O Estado de S.Paulo - 08/04
Um é o mais despreocupado do mundo com a economia, nunca teve tão pouco medo de perder o emprego e está confiante de que vai poder gastar mais. O outro desconfia do futuro econômico do País, teme por seu negócio e segura investimentos. Seria irrelevante se um não consumisse o que o outro produz. Raras vezes consumidores e empresários brasileiros divergiram tanto.
Esse desencontro de pontos de vista fica claro em uma série de indicadores e pesquisas divulgados ao longo dos últimos dez dias - todos eles positivos quando os pesquisados eram os consumidores e todos negativos quando as respostas vinham dos industriais.
O descompasso entre oferta e demanda não costuma sair de graça. Quando há mais gente disposta a comprar e não há contrapartida na oferta de produtos, o mercado tende a subir preços. Caso quem demanda tenha renda maior do que costumava ter, a margem de manobra fica ainda mais favorável a quem controla a oferta e os preços tornam-se especialmente altos, como no caso do Brasil hoje.
Mas isso não tem afetado a disposição do consumidor de fazer o que aprendeu a fazer melhor: comprar. Em parte, porque o governo tem buscado compensar os aumentos de preços com redução de impostos e taxas. E também porque os salários continuam com poder de compra alto, apesar da inflação.
O índice de confiança do consumidor voltou a subir em março. Mais do que a retomada, o indicador calculado pela Confederação Nacional da Indústria (CNI) mostra a sustentação do otimismo em patamares historicamente altos.
Pré-governo Dilma, só em dois momentos o INEC chegou aos níveis atuais: nos finais do primeiro e do segundo mandatos do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Não é coincidência. A confiança do consumidor tem alta correlação com a popularidade do governante - sobem e caem juntas. Logo, não é de surpreender que o presidente busque manter o consumidor confiante quando se aproxima a eleição que decidirá quem vai sucede-lo.
O INEC é um índice composto a partir de seis perguntas que medem a expectativa de inflação e do emprego, a satisfação com a renda atual e a perspectiva da renda futura, o grau de endividamento e os planos do consumidor de comprar bens de valores altos. Três desses fatores se correlacionam especialmente com a popularidade presidencial: os dois relativos à renda e o medo do desemprego.
Na semana passada, a CNI divulgou pesquisa mostrando que o medo do desemprego está no menor patamar da série histórica - em linha com o que mostram os índices de desemprego. E os dois indicadores de renda que compõem o INEC só não têm performance melhor do que o do emprego. Essas são as chaves para entender a popularidade recorde da presidente Dilma Rousseff.
O brasileiro não considera mais o emprego e o salário suas principais preocupações na vida. Com a sobrevivência garantida, ele pode se ocupar de outras questões e eleger outras prioridades. Uma pesquisa feita em 56 países e divulgada na semana passada mostrou que, entre todos, o brasileiro é o mais despreocupado com a economia - a perfeita antítese do espanhol.
Indagado sobre quais os principais problemas do mundo (leia-se o mundo ao seu redor), só 14% dos brasileiros citaram problemas econômicos. A taxa não é apenas baixa, é ridiculamente baixa. O dobro de chineses, indianos e russos disseram que as questões econômicas são as que mais os preocupam.
Essa diferença entre o Brasil e os outros Brics é a prova de que o crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) tem muito pouco ou quase nada a ver com o grau de satisfação da população. Por isso é do interesse da oposição trocar o disco - mesmo que o crescimento econômico do Brasil medido pelo PIB seja medíocre. Importante para o país, o índice é insignificante na eleição.
A mesma pesquisa global dá uma pista para os adversários de Dilma. O levantamento mostra o que mais causa preocupação no Brasil hoje: as drogas e a criminalidade - associadas ou não. Nada preocupa mais o brasileiro e ninguém se preocupa tanto com esses problemas. Os brasileiros têm as maiores taxas de preocupação com drogas e crime entre os 56 países.
Na economia, o presidente tem todo o bônus quando acerta e todo o ônus quando erra. No combate ao tráfico de drogas, à epidemia do crack e na repressão à violência, a responsabilidade - aos olhos do público - é compartilhada entre todos os governantes: da prefeitura ao Planalto, passando pelos palácios estaduais.
O candidato de oposição que conseguir mostrar serviço nessas áreas terá agenda própria e um discurso pós-econômico. Se a economia piorar, como preveem os empresários, ele se beneficiará junto com todos os adversários do governo, mas com a vantagem de não parecer ter torcido para que isso acontecesse.
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