FOLHA DE SP - 23/03
O discurso do novo governo é definitivamente liberal. Se a prática vai segui-lo, só saberemos adiante
Num país como a China, onde a política é unipartidária, há planejamento quinquenal e se sabe com antecipação quem ocupará cargos importantes, as inaugurações de governo tendem a ter ar de notícia velha. A inauguração da semana passada não foi diferente.
Impossível fazer melhor, num momento em que o mundo se encantava com uma notícia surpreendentemente renovadora, vinda de onde, em geral, espera-se conservadorismo: o Vaticano. Neste momento, não há líderes no mundo com o carisma do papa Francisco. E os chineses do partido, em matéria de carisma, ainda têm muito a caminhar.
Os novos governantes até tentaram dar alguns passos. O primeiro-ministro Li Keqiang, em sua entrevista coletiva, sorriu, gesticulou, abusou da linguagem corporal. Esforçou-se tanto para se diferenciar da postura monocórdia e estática dos antecessores, que conquistou o elogio de um dos jornalistas presentes (possivelmente pré-arranjado) e uma sequência de fotos na primeira página do "Financial Times". O estilo, pelo menos, é novo.
Do que foi dito nos primeiros dias de governo, três pontos chamam atenção: o primeiro, as referências constantes a valorizar a regra da lei e "deixar ao mercado tudo o que ele sabe fazer bem". O discurso é definitivamente liberal. Se a prática vai segui-lo, só saberemos adiante. O número de empresas estatais ainda é grande. Há pressões na academia e em frentes esclarecidas do partido para reduzi-lo, mas interesses arraigados se sobrepõem. O premiê anunciou reformas de mercado para juros, câmbio e financiamento.
O segundo foi o compromisso de reduzir o tamanho da administração pública. A isso juntou-se a uma linguagem mais franca para falar de corrupção e até a uma crítica implícita ao ex-premiê Wen Jiabao, na afirmação de seu sucessor de que não se pode buscar na vida ser funcionário público e enriquecer.
Finalmente, as referências à política externa focaram um único país: os Estados Unidos. O tom foi de entendimento, inclusive na Ásia do Pacífico, que a China vê como área de sua influência direta.
Os dois maiores países do mundo falarem em cooperação é boa notícia. Mas dada a influência da China na realidade atual, podia-se esperar uma visão mais abrangente das relações internacionais.
No gabinete, pastas importantes têm novos ocupantes: Fazenda, Comércio Exterior, Forças Armadas e Chancelaria. Mas isso não representa necessariamente renovação.
Na área econômica, o presidente do Banco Central ficou. As reformas graduais seguirão em pauta. O novo ministro do Comércio Exterior ocupava o segundo posto na hierarquia da pasta, ou seja, haverá continuidade. O presidente Xi Jinping é bem mais próximo dos militares do que o antecessor, Hu Jintao. Esse foi um dos fatores que lhe garantiu o cargo.
Na Chancelaria, saiu o diplomata Yang Jiechi, que não tinha posição política e fez carreira em Washington, entrou Wang Yi, também diplomata, mas membro do Comitê Central e ex-embaixador no Japão.
Sinal de que a Chancelaria será mais forte e de que é na relação sino-japonesa que o novo governo vê seus maiores problemas externos nos próximos cinco anos.
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