FOLHA DE SP - 08/03
Descoberto em 1500, o Brasil tem um tempo próprio, que o distingue de outros países. Quando os portugueses aqui chegaram, nossos índios viviam na Idade da Pedra. O período colonial equivaleu à nossa Antiguidade e os dois reinados fizeram a vez de nossa Idade Média.
Com a república no final do século 19, entramos no que seria a Idade Moderna, mas não a Idade Contemporânea. Nada de estranhar, portanto, que oito anos após a vitória republicana, em 1889, fosse fundada a Academia Brasileira de Letras, em julho de 1897, com alguns séculos de atraso em relação a seu modelo, a Academia Francesa.
Na própria França, o gosto literário e a liturgia social haviam mudado, e numa época em que Baudelaire, Mallarmé e Rimbaud rompiam com a ética conservadora e a estética tradicional da literatura, no Brasil ainda se cultuava o parnasianismo rebuscado, o romantismo enviagrado.
Mesmo assim, a ABL representou um estágio superior na história cultural do país. Ali se reuniram os melhores escritores da época, ao lado de alguns notáveis de nossa vida pública --herança da própria Academia Francesa.
Um exemplo ilustra a tradição de academizar os notáveis. Joaquim Nabuco, um dos fundadores, sugeriu a Machado de Assis o nome do Barão do Rio Branco, ministro das Relações Exteriores, certamente o homem mais importante daquele tempo. Machado hesitou, alegando que o barão não tinha livro publicado, nada escrevera até então. Nabuco argumentou: "Rio Branco está escrevendo o mapa do Brasil". E o barão tornou-se acadêmico.
Pouco a pouco, historiadores e sociólogos, e não apenas críticos literários, começam a absorver a fundação da ABL, entre os fatos marcantes da República recém-instaurada. Com efeito, a ideia de uma academia de letras ou de artes sempre pareceu associada aos regimes monárquicos, e o Brasil foi monarquia constitucional desde a sua independência, em 1822.
Atravessou os dois reinados, o de Pedro 1º e Pedro 2º, sem que nenhum brasileiro articulasse seriamente um movimento acadêmico, embora o fato literário, em si, tenha sido dominante na historia da nação, desde os tempos em que era colônia de Portugal.
O próprio d. Pedro 2º tinha pretensões de poeta, ligou-se aos intelectuais e cientistas de sua época, tanto no Brasil como no exterior, mas nunca lhe ocorreu fundar ou patrocinar uma Academia Real (ou Imperial) de Letras ou de Artes. Circulam até hoje sonetos de sua autoria, que alguns atribuem a amigos do imperador, como Carlos de Laet, por sinal, um dos primeiros integrantes da futura Academia "Brasileira" de Letras.
Certo que não houve qualquer conotação política na sua fundação. A ideia de congregar escritores num cenáculo não foi de Machado de Assis, que para todos os efeitos ficou como pai da ideia e dela se apossou, não por vontade própria, mas por mérito e circunstância.
A semente que produziria a futura "Casa de Machado de Assis" foi lançada por Lúcio Mendonça, um jurista, membro do Supremo Tribunal Federal, e homem dedicado às letras mas sem o carisma literário que, na época, somente Machado possuía.
A Academia não se fundou às custas nem sob as benesses do governo, até hoje mantém uma cordial distância do poder político e econômico. Ao mesmo tempo em que elege partidários da situação, igualmente escolhe adversários dos diversos regimes que o país vem atravessando em sua fase republicana.
No seio da agremiação, tiveram assento monarquistas, anarquistas, positivistas, católicos praticantes, comunistas, integralistas --um mosaico até certo ponto divertido do ponto de vista social e político.
Sem falar nas diversas correntes da literatura propriamente dita, desde os classicistas e parnasianos, como Ruy Barbosa, Coelho Neto, Alberto de Oliveira e Olavo Bilac, até modernistas, como Manuel Bandeira, Jorge Amado, José Lins do Rego e Menotti del Pichia, sem falar nos outsiders, como Guimarães Rosa e João Cabral de Melo Neto.
Nenhum comentário:
Postar um comentário