O GLOBO - 23/03
Depois de uma semana de bancos fechados e o país em confusão, o governo do Chipre baixou ontem à noite várias medidas para tentar desesperadamente evitar a bancarrota. O Parlamento aprovou projetos que permitem fechamento de banco, criação de fundo com ativos estatais, controle de capitais e estatização de fundos de pensão. Tudo para dar uma contrapartida e receber o resgate de ¬ 10 bilhões.
No caso do Chipre, os europeus usaram o manual do que não fazer numa crise, e a situação pode piorar porque a negativa do Parlamento do país ao projeto europeu fortalece a resistência aos remédios amargos. Hoje, há uma possibilidade concreta de que o país saia do euro, mas se acontecer isso os poupadores poderão perder ainda mais na desvalorização da moeda que for recriada no lugar do euro.
A CNN Money definiu o Chipre como uma pequena ilha, de bancos gigantes e governo endividado. O país, de um milhão de habitantes, conseguiu trazer de volta para a Europa o ambiente de crise. E ela mesma se debatia ontem atrás de medidas radicais para evitar o pior.
A ideia de fechar os bancos e avisar que os correntistas perderiam parte do valor do dinheiro era tão estúpida que só poderia dar errado. Se o Parlamento do Chipre aprovasse a taxação, na terça-feira, outros países da Europa, como Grécia, Portugal e Espanha, poderiam sofrer corrida bancária. Já a recusa pelo Parlamento, segundo o economista-chefe da Acrefi, Nicola Tingas, que é filho de gregos e tem parentes no país, serviu de motivação a outros países para que resistam às imposições da Troica (FMI, BCE e Comissão Europeia).
- Conversei esta semana com primos gregos e eles estão todos satisfeitos com o resultado no Parlamento do Chipre. Se o país, que é ainda menor que a Grécia, está recusando essa imposição, significa que a Grécia também pode fazer isso - disse.
Tingas acredita que as eleições da Alemanha este ano pressionaram a chanceler Angela Merkel a endurecer o jogo. A ilha é considerada paraíso fiscal, com fortes relações com a Rússia. Há suspeitas de lavagem de dinheiro russo com a venda de armas para países da Ásia e do Norte da África.
O problema é que as medidas que começaram a ser tomadas ontem à noite vão encurralando o aplicador, principalmente os que têm mais de ¬ 100 mil. Uma das medidas aprovadas dá poderes ao ministro das Finanças de restringir movimentação de capital, limitar os saques quando os bancos abrirem, não resgatar todos os cheques apresentados. Estão tentando ao mesmo tempo evitar o pânico e encontrar uma fórmula de negociar um resgate com a União Europeia.
A S&P rebaixou para "lixo" a qualidade dos títulos públicos do Chipre. Quer dizer que o governo não tem capacidade, sozinho, de honrar os empréstimos que tomou. Ou recebe ajuda ou dá o calote. Disse que os dois principais bancos cipriotas precisam de ¬ 10 bilhões em financiamento para tapar buracos. Uma montanha de dinheiro, porque o PIB do país é ¬ 17 bi.
José Júlio Senna, da MCM Consultores, acha que esse valor pode ser só o começo. O sistema bancário do Chipre tem um nível de alavancagem muito alto, cerca de oito vezes o PIB. Ao mesmo tempo, o governo tem dívida de 90%, e o país não possui ativos e indústrias para serem tributados. Só sobraram os depósitos.
Senna avalia que há um risco real de saída do Chipre da zona do euro porque há poucas opções na mesa. Mas explica que os mercados ficaram relativamente tranquilos durante a semana porque acreditam que o BCE não vai deixar a crise se alastrar.
O problema é que a semana termina com a crise em aberto e os cipriotas se debatendo atrás de medidas para tentar evitar o que já está se tornando inevitável: um calote. Uma parte dos depósitos será destruída: ou por um confisco, ou pela volta a uma moeda que perca rapidamente o valor diante do euro.
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