GAZETA DO POVO - PR - 04/09
Políticos de todo o país cumprirão o script oficial durante as comemorações do Sete de Setembro, no próximo sábado. Vão subir em palanques, cantar o Hino Nacional e assistir aos desfiles cívico-militares. Mas à maioria faltará refletir sobre o verdadeiro espírito da independência que moveu os brasileiros a se separarem de Portugal há 191 anos. Esse sentimento estará do outro lado das grades que separam as autoridades do restante da população.
Nações que se libertam (ou tentam se libertar) da metrópole nutrem uma motivação em comum. O grito do Ipiranga foi uma reação diante da intenção portuguesa de transformar o Brasil novamente numa colônia – algo que havia sido superado com a transferência da família real lusitana para o Rio de Janeiro, em 1808. Antes disso, em 1789, a Inconfidência Mineira havia buscado a independência por causa dos altos tributos cobrados pela Coroa sobre a extração de ouro. Os inconfidentes inspiraram-se na Revolução Americana – quando os colonos dos Estados Unidos se insurgiram contra as elevadas taxas impostas pelos ingleses e decidiram criar um país.
Embora o processo histórico seja diferente em cada nação, há um pano de fundo que une todos os povos que tentam se libertar: a insatisfação com o poder constituído. Uma insatisfação insanável que leva ao ato extremo. Esse é o espírito da independência.
Apesar de não haver movimentos separatistas relevantes no Brasil de hoje, existe um forte desconforto com a atuação das autoridades. Os protestos de junho, que talvez se repitam nas celebrações da Independência, mostraram que há um abismo entre os poderes constituídos e o povo. Não é algo insanável a ponto de levar a uma ruptura institucional. Mas a semente do descaso com a opinião pública – plantada e irrigada ao longo de muitos anos pelos políticos e cujo último capítulo foi a manutenção do mandato do deputado-presidiário Natan Donadon – tem sido suficiente para acirrar ânimos e levar alguns a cometer atos violentos e de vandalismo.
A percepção de que a população paga muito imposto – um estopim comum a processos de rebelião – também faz parte do atual contexto brasileiro. Embora os serviços públicos sejam deficientes, o país destina 36,27% de suas riquezas para quitar tributos – muito mais do que o quinto (20%) cobrado sobre ouro, fator que deflagrou a Inconfidência.
No plano federativo, o governo federal também se comporta como uma espécie de metrópole arrecadadora. Estudo da Confederação Nacional dos Municípios mostra que, em 2010, a União arrecadou 67,9% do total de tributos cobrados, contra apenas 26,7% dos estados e 5,4% das prefeituras.
Os políticos parecem não ter percebido. Mas estão assoprando a chama que acende o espírito da insatisfação.
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