O GLOBO - 10/10
Percebo que começa a me acontecer, em relação aos DVDs, o que já me aconteceu, há tempos, com os CDs: acho antiga a mecânica de abrir as caixas, pegar os discos e pô-los no player certo
Ando órfã de “Game of thrones”, “Downton Abbey”, “Homeland” e “The newsroom”. Vou para a minha salinha de vídeo — que é apenas o antigo quarto da Bia com um sofá, estantes cheias de DVDs e uma tela de plasma de 44 polegadas — e me queixo, como a perua que não encontra nada para vestir no closet abarrotado: “Não tenho nada para ver!”
Se os céus fossem justos, nessa hora me cairia um raio sobre a cabeça. Ainda não assisti aos novos filmes indianos e coreanos que encomendei, e uma pilha de lançamentos fechadinhos nos seus celofanes espera vaga no player e na estante. Mas percebo que começa a me acontecer, em relação aos DVDs, o que já me aconteceu, há tempos, com os CDs: acho antiga a mecânica de abrir as caixas, pegar os discos e pô-los no player certo. Quero ligar o monitor e encontrar, em alguns cliques, o que estou com vontade de assistir.
Esse processo foi tão radical com os CDs que nem me lembro mais quando foi a última vez que ouvi um deles. Na verdade, nem tenho mais CD player. Tenho, isso sim, dezenas de CDs ainda lacrados — cujo conteúdo conheci pela internet, que é por onde passa a minha música hoje. Descobri toda a extensão do meu comodismo digital quando, um dia, achei mais prático baixar o que estava querendo ouvir do que ir até a sala buscar o CD.
Em tempo: não há incongruência entre essa relação de amor com filmes e músicas em formato digital e a minha resistência aos e-books. Ler é um ato físico que envolve vários sentidos, da visão ao olfato, e algumas das minhas idiossincrasias não cabem num Kindle: dar uma olhada na última página, ler o miolo na diagonal, folhear o livro, saltar capítulos para frente e para trás.
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Olho para a quantidade de bens culturais que me cercam e me censuro pelo momento de tédio. Nenhuma geração anterior à nossa teve tanto saber e entretenimento à disposição. Se eu nascesse na Idade Média e tivesse tido a sorte de ser alfabetizada, teria acesso, no máximo, aos 50 ou cem livros que compunham, nas cidades mais progressistas, as bibliotecas acorrentadas — que têm esse nome porque, nelas, os manuscritos ficavam presos às mesas ou estantes por correntes, para não serem roubados.
Para ouvir música quando tivesse vontade, teria que tocar, eu mesma, o meu próprio instrumento. Ou teria que ter nascido numa família aristocrática muito, muito rica, que pudesse se dar ao luxo de manter músicos a seu serviço. Hoje, porém, estou a um clique de uma legião de mestres, muitos inclusive já falecidos — luxo com que nenhum rei, em toda a sua realeza, foi sequer capaz de sonhar.
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A racionalização consola, mas não resolve. Eu queria um capítulo novo, inédito, de alguma das minhas séries queridas. Na falta, caí em “Scandal”, que alguém me recomendara pelos bons antecedentes: ela é criação de Shonda Rheimes (de “Grey’s anatomy”).
Assisti à primeira temporada sem entusiasmo. A produção (da ABC) é até caprichada, mas o roteiro tem furos risíveis, e os diálogos, sem brilho, tentam compensar a mediocridade pela rapidez com que são ditos. É como se a direção acreditasse que a velocidade pode substituir, ou pelo menos disfarçar, as falhas do conteúdo. A maioria dos atores cumpre o seu papel com a eficiência que se espera de um time de horário nobre — e só.
Mas eis que, ainda sem ter o que ver, emendei a segunda temporada. E não é que gostei? “Scandal” cresce no segundo tempo, talvez porque tenha sofrido alterações de rota, talvez porque as personagens já tenham sido apresentadas, talvez porque a trama se adensa, talvez por todas essas razões juntas. O fato é que, agora, espero a terceira temporada, que acaba de estrear nos Estados Unidos, com curiosidade.
A história gira em torno de Olivia Pope (Kerry Washington), que dirige um escritório de gestão de crises em Washington, e teve um caso com o presidente Fitzgerald Grant (Tony Goldwyn). A cada episódio, seu escritório tem uma bananosa diferente para resolver; o fio condutor de um a outro é a vida na Casa Branca, com seus podres e suas disputas de poder. A CIA e a NSA são apresentadas como as agências sem escrúpulos que são, o que faz com que, volta e meia, a gente se pegue torcendo pelos malfeitores, o que é sempre divertido.
Kerry Washington, que foi indicada ao Emmy e faz um sucesso enorme nos Estados Unidos, não me diz nada. Faz tantas caras e bocas que chega a ser caricata. Goldwyn também não convence como presidente. Mas “Scandal” tem uma primeira-dama perfeita, a morena gelada Mellie (Bellamy Young), um advogado fantástico, Harrison, braço-direito de Olivia (Columbus Short), e o melhor casal homossexual da televisão, disparado, composto pelo chefe de gabinete Cyrus Beene (Jeff Perry) e pelo repórter James Novak (Dan Bucatinsky, que ganhou o Emmy de ator convidado pelo papel).
Os dois funcionam lindamente juntos, se entendem e desentendem com naturalidade e passam, com sucesso, a sensação de uma cumplicidade ma non troppo que, aqui e ali, esbarra nos limites impostos pela ambição.
“Scandal” não se compara a “West Wing” ou a “House of cards”, duas séries políticas de maior densidade atômica, mas acaba sendo, afinal, uma boa diversão.
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