quinta-feira, outubro 10, 2013

Cúmplices do vandalismo - EDITORIAL GAZETA DO POVO - PR

GAZETA DO POVO - PR - 10/10

Tão preocupante quanto a violência dos black blocs é a construção, nas universidades, de um arcabouço teórico que justifica a depredação verificada em grandes cidades brasileiras


Depois da baderna promovida no Sete de Setembro, os black blocs voltaram com força à cena pública, no embalo da greve dos professores no Rio de Janeiro e em São Paulo. Nesta semana foram registradas as já conhecidas cenas de violência e depredação que não pouparam nada que estivesse no caminho dos vândalos mascarados. Apostando no despreparo das polícias, que muitas vezes respondem de forma desproporcional, piorando os confrontos, os black blocs espantaram das ruas os cidadãos que protestaram em junho, e agora encontraram um novo pretexto para dar vazão a impulsos de destruição que precisam ser contidos o quanto antes.

Nesse sentido, leis como a aprovada no Rio de Janeiro, que proíbe máscaras em manifestações, são mais que necessárias no cenário atual. A Constituição, que garante em seu artigo 5.º o direito à liberdade de expressão, já faz a ressalva de que é vedado o anonimato. Não vivemos em um Estado totalitário aos moldes socialistas, em que ser identificado em um protesto pacífico contra o governo poderia render consequências funestas. No contexto brasileiro, não existe nenhuma razão que justifique esconder o rosto quando há o objetivo de se manifestar pacificamente. Ao recorrer às máscaras, os black blocs anunciam de antemão seu intento criminoso de usar a violência para conseguir seus objetivos.

No entanto, além de criticar os métodos dos black blocs, é preciso chamar a atenção para uma tendência crescente: a de justificar a violência como meio legítimo de protesto em quaisquer circunstâncias. Como salientou o sociólogo Demétrio Magnoli em artigo publicado nesta Gazeta semanas atrás, a construção de um arcabouço intelectual para defender o uso da violência remonta aos chamados “autonomistas”, na Itália dos anos 70. Suas lições foram aprendidas pelos terroristas daquele país – alguns dos quais viveram ou ainda vivem muito bem, obrigado, no Brasil, protegidos por absurdos asilos ou trabalhando para partidos de esquerda, como Cesare Battisti e Achille Lollo.

A herança dos autonomistas italianos foi recolhida por intelectuais que estão atualmente na academia, formando os nossos jovens. Magnoli cita dois casos, o de Rafael Alcadipani Silveira, para quem os jovens das periferias “já são vítimas da violência cotidiana por parte do Estado e por isso os protestos violentos passam a fazer sentido para eles”, e de Pablo Ortellado, para quem a estratégia dos black blocs não é violenta por estar orientada a coisas, e não a pessoas. “A destruição de propriedade sem outro propósito que o de demonstrar descontentamento simboliza, e apenas simboliza, a ojeriza à exploração econômica ou à dominação do Estado”, escreveu em sua página no Facebook, acrescentando que a tática dos black blocs “deve ser entendida mais na interface da política com a arte do que da política com o crime”. Silveira leciona na Fundação Getulio Vargas, em São Paulo; Ortellado, na USP (que, talvez não por coincidência, esteja vivendo episódios similares de vandalismo, com uma nova invasão à reitoria).

Mas eles não são os únicos. “Como protestar pela palavra se é ela o suporte por meio do qual o Estado de Direito exerce violência? É preciso criar novas formas de comunicar: o Black Bloc pode ser uma delas”, diz o professor de Teoria Política Nildo Avelino, da Universidade Federal da Paraíba. São opiniões que não surpreendem, quando se leva em conta que um dos mais incensados intelectuais de esquerda da atualidade, Slavoj Zizek, defende a “violência revolucionária” como uma “terapia de choque”, uma resposta necessária para abalar as estruturas da sociedade.

É com esse nível de agressão à democracia que os professores da rede pública estão flertando quando acolhem os black blocs em suas manifestações, chegando ao cúmulo de entoar bordões como “uh, é black profes”, ouvido no Rio de Janeiro. Na menos pior das hipóteses, estão se aproveitando do vandalismo para forçar o governo a negociar, o que já é grave o suficiente, pois indica a prevalência de uma mentalidade segundo a qual os fins justificam os meios. No pior dos cenários, também os docentes se deixaram contaminar pela justificação intelectual da violência, mentalidade inaceitável, especialmente quando se trata dos responsáveis por formar nossa juventude.

Um comentário:

matuto disse...

Brilhante artigo. Não sou a favor ou contra, mas causa "arrepios" quando é citado o nome Cesare Battisti, pois este "senhor" para continuar livre no país, movimentou ilustres personalidades do mundo político e, o histórico de sua vida pregressa não deve servir de modelo para os que aí estão.