VALOR ECONÔMICO - 21/08
Resistência do governo na área fiscal impõe prejuízos ao país
O Brasil não está em crise. Não há insolvência nas contas públicas - o Estado não ameaça dar um calote na dívida. Não existe também uma crise no balanço de pagamentos - o país não está na iminência (longe disso) de não honrar a dívida externa. Sendo assim, por que os mercados têm funcionado nos últimos dias e semanas sob o signo do nervosismo e da exasperação, como se o país vivesse uma crise profunda?
A resposta está em Brasília, mas o governo se recusa a aceitá-la. Há uma clara inconsistência na política econômica. Enquanto o Banco Central (BC) eleva a taxa de juros para segurar a inflação, que nos últimos seis anos operou todo o tempo (com exceção de 2009, período de recessão) acima da meta de 4,5% e neste ano não caiu uma só vez abaixo de 6% (ver gráfico), o Ministério da Fazenda mantém política fiscal expansionista e, pior, nada crível.
Muito já se falou do fracasso da matriz macroeconômica adotada pelo governo a partir de agosto de 2011. Juro historicamente baixo e câmbio artificialmente depreciado, aliados a uma política fiscal crescentemente expansionista, não foram suficientes para despertar o espírito animal dos empresários. Na verdade, produziram o efeito contrário: baixo crescimento, inflação pressionada, descrédito fiscal e espírito animal aplacado.
Como credibilidade se tornou mercadoria escassa no Planalto Central, desde abril o BC vem tentando fazer a sua parte para restabelecê-la. O diagnóstico: o avanço do IPCA corroeu a renda real e derrubou a confiança dos brasileiros. Ao perceberem esse fenômeno, os empresários também pisaram no freio.
Na opinião do BC, a única forma de restaurar a confiança é derrubar a inflação dos 6% onde ela se encontra desde janeiro, emitindo um sinal claro tanto a consumidores quanto a empresários de que não vai mais tolerar índices de preços nesse nível. Para desinflacionar a economia, a autoridade monetária enfrenta uma dificuldade que, em abril, não vislumbrava: a forte desvalorização do real frente ao dólar, provocada pela expectativa de mudança da política monetária americana.
O BC já precisava da ajuda da política fiscal antes mesmo da depreciação do real. Agora, esse auxílio se tornou imperioso. E quanto mais ele é impreterível, menos o governo parece disposto a entregá-lo. O Palácio do Planalto prefere acreditar na tese de que o mercado, essa entidade integrada por gente malvada e conspiradora, quer impor uma agenda à presidente Dilma Rousseff. Um item dessa agenda seria a demissão do ministro da Fazenda, Guido Mantega, e do secretário do Tesouro, Arno Augustin.
É verdade que empresários com trânsito junto ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva o procuraram há alguns meses para sugerir que Mantega fosse substituído por Henrique Meirelles, ex-presidente do BC. A mudança, alegaram, resultaria num choque de credibilidade. Lula, entretanto, não levou a proposta a Dilma, mas fez um aceno: disse a ela que, se desejasse tirar Mantega, não haveria óbice da parte dele.
Dilma decidiu, porém, pela manutenção do ministro. Ordenou-lhe que parasse com a contabilidade criativa que minara a credibilidade das contas públicas, anunciasse um compromisso até então inexistente de superávit primário para 2013 e preparasse cortes no orçamento para tornar crível o ajuste prometido nas contas públicas. Mantega até fez isso, mas a má reputação na área fiscal parece irreversível: no mercado, ninguém acredita mais no Ministério da Fazenda.
Sem confiança nos números fiscais e em meio ao nervosismo dos mercados no processo global de reposicionamento do dólar, os investidores estão castigando mais o Brasil do que outros países emergentes. Desde maio, quando se iniciou a valorização do dólar, o real foi a moeda que mais perdeu valor (-17,18%), seguido da rúpia indiana (-14,93%), do rande (-11,43%), da rúpia da Indonésia (-8,93%), da nova lira (-8,10%), do peso argentino (-7,35%), do peso mexicano (-6,54%) e do rublo (-5,80%).
A preocupação não decorre de uma agenda do mercado, mas de um raciocínio simples: sem ajuda da política fiscal, o BC terá que elevar o juro além do necessário, derrubando a atividade e tornando ainda mais difícil o cumprimento da meta fiscal, o que por sua vez pode levar ao rebaixamento da classificação de risco da dívida brasileira.
O juízo continua: diante do baixo crescimento, o governo usará a política fiscal para mover a atividade, afinal, 2014 é ano eleitoral e a presidente Dilma é candidata à reeleição -isto, sem falar na desconfiança, sempre presente neste governo, de que, em algum momento, pressionado politicamente, o BC interromperá o ciclo de aperto monetário. Não é sem razão que os agentes econômicos exigem que o governo mostre como entregará o superávit primário deste ano (2,3% do PIB) e anuncie uma meta para 2014.
Nos últimos dias, o ministro da Fazenda não ajudou ao afirmar que "é factível chegar a um primário de 2,3% do PIB se todos fizerem a sua parte". Segundo ele, a parte federal no bolo está "quase" resolvida, mas a de Estados e municípios ainda está sendo trabalhada. Desde 1999, a regra dizia que, descumprida a meta pelos entes da federação, a União cobriria a diferença. Coube à atual equipe econômica acabar com essa exigência, o que agora também contribui para o clima de absoluta insegurança.
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