REVISTA VEJA
A construção do Viaduto do Chá, inaugurado em 1892, quando São Paulo tinha 130 000 habitantes, constituiu-se numa das obras mais decisivas — se não a mais decisiva — já ousadas na cidade. Sua função era transpor o vale que tendo ao fundo o riacho do Anhangabaú, separava a colina em que se assentava o centro histórico da elevação do lado oposto. Imagine-se a dificuldade que antes, enfrentava quem precisasse ir de um lado ao outro.
Tinha de descer uma dura escarpa, seguir uma picada no meio do mato, lá embaixo, atravessar uma das pontes sobre o riacho e escalar a escarpa do outro lado. O viaduto representou a libertação da futura metrópole do ovo em que a aprisionava o sítio original — uma colina cercada pelos rios Tamanduateí e Anhangabaú e por várzeas inundáveis. O nome "do Chá" pode parecer estranho a uma cidade que já então, começava a ser conhecida como capital do café, mas tinha sua razão de ser: plantações de chá estendiam-se por aquela área.
Mudar o nome do viaduto é iniciativa que se insere na geral leviandade com que, Brasil afora, as câmaras municipais se utilizam da prerrogativa de nomear e renomear logradouros públicos. No passado de São Paulo, há casos em que o fenômeno chegou ao limite da loucura. Quando, na Guerra de Canudos, em 1897, morreu o coronel Moreira César, propagandeado como um herói nacional, resolveu-se dar seu nome à Rua de São Bento, uma das primeiras da cidade, conhecida como tal havia dois séculos. Mais adiante, em 1927, sob o choque da morte do governador do estado, o presidente, como se dizia na época. Carlos de Campos, decidiu-se trocar o nome da Avenida Paulista pelo do falecido. Nos dois casos, ao ataque da loucura sucedeu a retomada da razão, e em pouco tempo as duas vias voltaram a ostentar os nomes originais.
No Brasil como um todo, o mais aberrante caso dos últimos tempos foi o da febre de renomeações que se seguiu à morte do deputado baiano Luís Eduardo Magalhães, filho e herdeiro político do cacique Antonio Carlos Magalhães. Ruas, avenidas e praças, em cada recanto da Bahia, tiveram suas placas mudadas, para homenagear o falecido — e ao mesmo tempo, claro, fazer um agrado ao desolado pai. Nada escapou da sanha homenageadora/ bajuladora. Até mesmo uma cidade, antes conhecida como Mimoso do Oeste, passou a chamar-se Luís Eduardo Magalhães, e foi cumprir a triste sina das cidades com nome de gente, um de cujos inconvenientes é a aspereza do gentílico (luís-eduardense? magalhense?). Mas o pior dos atentados foi atribuir ao falecido o nome do aeroporto de Salvador, antes conhecido como 442 de Julho", a sacrossanta data da independência da Bahia. Como o foram permitir os baianos? Como o permitem até hoje? Revolvei-vos, cidadãos de boa terra!
A sanha renomeadora volta-se em geral contra vias, locais ou equipamentos que não têm nome de gente. É o caso do Aeroporto 2 de Julho, da Avenida Paulista e também do Viaduto do Chá, nome tradicional dado pelo povo. Fica mais fácil, pois tirar nome de gente equivale a desrespeitar a memória histórica do destronado, ou ofender-lhe a família. Chá, em princípio, não reclama. Para apaziguarem os que se insurgem em nome da tradição, os vereadores de São Paulo propõem-se não a substituir o antigo nome, mas a acrescentar-lhe o novo. Viaduto do Chá Mário Covas seria a nova denominação. O truque já foi usado antes, na mesma São Paulo, quando o Túnel 9 de Julho passou a ser chamado de Túnel 9 de Julho Daher Elias Cutait. Virou um nome que, ao tentar homenagear ao mesmo tempo uma data (a do início da chamada Revolução de 1932) e uma pessoa, homenageia uma e outra apenas pela metade. No caso do Viaduto do Chá Mário Covas, os estrangeiros ficarão em dúvida se "Mário Covas" é uma marca de chá ou se "Chá" designa, com ortografia errada, um antigo imperador da Pérsia chamado Mário Covas.
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