sexta-feira, março 08, 2013

Cantigas de roda - MONICA BAUMGARTEN DE BOLLE

O ESTADO DE S. PAULO - 08/03

Caranguejos são crustáceos, animais invertebrados cobertos por um exoesqueleto - uma estrutura de sustentação externa que é substituída quando crescem. Para que possa encorpar, o caranguejo se despede sua antiga carapaça, ficando, assim, vulnerável aos predadores. Por isso se esconde na lama dos mangues até que tenha reconstituído sua estrutura exterior. Caranguejos não nadam. Eles andam de lado. Caranguejo, portanto, não é peixe.

O Brasil é um caranguejo. Isso não é difícil de visualizar. Basta fazer um gráfico da evolução do crescimento, no eixo horizontal, e da inflação, no eixo vertical, ao longo dos últimos três anos. Ao representar dessa forma o trade-off entre crescimento e inflação, constata-se que o País andou de lado. O crescimento caiu de 7,5%, em 2010, para 2,7%, em 2011, e para 0,9%, em 2012. A inflação, entretanto, praticamente não saiu do lugar- ficou ali, na vizinhança dos 6%, chegando a 6,5% em 2011.

Mas o governo ainda acha que o País é peixe. O que falta é apenas a água para que o Brasil possa nadar livremente. Por isso, inunda-nos com declarações confusas, às vezes contraditórias, sobre câmbio, crescimento e inflação. Roda, roda, roda. Também bate o pé. Diz que

as medidas adotadas desde o ano passado destravarão a oferta, quando, na verdade, impulsionam a demanda e fazem o caranguejo inchar dentro de uma carapaça dura, da qual o País não consegue se desvencilhar. A carapaça da ideologia macroeconômica sem uma estratégia clara de desenvolvimento.

O governo sabe que precisa destravar o investimento para que o País possa crescer. Porém, atiça o consumidor como crédito barato, derrubando a taxa de poupança para míseros 14,8% do PIB. Quando percebe que não há recursos suficientes para financiar o investimento, aciona os bancos públicos e recorre ao investidor internacional. Faz um road show para discorrer sobre o comprometimento do governo com as suas metas e sobre as grandes oportunidades que existem no País. Ao retornar, faz um discurso emocionado, destacando as virtudes de Hugo Chávez, o falecido presidente venezuelano, algoz dos investidores internacionais.

A maré alta dos mercados internacionais acabou. Enquanto durou, deu para fingir que o País era um peixe ágil,capaz de permanecer na crista de marolas e tsunarnis. Agora a maré baixou. O investidor internacional resolveu pescar em outras praias latino-americanas. E nós continuamos aqui.com uma inflação infatigável, sintoma das ineficiências que incluem uma política econômica equivocada. Uma política que restringe a capacidade de expansão da nossa indústria ao andar na contramão do que fazem outros países, fechando-a, em vez de abri-la para as redes de comércio internacionais. Uma política que levou o Brasil a essa situação esquisita, em que a inflação não cede, o crescimento não deslancha, mas em que o mercado de trabalho nunca esteve tão bem. Isso não é equilíbrio.

Isso é outra coisa. Vejamos. A taxa de desemprego baixa induz uma espiral de salários e preços que eleva a inflação - até recentemente tal processo fora contido pelo câmbio valorizado. A pressão sobre os custos das empresas que resulta disso estrangula o investimento e a expansão da atividade. O governo, então, desonera as empresas para compensar esse efeito, mas o faz com um instrumento - a redução da contribuição sobre a folha de pagamentos - que leva alguns setores a querer contratar mais gente, substituindo capital por mão de obra. Isso reforça o quadro de baixo crescimento com inflação elevada por meio do vórtice salários-preços-salários. O investimento não vem. O governo aciona o BNDES, acrescentando ofensa à injúria inflacionária (e fiscal) ao forçar o caranguejo brasileiro a crescer quando ele está encouraçado, revestido por um exoesqueleto do qual não consegue se libertar. Mais uma vez, roda, roda, roda.

E assim vamos, rodando na maré baixa. Ignorando as lições do passado recente. Aquelas que nos mostraram tão claramente que "caranguejo não é peixe/ caranguejo peixe é, caranguejo só é peixe na enchente da maré".


Nenhum comentário: