O GLOBO - 04/09
O motorista que vai me levar para a Bienal do Livro, onde eu participaria de um debate, chegou com quase três horas de antecedência. Achei um exagero, mas ele explicou que às sextas-feiras o trânsito para lá é muito lento e complicado. Felizmente, ele conhecia alguns desvios e assim demoramos “apenas” duas horas. Lá, na sala dos autores, a conversa era essa: “Vim bem, levei apenas uma hora e meia.” “Pois eu demorei duas.” “Pior foi fulano que levou quase quatro.” Um outro conta que saiu de casa junto com a mulher, que ia para Teresópolis, e ela chegou lá antes dele. A piada era: “Uma pena que a Bienal não aconteça no Rio, mas na Barra.” Imagina no Rock in Rio daqui a pouco, quando as quase 600 mil pessoas que estão sendo aguardadas (85 mil por dia) se deslocarão durante os 7 dias do festival para o espaço vizinho ao da Bienal. Pode-se alegar que a Barra é longe, há as manifestações, há as obras do metrô, além de outras, daí o engarrafamento. Se fosse só isso, o transtorno seria passageiro e localizado. Mas não. Está se repetindo aqui o que se reclamava de São Paulo: “O trânsito é horrível; não sei como eles aguentam tantas horas dentro dos carros e ônibus.”
O fenômeno, que ataca todas as metrópoles, faz parte da chamada crise da mobilidade urbana, oriunda da opção pelo modo de transporte individual em detrimento dos sistemas coletivos de deslocamento. Graças aos incentivos concedidos pelo governo federal à indústria automobilística e graças à elevação do poder aquisitivo da população, houve uma explosão da frota de veículos e, em consequência, aumento proporcional dos congestionamentos e do tempo de locomoção. Embora tenha havido este ano uma queda geral de 1,2% em emplacamento de veículos, o Rio vem registrando índices absolutos consideráveis. Nos dez últimos anos, a frota da metrópole fluminense cresceu 62%, ou mais de 1 milhão de automóveis em termos absolutos. Estima-se que em 2020 haverá um carro para cada dois moradores. Depois reclamam quando o governador, coitado, precisa usar o helicóptero para ir trabalhar.
Se não houver um freio nesse ritmo, daqui a umas três bienais o motorista virá me pegar de véspera.
Antes mesmo de completar quatro anos, Alice já escolheu a profissão. “Vou ser atriz de teatro na França.”
— Você nem conhece a França.
— Conheço sim, estive lá na barriga da minha mãe.
— Mas então você não viu nada.
— Vi sim, eu tava saindo. A cabeça já tava de fora.
Ela não dá o braço a torcer. Pra ter razão, inventa e fantasia à vontade.
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