O Estado de S.Paulo - 21/08
Desde ontem está vigorando no Rio de Janeiro a Operação Lixo Zero. Quem jogar lixo na rua pagará multa que pode variar de R$ 150 por uma "bituca" de cigarro até R$ 3 mil para quem criar áreas de despejo clandestinas. Quem não pagar terá seu nome inscrito na Serasa e perderá o acesso ao crédito.
Antes mesmo de a operação começar o lixo recolhido nas ruas da cidade já diminuiu mais de 1/3. É que 900 fiscais da Comlurb há dois meses vêm dando flagrantes nas pessoas, orientando-as sobre o que fazer com cada tipo de descarte e avisando que a partir de 20 de agosto as multas virão. Essa abordagem honesta certamente contribuiu para mobilizar a população. Mas o peso da multa e a antevisão da inexorabilidade com que será aplicada, subentendida nessa preparação, conquanto bem-educada, é que foi o argumento decisivo para fazer a coisa pegar.
A civilização não é muito mais que a presença da polícia. Falo em sentido figurado, mas nem tanto. Impor a lei é remédio que funciona para o Rio e para Nova York. Funciona para o Zé da Silva e para o Steve Jobs. Funcionaria também, portanto, até para os nossos políticos.
Ao contrário do que se costuma dizer por aí, esse tratamento dispensa uma cultura e um processo civilizatório prévios. É aplicar e manter a pressão que a coisa acontece. Se a lei for imposta com a inexorabilidade com que os radares impõem a velocidade máxima nas estradas, o resultado é imediato e infalível. Todo mundo passa a respeitar. O inverso também é verdadeiro, independentemente de diferenças culturais e de suposto grau de civilização.
Steve Jobs era visto como uma espécie de novo Leonardo da Vinci. Ele reunia numa mesma embalagem o suprassumo da tecnologia e do design modernos e revolucionou nossa vida. No entanto, bastou que a internet proporcionasse a exportação do trabalho sem que as legislações nacionais fossem junto e lá se foi o nosso Da Vinci explorar, até o limite dos suicídios em massa, a miséria e a ausência de direitos dos filhos dos antigos "paraísos socialistas" e fabricar nossos lindos iPhones e iPads na China, pagando salários de fome e oferecendo condições de trabalho que nos EUA o levariam à cadeia.
A mesmíssima coisa aconteceu com os mais refinados designers europeus. Por mais "civilizados" e "politicamente corretos" que sejam em seus próprios países, assim que se certificaram de que podiam fazer isso impunemente, bateram-se todos para as Bangladesh da vida para produzir sua moda cool com mão de obra faminta naqueles tugúrios que a gente vê desabar sobre as pessoas na TV.
É isso que quero dizer quando afirmo que civilização é, essencialmente, a presença da polícia. E que, se instituirmos uma polícia para fiscalizar cada passo dos nossos políticos e eles tiverem a certeza de que cada vez que jogarem contra nós serão punidos, seu comportamento mudará da água para o vinho a partir do mesmo minuto em que tal certeza se instalar. Essa polícia somos nós mesmos, os eleitores, e o que falta é apenas armar a nossa mão.
Quando Samuel Colt inventou seu famoso revólver de seis tiros num mundo em que mandava quem tinha a mão mais pesada, a propaganda para vendê-lo era assim: "Deus fez os homens diferentes, Sam Colt tornou-os iguais". O mundo não estava mais dividido entre grandalhões e fracotes. Com todos andando armados, era melhor que cada um respeitasse o outro.
O que arma a mão dos eleitores e faz os políticos passarem a respeitá-los é o instrumento simples do voto distrital com recall. Nele cada cidade, cada Estado ou o País inteiro, nas eleições para cargos federais, é dividido em distritos eleitorais. O distrito é definido, nas cidades, pela divisão do número de eleitores pelo número de vereadores, e pelo delineamento de alguma unidade geográfica - bairro, conjunto de bairros, zona da cidade - em que o número de eleitores se aproxime dessa fração ideal. Os distritos e zonas eleitorais, na verdade, já estão mais ou menos definidos no sistema de hoje. Só não se traduzem em poder algum para os eleitores.
No sistema distrital com recall cada candidato só poderá concorrer aos votos de um determinado distrito. O primeiro turno extrai os dois mais votados. O segundo fecha a disputa. O mesmo raciocínio se aplica aos Estados, para as eleições estaduais, e ao País inteiro nas federais.
Com isso, fica-se sabendo exatamente quem representa quem em cada Câmara Municipal, Assembleia Legislativa ou no Congresso Nacional. A partir daí, qualquer cidadão de um distrito que vir razões para tanto pode iniciar uma petição de recall do seu representante, pela razão que entender suficiente. Se colher entre seus pares o número de assinaturas estabelecido na lei para esse efeito - algo que varia entre 5% e 7% nos países onde o sistema já vigora -, consegue homologar o recall e o Estado é obrigado a patrocinar com verba idêntica a campanha contra e a campanha a favor da derrubada desse representante.
É feita, então, nova votação só nesse distrito para substituir o político em questão. Não são necessárias manifestações gigantes nem pedidos a colegas pouco dispostos a criar precedentes que possam voltar-se contra eles próprios. O resto do País pode continuar trabalhando em paz. Mas o político defeituoso é recolhido exatamente como no recall de automóveis, "para evitar um desastre", e, se for o caso, entregue à Justiça comum para posteriores deliberações.
Inventado com as características que tem hoje na Suíça em meados do século 19 e implantado em todas as democracias desenvolvidas a partir do início do século 20, esse expediente simples reduz a corrupção em pelo menos 80% e arma a cidadania para impor, daí por diante, todas as reformas de que sentir necessidade. Muitos abrem a lista exigindo a despartidarização das eleições municipais, de modo a quebrar o poder de chantagem de velhos caciques e garantir transfusões regulares de sangue não contaminado na política.
O Brasil não precisa mais que isso para começar a andar só para a frente.
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