O GLOBO - 21/08
Ao longo de sua secular história, o Theatro Municipal do Rio de Janeiro não deve ter visto muitas vezes uma mistura de cores, sons e classes sociais como a de segunda-feira passada, quando a Orquestra Sinfônica Brasileira realizou o Concerto Pela Paz, com o duplo objetivo de celebrar os 20 anos do Grupo Cultural AfroReggae e de promover a campanha de um Rio pacificado. O espetáculo, aberto com o Hino Nacional cantado por um coro de 2 mil espectadores regidos pelo maestro Roberto Minczuk, não podia ser mais simbólico. No palco, clássicos de Heitor Villa-Lobos, Jean Sibelius, Stravinsky, Camargo Guarnieri e Lorenzo Fernandez com a participação de músicos e bailarinos do AR. Por duas vezes pelo menos o público se levantou emocionado para aplaudir: quando cinco jovens violinistas integraram a orquestra no número “Andante festivo”, de Sibelius, e quando o grupo de bailarinos acompanhou a “Dança selvagem”, de Guarnieri, e “Batuque”, de Fernandez. Na plateia, uma mescla de intelectuais, artistas, jornalistas e muitos moradores das comunidades em que o AR atua e que pela primeira vez frequentavam aquele templo da cultura erudita, ouvindo sons inéditos de instrumentos desconhecidos como fagote, contrafagote, oboé.
O Concerto fez parte de um movimento que se organizou para criar uma “rede de proteção” a José Junior, coordenador do AfroReggae, que vem sofrendo ameaças de morte de traficantes e se recusa a deixar o país. Chamado ao palco pelo maestro, ele fez questão de dividir a homenagem com o secretário de Segurança, José Mariano Beltrame, que lhe tem garantido escolta dia e noite. A fala dos dois foi uma profissão de fé na pacificação da cidade. Junior, que tinha tudo para duvidar da eficácia das UPPs, aproveitou para reiterar seu apoio a elas, que vivem um momento crítico devido a inaceitáveis desvios como o criminoso desaparecimento do pedreiro Amarildo (além da ação dos traficantes, que levaram a Central Única de Favelas a se retirar do Complexo do Alemão e o próprio AfroReggae a fechar de novo as portas ali). Beltrame é o primeiro a reconhecer que o projeto tem sérios problemas, mas se sabe que a melhor maneira de corrigi-los não é por meio do seu enfraquecimento, e sim de rigorosos aperfeiçoamentos e correções. Não se pode deixar de admitir que, apesar de tudo, a implantação das Unidades de Polícia Pacificadora foi um avanço, uma conquista.
O Concerto, porém, não era o lugar para esse debate, ainda que fundamental. Era uma noite de celebração que poderia receber como título o slogan que Junior usa para afastar preconceitos e discriminação do grupo que criou: “Todos juntos e misturados.”
Nenhum comentário:
Postar um comentário