O GLOBO - 23/03
A disputa pelos royalties e pelas participações especiais do petróleo no Supremo deve ter decisão favorável aos estados produtores, e, mesmo que parlamentares dos demais estados apresentem proposta de emenda constitucional (PEC) para substituir a legislação considerada inconstitucional, nos termos da liminar concedida pela ministra Cármen Lúcia, ela só poderia ter êxito caso alterasse o pacto federativo, dando compensações tributárias aos estados produtores.
Uma PEC que repetisse os termos propostos pela lei seria também considerada inconstitucional. Recentemente o STF considerou inconstitucional PEC que parcelava os pagamentos de precatórios, por violação de cláusulas pétreas da Constituição, no caso, "os direitos e garantias individuais". O constitucionalista Luís Roberto Barroso elaborou a ação ajuizada no STF, a pedido do governador do Estado do Rio e da procuradora-geral, com três argumentos centrais. O primeiro é que os royalties, por força da Constituição (art. 21, § 1º), têm finalidade compensatória aos estados produtores, e não de redistribuição de receitas aos estados não produtores.
O segundo é que no pacto federativo originário, materializado na Constituição de 1988, os estados produtores abriram mão de cobrar ICMS sobre operações de petróleo em troca do recebimento de royalties. Em relação a todos os demais bens, exceto petróleo e energia elétrica, o ICMS é cobrado na origem e não no destino.
O terceiro argumento é o de que, em nenhuma hipótese, a lei nova poderia retroagir para afetar situações já constituídas antes de sua vigência, como é o caso dos contratos de concessão já existentes. Não se trata, pois, de defender os contratos como "atos jurídicos perfeitos", como a retórica política acostumou-se a fazer. Segundo o jurista Sérgio Bermudes, tecnicamente esses contratos não são atos jurídicos perfeitos, mas contratos administrativos, e uma de suas características é a mutabilidade de seu regime jurídico.
Na análise de Barroso, uma emenda constitucional somente serviria para superar a primeira objeção, ao mudar o art. 20, § 1º da Constituição para retirar a referência à "compensação financeira" aos estados produtores, prevendo que os royalties tenham uma destinação livre ou redistributiva. Os outros dois argumentos, para o constitucionalista, não são abalados por uma emenda constitucional, que seria tão inválida quanto a lei ordinária que o STF suspendeu.
No tocante à aplicação retroativa, para colher contratos anteriores, Barroso lembra que a maior parte dos autores, inclusive ele, e a jurisprudência consolidada do STF consideram que, tal como a lei ordinária, tampouco emenda constitucional pode retroagir.
No que diz respeito à mudança do pacto federativo originário - o que ocorreria se os royalties fossem retirados sem a devolução do ICMS -, a emenda enfrentaria igualmente objeção, diz. É que a Constituição estabelece que a Federação é uma cláusula pétrea, não se admitindo qualquer emenda tendente a aboli-la.
Suprimir um aspecto essencial do ajuste constitucional originário e comprometer a autonomia financeira de um dos estados "têm um caráter discriminatório e antifederativo que compromete gravemente os laços que formam a União. Trata-se de um tipo de deslealdade da maioria dos estados contra a minoria que a Constituição e o princípio federativo não podem tolerar", afirma Barroso.
Outro constitucionalista, Gustavo Binenbojm, ressalta que há uma jurisprudência no Supremo, que pode ser chamada de "jurisprudência maximizadora da eficácia dessas cláusulas pétreas", segundo a qual a Constituição está protegendo o equilíbrio do pacto federativo. "Se fizerem uma redistribuição que desequilibre demais, que não leve em conta os compromissos já assumidos, torna-se inconstitucional". O que a Constituição garante não é a formalidade de um conceito, mas o equilíbrio entre os entes federativos que preserve de alguma maneira as suas autonomias, destaca Binenbojm. Se houver uma compensação, como por exemplo o ICMS passar a ser cobrado na origem, aí não haverá problemas.
Segundo Binenbojm, há um estudo que mostra que, se o Rio pudesse cobrar o ICMS na origem, seria muito mais vantajoso do que receber os royalties. "Pode ser que uma decisão do Supremo faça o Congresso cair na realidade e encontrar o caminho para um pacto federativo mais eficiente", sonha Binenbojm. (Amanhã, "O constitucionalismo democrático" )
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