O GLOBO - 08/12
Não há dúvidas de que a presidente Dilma "deu uma trucada" na oposição com a proposta de redução da tarifa de energia elétrica, deixando os governos tucanos de São Paulo, Minas e Paraná e o pessedista com alma democrata de Santa Catarina em situação política complicada. Ao recusar o acordo do governo federal de renovação de concessões a preços mais baixos, os oposicionistas estão sendo identificados pela presidente como "insensíveis", contrários, em suma, aos interesses da população.
Em 2003, por ocasião da reunião da Organização Mundial do Comércio em Cancún, no México - que paralisou as negociações da Rodada de Doha para liberalização do comércio internacional devido a um impasse que colocou o recém-criado G-20, grupo de países emergentes à época liderado pelo Brasil, em contraposição a Estados Unidos, Japão e União Europeia -, o presidente Lula disse que havíamos dado "uma trucada neles", utilizando-se do "truco", jogo popular de cartas, para se vangloriar de que os emergentes haviam enfrentado com êxito os "países ricos". Até hoje o acordo de Doha não foi alcançado e a "trucada" brasileira não passou de bravata.
Agora, ao anunciar em uma cadeia nacional de rádio e televisão a redução da tarifa de energia elétrica para consumidores de cerca de 20% sem ter combinado com os estados responsáveis pelas principais companhias de energia nem com os acionistas privados, Dilma deu mais uma demonstração da maneira intervencionista que tem de governar.
Como o governo é majoritário na Eletrobrás, obrigou a estatal a aceitar o acordo, deixando acionistas minoritários sem alternativa imediata, com um prejuízo que dificultará a manutenção de serviços e novos investimentos. Mesmo assim, a promessa, feita no 7 de setembro como se fizesse parte das comemorações da independência, não se realizará sem que o Tesouro subsidie cerca de 6% do corte, e a presidente Dilma anunciou, orgulhosamente, que isso será feito. Como se o dinheiro do Tesouro viesse de outro lugar que não do bolso do contribuinte brasileiro.
Quer dizer, o preço da energia será bancado em parte pelo usuário, que não terá noção do prejuízo que está sofrendo com essa decisão voluntarista da "rainha", na visão marqueteira de João Santana.
Politizando uma questão técnica, a presidente vende a ideia de que governadores da oposição recusaram a proposta para boicotar esforços do governo federal de reduzir a tarifa da energia, realmente muito alta. Mas o governo poderia extinguir encargos embutidos na tarifa e reduzir o percentual de tributos e contribuições, alegam os oposicionistas, dando o exemplo que poderia ser seguido pelos estados. A proposta do governo, que teve que ser refeita porque calculava para baixo indenizações que deverão ser pagas, é tão controversa que mesmo técnicos historicamente ligados ao petismo, liderados pelo diretor da Coppe/URFJ, Luiz Pinguelli Rosa, que presidiu a Eletrobrás no governo Lula, enviou carta à presidente Dilma alertando para o risco de o país passar a conviver com apagões devido à incapacidade de investimento das concessionárias.
Os técnicos chamam atenção para a insegurança jurídica que pode afetar o setor elétrico, desestimulando investimentos privados nacionais ou estrangeiros. "Todos sabemos, a duras penas, que não existe plano B para energia elétrica. Eletricidade não tem substituto e pior que kWh caro é a falta de energia que poderá ocorrer no futuro", alertam especialistas.
Eles fazem uma proposta técnica que levaria à redução das tarifas sem atingir tanto a capacidade financeira das concessionárias. Esse caso é exemplar do que a revista britânica "The Economist" chamou de "colapso de confiança" no governo Dilma. A revista, uma das mais respeitadas do mundo, classificou a economia brasileira de "moribunda" e, numa crítica ao intervencionismo do governo federal, chamou a presidente Dilma de"intrometida-chefe".
Para culminar, diz a revista que, se Dilma quiser o disputar a reeleição em 2014 com chances, terá que demitir o ministro da Fazenda, Guido Mantega. O comentário de Dilma, embora a favor da liberdade de imprensa, teve tom nacionalista, apontado como outra razão para o travamento da economia brasileira: "(...) em hipótese alguma o governo brasileiro, eleito pelo voto direto, vai ser influenciado pela opinião de uma revista que não seja brasileira".
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