinho”, caso a palavra fosse mesmo “rolé” — mas vejo que, se era “rolê” para os Novos Baianos por que seria “rolé” para alguém?). Não sei por que tive esse ataque de baianismo, do qual só me dei conta quando meu filho já tinha tomado o avião para o Rio. Ele é baiano de nascimento mas carioca de formação. Suponho que tenha estranhado a pronúncia. Seja como for, minha opinião é que “num” é melhor do que “em um” e que rolezinhos são expressão de luta de classes. Gosto menos de ler na “Folha” que os black blocs vão tomar para si algo inocente do que “garotos entraram em um shopping”. Quanto a black blocs, tou mais pra Viveiros de Castro do que pra Ruy Castro. Daí usar expressões para mim exóticas como “luta de classes”. Só não acham isso blogueiros que pensam que o “Esquenta” é racista. Pelo menos é o que me diz a lógica. Rolezinhos são revolucionários, sexy e historicamente significativos.
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