CORREIO BRAZILIENSE - 08/12
Um dia o arquiteto chegou a pensar seriamente em aceitar um convite e se tornar congressista. Se tivesse aceitado o desafio, o que teria mudado na vida dele e na do Congresso Nacional?
por Leonardo Cavalcanti
Dois documentos apresentados na edição de ontem do Correio mostram como Oscar Niemeyer quase virou senador pelo Distrito Federal. Uma carta pessoal e um pedido de transferência de título de eleitor revelam como foi difícil para o homem recusar o convite para se candidatar a uma vaga ao Congresso ao alegar trabalho e decepção com o que ele chamou de “luta pública”. Mas, e se o arquiteto virasse um político, o que de fato mudaria na vida pessoal, profissional e no próprio Legislativo?
Antes, um pouco mais de detalhes sobre os documentos. A começar pelo primeiro, a carta endereçada ao então governador do Distrito Federal José Aparecido de Oliveira, em 1986, quando Niemeyer explica os motivos para desistir da candidatura. No texto, descreve trabalhos em Brasília e detalha a agenda de compromissos profissionais, que o “absorvem completamente”. Ao detalhar os últimos sete dias, é enfático: “Como trabalhei esta semana”. A partir daí, começa a falar sobre projetos.
Primeiro o teatro de Taguatinga: “Um tema simples mas que exigia uma solução econômica, atualizada e uma certa originalidade capaz de comover aquela pobre gente”. Por mais curto que o comentário sobre o teatro possa ter sido na carta, o texto mostra uma preocupação com os custos de uma obra — coisa que os críticos do arquiteto sempre disseram não existir. Depois, o arquiteto afirma estar trabalhando na sede do PMDB, partido de Aparecido e que poderia ser a legenda do arquiteto.
Ao relatar o trabalho, Niemeyer aproveita e faz críticas diretas à legenda. “Depois, (trabalhei) a sede do PMDB, localizada em terreno exíguo, reclamando, por isso mesmo, um partido arquitetônico mais trabalhado e habilidoso”, escreve. Depois de 25 anos do texto escrito, os peemedebistas continuam desarrumados — como numa desarmonia arquitetônica, talvez um pouco mais habilidosos, afinal sempre estiveram no poder. Assim, a carta é um misto de relato profissional e de análise política.
Caminhão
Para terminar o detalhamento da agenda, Niemeyer afirma que trabalha no projeto do plenário da Câmara dos Depurados. “Um projeto que me prendeu três noites seguidas, debruçado na prancheta, entusiasmado com a solução encontrada, criando um espaço privativo para os deputados e um novo recinto com capacidade para 800 congressistas.” O arquiteto diz que no pouco tempo que sobrou leu um livro de Milan Kundera e elaborou um desenho do caminhão de propaganda política de Darcy Ribeiro — que naquele ano, em 1986, disputou o governo do Rio pelo PDT e perdeu para Moreira Franco (PMDB) — e fez algumas saídas com o próprio Aparecido. “Sete dias de trabalho impossível de cumprir se outros problemas me convocassem”, conclui Niemeyer na carta endereçada a José Aparecido.
Combinado com a carta, o pedido de transferência do título de eleitor do arquiteto — que o deixaria apto a ser candidato a uma vaga no Congresso — revela um homem dividido sobre a possibilidade de se tornar um político: “Hoje, ainda deitado, madrugada e tudo escuro, fiquei a pensar nos meus problemas e nessa ameaça de candidatura que você (José Aparecido) tão generosamente propõe”, diz ele. Com a desistência de Niemeyer, ganharam a disputa para o Senado Maurício Corrêa (PDT), Meira Filho (PMDB) e Pompeu de Souza (PMDB), que, como terceiro colocado, passou quatro em vez de oito anos no mandato. O arquiteto, caso entrasse na disputa, era dado como favorito. E aí voltamos à pergunta inicial deste artigo: se ele virasse congressista, o que mudaria na vida pessoal, profissional e legislativa?
Niemeyer, como se vê a partir das justificativas, teria de deixar de lado parte dos projetos para se tornar um político. Era possível, entretanto, tornar a vida parlamentar mais leve. O homem poderia também se frustrar com a “luta pública”, como ele mesmo diz na carta. E você, caro leitor, como imaginaria o Congresso com Niemeyer senador? O que esse homem faria de diferente? Resposta para o e-mail desta coluna. Por ora, aproveite o sábado.
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