É difícil entender as razões e a persistência dos sucessivos "apagões" na aviação civil. Numa visão mais abrangente, ocorreram no Brasil duas grandes mudanças na regulação do setor. A primeira, nos anos 70, ampliou o intervencionismo e a regulação estrita - a chamada "competição controlada" - associados a mecanismos de integração territorial. Asegunda,formuladanos anos 90, instituiu políticas mais flexíveis, com vistas a um ambiente de maior liberdade na fixação de tarifas, frequências e operação de rotas, entrada de novas empresas e exploração de novos nichos de mercado.
A globalização impôs à aviação mundial mudanças nos padrões de competitividade. No Brasil, a estabilização monetária e o aumento do poder aquisitivo favoreceram um crescimento sem precedentes da demanda, num ambiente mais competitivo. Adireção foi oposta à antiga tradição intervencionista, baseada em rígidos controles de oferta e de preços. A criação de malhas integradas propiciouoperações centradas em aeroportos aglutinadores, racionalizando a oferta, dando melhorutilização às aeronaves, reduzindo custos operacionais e, pois, elevando a produtividade. Houve, ainda, o declínio sistemático das tarifas no longo prazo e facilidades de aquisição das passagens aéreas, pela ampliação do crédito e uso dos meios eletrônicos. Saíram de cena as empresas protegidas pelas reservas de mercado, cedendo lugar a um novo modelo de gestão empresarial, de alta produtividade.
Os sucessivos "apagões" mostraram, no entanto, que tais mudanças não foram acompanhadas de políticas públicas consistentes e planejamento para a aviação civil como um todo. Tomaram-se evidentes as graves deficiências, físicas e operacionais, nas infraestruturas aeroportuária e aeronáutica; os problemas de gestão aeroportuária; e a fragilidade institucional, especialmente na regulação. Assim, o crescimento persistente da demanda por voos domésticos e internacionais em porcentuais acima de 2 dígitos esbarrou nesses gargalos. Tratando-se de um sistema complexo e altamente integrado, a limitação de capacidade em cada um dos segmentos interferiu no desempenho dos demais, tomando as responsabilidades difusas.
Na aviação civil as infraestruturas são, hoje, limitadoras do crescimento. Por não terem acompanhado as novas formas de operação, o sistema como um todo corre o risco contínuo de colapso. O fato é que os aeroportos mais importantes do País não tiveram ampliações significativas em suas instalações, e muitos operam no limite das suas capacidades. Se, de um lado, a disponibilidade financeira da Infraero foi insuficiente para fazer frente aos investimentos necessários, de outro, a empresa foi alvo de fortes pressões político-partidrias para definir suas prioridades. O resultado foi a excessiva dispersão de recursos, ou seja, as decisões de investir acabaram por não corresponder às reais necessidades da demanda. Por isso, são preocupantes as condições operacionais dos principais aeroportos, nos quais o nível de útilização das instalações suplanta sistematicamente a margem dos 80% da capacidade, além dos casos críticos, em que os níveis chegam a superar a capacidade instalada.
Em suma, estes são os fatores que restringirão a expansão da aviação civil: os gargalos nas infraestruturas aeroportuária e aeronáutica; a grave escassez de recursos humanos qualificados nos diversos segmentos; e a elevada carga tributária imposta à cadeia produtiva do transporte aéreo. Para o govemo,o grande desafio é o de dotar o País de planos e políticas para a aviação civil, num horizonte de30 anos, sobretudo uma regulação econômica que balize a evolução dos mercados internacional, doméstico e regional. O Código Brasileiro de Aeronáutica é obsoleto e não atende às necessidades da regulação. A Infraero precisa orientar melhor suas prioridades, sem dispersar recursos. E, evidentemente, deverá ser ampliado - de forma mais competente - o escopo das concessões para a infraestrutura aeroportuária. Uma boa agenda para mudanças.
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