FOLHA DE SP - 21/08
SÃO PAULO - Analistas, colunistas e editorialistas foram mais ou menos unânimes em condenar o bate-boca entre os ministros Joaquim Barbosa e Ricardo Lewandowski. Um dos argumentos mais usados é o de que desavenças explícitas reduzem a confiança da população no Judiciário, o que é ruim para o país.
Tenho uma visão um pouco diferente. É claro que um pouco mais de urbanidade no Pretório Excelso não faria mal a ninguém, mas acho bom que as pessoas tenham a oportunidade de ver a Justiça um pouco mais como ela de fato é, e não como os manuais gostam de descrevê-la.
Se há um paradigma que ruiu nos últimos 30 anos, com descobertas no campo da teoria da decisão e da neurociência, é o de que agentes racionais são capazes de fazer escolhas com base apenas em dados objetivos, cálculo e reflexão. E é nessa noção que o direito ainda se funda.
Daí não decorre, evidentemente, que leis, provas e uma hermenêutica racional não tenham nenhuma importância. Elas têm, mas não devemos cair na ilusão iluminista de que outros fatores, alguns deles pouco abonadores, como ideologia, inimizades e até os níveis de glicemia não influam --e, por vezes, decisivamente.
Meu exemplo favorito é o estudo israelense que mostrou que juízes que decidem sobre o livramento condicional de prisioneiros tendiam a julgar a favor do requerente só no início dos trabalhos ou após o lanche, quando estavam descansados e alimentados. Na hora da fome, o número de pedidos aprovados caía a zero.
Seria precipitado afirmar que a Justiça não difere de um sorteio, mas, mesmo que suas decisões fossem inteiramente aleatórias, já serviriam ao propósito de disciplinar a resolução de conflitos. De todo modo, até para que possamos cobrar modificações que reduzam o grau de subjetividade a que o sistema está sujeito, precisamos olhar para as interações entre magistrados como elas realmente são, sem disfarces nem ilusões.
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