O GLOBO - 21/08
Há pouco menos de um mês, Paolo dall’Oglio foi sequestrado na Síria, por uma versão local da al-Qaeda. Odiado por Assad e amado pelo Papa Francisco, Paolo tem sido um incansável mensageiro da paz. A seu favor, os maiores jornais do Oriente e do Ocidente. A oposição síria, o mundo árabe e os democratas de Israel reconhecem nele uma das figuras fundamentais para o futuro do país abandonado ao mais cruel dos genocídios.
A escala da guerra na Síria ultrapassou os números da Bósnia. E, se Assad não for detido, chegaremos a um número terrificante, pouco abaixo do Holocausto, em torno de cinco milhões de vítimas!
Expulso da Síria, Paolo voltou de forma clandestina, porque não se sentia capaz de passar ao largo daquele mar de ódio e sangue, a salvo e do lado de fora. Mobilizou a comunidade internacional. Ajudou a desfazer sequestros, protagonizou um sem-número de façanhas arriscadas. A última delas foi a decisão de procurar al-Baghdadi, da al-Qaeda, no norte da Síria, para tratar do resgate de dois líderes religiosos da Igreja Ortodoxa. Disse aos amigos que, se em três dias não fizesse contanto, devia-se entender que estava sequestrado.
Paolo é um dos amigos a quem mais estimo e admiro. Vivo dias de angústia e trepidação. Redigi com Faustino Teixeira uma carta aberta, em árabe e português, clamando pela sua liberdade.
Transcrevo um dos últimos e-mails que recebi de Paolo, antes de ele voltar a Babel, ao epicentro de um ódio feroz e de um cenário dramático. Fui dos muitos que lhe pediram que não fosse de encontro ao monstro. Um pedido que Paolo não poderia jamais aceitar, diante de um desastre impiedoso. Segue a carta. “Gostaria de ir ao Brasil, mas estou ocupado com a revolução. Espero que a vitória não demore, apesar de que, com esta imensa tragédia, todos perdemos! E, depois de tantas vítimas, não dá para se dizer ‘paciência, vamos voltar atrás, vamos viver mais quarenta anos de ditadura, porque a liberdade e a escravidão são a mesma coisa, vamos buscar refúgio na vida espiritual, criar elites estéticas e sufis’.”
E continua, pouco depois: “Eu estou com os jovens loucos que querem tudo e já! Obviamente não fecho os olhos às contradições, aos limites e aos crimes. Mas vejo que clamar por liberdade é um dever sagrado, a que se deve aspirar, uma vez na vida, e agir para mudar o mundo. Não fomos nós que decidimos o momento. Os fatos se impuseram. O tempo oportuno é este e trata-se de um tempo trágico! Tentarei entrar na Síria para fazer alguma coisa pela reconciliação na fase da queda do regime. Agora me tornei ligeiramente curdo, tenho uma residência anual no Iraque. Vejo aqui os líderes, velhos combatentes. Tentaremos trabalhar em conjunto para construir uma compreensão mais ampla e melhor entre árabes e curdos na Síria.”
A volta de Paolo representaria um avanço na construção futura da paz.
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