O Estado de S.Paulo - 10/10
O impressionante nas entrevistas sobre os 25 anos da Constituição de 1988 é que ninguém sabe direito o que ela assegura. Na empolgação da época, a nova Carta serviria para resgatar a "dívida social" acumulada ao longo de vários anos. Mas mexeu em tanta coisa que é difícil fazer uma síntese das principais mudanças.
Trabalhei em vários governos no auge de sua implementação e percebi a dificuldade futura para cumprir todas as promessas ali embutidas. Preocupava-me, principalmente, a instalação do Estado de Bem-Estar Social, a meu ver sua marca principal. Mesmo sendo um país pobre relativamente à média do mundo ocidental, o Brasil resolveu adotar uma rede de proteção comparável às vigentes nas principais democracias.
O resultado é que hoje a União paga benefícios assistenciais e previdenciários a 50 milhões de pessoas, comprometendo 60% do Orçamento. E deve atender, com transferência de dinheiro financiada por impostos, mais da metade da população, se admitirmos que cada contracheque beneficia duas pessoas. Um exagero para um país no estágio do nosso, pois os programas assistenciais nem sempre contemplam os efetivamente mais pobres.
Ainda somos uma economia de renda média, e, mesmo com uma população relativamente jovem, o porcentual de idosos cresce a uma velocidade avassaladora. Em parceria com analistas amigos, estimei que o gasto real total com benefícios previdenciários e assistenciais deve simplesmente dobrar nos próximos 40 anos. Como vamos dar conta de pagar tudo isso? Uma agravante: boa parte desses benefícios paga um salário mínimo, obra da Constituição de 1988. Uma vez que atualmente ele é reajustado pela inflação mais o crescimento do PIB, a conta implícita é explosiva.
Outro grande obstáculo é a exigência constitucional de o serviço público empregar exclusivamente por meio do regime estatutário, responsável por estabilidade no emprego e aposentadoria integral. Primeiro, porque, em muitas atividades, a existência de um regime de pessoal mais flexível é fundamental para assegurar serviços de qualidade mínima. Segundo, porque cria um grupo privilegiado de trabalhadores, admissível apenas em casos muito especiais.
Para financiar todos os aumentos de gastos, a carga tributária subiu assustadoramente nos últimos anos, situando-se hoje perto de 40% do PIB, acima da média de qualquer grupo de países onde se costumam aglutinar as estatísticas macroeconômicas. A carga atual sufoca a população e impede o Brasil de ter um desempenho econômico comparável à média dos países emergentes.
Restam ainda mais duas limitações cabeludas a merecer consideração. Uma é a forte contração dos investimentos públicos nas últimas décadas, legando aos brasileiros uma das piores infraestruturas do mundo. Outra é a ineficácia do investimento feito, pois, mesmo nas áreas contempladas com maior volume de recursos públicos - educação, por exemplo -, os indicadores de desempenho se situam abaixo da média de países comparáveis ao nosso em termos de renda per capita.
O capítulo final desses constrangimentos é o viés estatista predominante em muitas administrações do País. Sabe-se que o Estado é ineficiente, ou seja, ao atuar, corrói recursos da sociedade e dispõe de cada vez menor volume de dinheiro para investir. Ainda assim, os governos insistem em impor ao setor privado a prestação de serviços de qualidade a preço de banana nas várias áreas em que o Tesouro não tem condições de atuar.
A proximidade das eleições de 2014 traz óbvias limitações a uma discussão profunda do tema e ao alinhamento de reformas destinadas a evitar uma grande crise no futuro. Espero, no entanto, que o alerta das manifestações de junho e a mexida no tabuleiro político ocorrida no fim de semana proporcionem uma oportunidade de discussão mais profícua dos grandes temas nacionais. São perspectivas que trazem novo alento à sociedade brasileira.
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