quarta-feira, agosto 21, 2013

O tempo da ética - EDITORIAL FOLHA DE SP

FOLHA DE SP - 21/08

Parece distante a perspectiva de que se instaure cultura empresarial anticorrupção como a defendida por executivo da Siemens


Muito tempo haverá de passar, sem dúvida, até que se cumpram as recomendações do advogado americano Peter Solmssen, diretor mundial de "compliance" da Siemens, expressas em entrevista à Folha nesta terça-feira.

Para o executivo, encarregado de zelar pelo controle ético das atividades da empresa, trata-se de impor uma mudança no comportamento dos funcionários, fortalecendo uma cultura anticorrupção.

"Não aceite tentações, não aceite pressões, não seja fraco, só diga não": estes os preceitos a serem seguidos, afirma Solmssen, pelos empregados do grupo empresarial. A Siemens, conglomerado gigante nas áreas de transportes, comunicações, eletricidade e automação, tem cerca de 400 mil funcionários em todo o mundo.

Em 2007, foi condenada a pagar US$ 1,3 bilhão em multas a órgãos dos EUA e da Europa, depois de um escândalo internacional de pagamento de propinas. Também os negócios da empresa no Brasil ganham o foco das suspeitas.

Conforme revelou a Folha, a Siemens concordou em prestar esclarecimentos ao Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) em troca de imunidade nas investigações. Admitiu, assim, sua participação num cartel entre concorrentes para a construção da linha 5 do metrô em São Paulo.

A trama, pela qual as licitações eram acertadas previamente, remontaria ao ano de 2000, ainda no governo Mário Covas, estendendo-se nas administrações seguintes, encabeçadas por Geraldo Alckmin e José Serra, todos do PSDB.

O potencial político dessas revelações não precisa ser enfatizado. Ainda às voltas com o caso do mensalão, setores do PT encontram nesse material bons motivos para revidar, contra o "establishment" do PSDB paulista, os ataques de que são alvo.

Atento ao desgaste, o governador Alckmin já citou outros casos merecedores de suspeita, agora em contratos do governo federal. As compras de trens para Porto Alegre e Belo Horizonte foram feitas sem disputa. A menção parece confirmar as palavras do ex-secretário de Transportes da gestão Mário Covas, Claudio de Senna Frederico, que diz não se recordar de ter presenciado alguma licitação de fato competitiva no setor.

Muitas perguntas --incluindo as relativas ao arquivamento de investigações anteriores-- ainda precisam de respostas. Inquéritos desse tipo, como se sabe, são complexos e estendem-se por anos a fio.

Menos tempo, espera-se, do que o necessário para que se cumpra o ideal anunciado pelo diretor da Siemens. Por maiores que sejam as pressões e dispositivos de transparência à disposição, perde-se no futuro a perspectiva de que, entre fornecedores de obras públicas, a prática da propina venha a ser banida em definitivo.

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