O Estado de S.Paulo - 04/09
Ao longo dos últimos 15 anos assumi posição incansável em defesa do Mercosul. Sempre entendi as nossas relações político-econômico-comerciais com os países da região como da maior relevância. Lembro que as razões que, principalmente, levaram os presidentes José Sarney e Raúl Alfonsín a lançarem o Mercosul (a que posteriormente se associaram Uruguai e Paraguai) foram de natureza política, pois, recém-saídos de regimes autoritários, esse acordo seria um excelente antídoto para indesejáveis recaídas.
Um dos aspectos positivos do Mercosul foi que progressivamente aumentou o conhecimento recíproco entre argentinos e brasileiros, que praticamente se ignoravam, e mesmo com altos e baixos nossas relações comerciais se ampliaram substancialmente.
Em períodos mais recentes a economia brasileira, bem mais dinâmica que a de nossos vizinhos e com uma classe empresarial bem mais ativa, passou a acumular expressivos saldos na balança comercial. Associadas a esse aspecto, as dificuldades dos argentinos em acessar o mercado internacional após o default de sua dívida externa motivaram nossos vizinhos a passar a adotar medidas protecionistas, cada vez mais severas, para preservar suas reservas cambiais, com forte impacto nas exportações brasileiras. Os exportadores argentinos têm de exportar o equivalente em dólares do que estão comprando.
O governo do Brasil em vários momentos adotou uma atitude compreensiva, buscando entender as dificuldades dos nossos vizinhos - em muitas situações, até mesmo contrariando interesses brasileiros e sendo por isso muito criticado. A Federação das indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp) também tem procurado - apesar da defesa da indústria paulista - encontrar algum ponto de equilíbrio para minimizar os efeitos protecionistas dos vizinhos, estimulando a substituição de importações de produtos que fazemos de outros países por similares argentinos. Que mitigaram o déficit em nossas contas com a Argentina.
Por essa e por outras, hoje, obviamente, não existe o mesmo entusiasmo pelo Mercosul, sendo crescente o número de empresários, economistas e outros formadores de opinião que defendem o abandono do bloco como união aduaneira e sua transformação numa zona de livre-comércio. Entre outras razões, pelo fato de não podermos buscar outros acordos comerciais sem que nossos parceiros concordem.
Como muito bem lembrava o ex-ministro das Relações Exteriores Celso Lafer, nossa relação com a Argentina não é opção, é nosso destino. Assim sendo, tudo o que acontece ao sul do Brasil acaba nos afetando diretamente.
As políticas argentinas em disputa com Brasil, como as suas barreiras comerciais, a inflação e a restrição ao dólar, vêm sendo amplamente debatidas. Mas o que não foi suficientemente absorvido é um novo e possível grave problema que surge no horizonte: a ameaça de mais uma crise no seu setor externo, de dimensão não facilmente calculável e que devemos acompanhar de perto.
No cerne da questão está o pagamento aos credores que não aceitaram a troca unilateral de títulos, em 2005 e 2010, que aquele país deixou de pagar em 2001. O total da dívida dos que não aceitaram os acordos chega a US$ 1,4 bilhão. Esses credores vêm obtendo ganhos de causa em diferentes instâncias do Poder Judiciário norte-americano. Pelo que se sabe, o governo argentino só estava disposto a oferecer os mesmos termos propostos àqueles que aceitaram anteriormente a troca.
Estando bloqueada nos mercado internacionais, a Argentina vem pagando apenas suas obrigações com os títulos performing de 2005 a 2010, usando as reservas do Banco Central da República Argentina (BCRA), as quais, enquanto suas commodities subiam de preço, estavam em situação favorável. As reservas atuais, na casa dos U$S 37 bilhões, estão no nível mais baixo dos últimos cinco anos.
Em 23 de agosto a Argentina perdeu apelação e foi determinado que o país pague US$ 1,33 bilhão a detentores de títulos que se recusaram a participar de duas reestruturações da dívida. A Corte de Apelações de Nova York declarou que o cumprimento da decisão ficou pendente até que a Suprema Corte resolva a questão. Essa decisão poderá tardar um ano ou mais e vai obrigar o governo argentino a rever sua posição e ter de novamente renegociar.
Os mercados estão cada vez mais preocupados com uma nova crise que pode ocorrer! O risco país da Argentina continua a ser um dos mais altos do mundo, sinal importante do nível da falta de confiança.
Os efeitos, para a crítica situação argentina, de baixo crescimento em 2013 e altas taxas de inflação ainda vão piorar o quadro geral. E o BCRA será praticamente a única fonte de crédito para o país com o eventual bloqueio dos mercados adicionais para títulos argentinos, mesmo de províncias e municípios, que ainda acessavam o mercado.
Para o Brasil as consequências, é obvio, serão negativas, pois tendem a ampliar barreiras comerciais, aumentando as dificuldades de exportação. Hoje, apesar de certamente haver nos mercados internacionais maior consciência de que Brasil e Argentina vivem momentos diferentes, não podemos ignorar desdobramentos indesejáveis para o nosso país.
Em eleições recentes realizadas em Buenos Aires, com uma cisão no Partido Justicialista (peronista) e que terão de ser confirmadas em outubro, as possibilidades de a Constituição ser alterada para permitir um terceiro mandato de Cristina Kirchner ficaram praticamente afastadas. Esse é certamente um novo dado na complexa equação que nossos vizinhos estão vivenciando e não podem mais protelar.
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