sábado, dezembro 08, 2012
Transparência aproximada - CLÓVIS PANZARINI
O Estado de S.Paulo - 08/12
A Câmara dos Deputados aprovou, para delírio dos defensores da transparência, mas leigos em administração tributária, Projeto de Lei (PL) que obriga comerciantes e prestadores de serviços a explicitarem nos documentos fiscais o "valor aproximado correspondente à totalidade dos tributos federais, estaduais e municipais, cuja incidência influi na formação dos respectivos preços de venda".
Tal informação deve ser desdobrada nos valores de nove impostos e de contribuições que gravam a operação, além da contribuição previdenciária sobre as despesas de pessoal. O Imposto de Renda (IR) deve ser calculado sob a hipótese de opção, pelo comerciante ou prestador, do regime de lucro presumido, que obriga a incidência sobre o valor do faturamento.
Sancionada a lei, o cupom fiscal emitido no ato da venda de um pé de alface deverá estampar um tratado sobre o sistema tributário brasileiro. Os ideólogos dessa obrigação talvez imaginem que as mercadorias sejam isonomicamente tributadas nas diversas gôndolas País afora; que seja possível identificar o valor de cada tributo que grava, ao longo da cadeia produtiva, o seu preço final ou que as cadeias percorridas por elas sejam idênticas. Não consideram que produtos idênticos têm cargas tributárias diferentes, que dependem do Estado onde são fabricados, dos caminhos percorridos na cadeia produtiva, dos regimes de tributação, etc. Não consideram, por exemplo, que a mercadoria produzida em Manaus tem carga tributária diferente da de suas concorrentes feitas em outros Estados.
É difícil de imaginar como um varejista conseguirá calcular (ainda que aproximadamente) o valor do Imposto de Importação, do PIS/Pasep/importação e da Cofins/importação que incidiram sobre a importação de insumos que deram origem a cada um dos itens que comercializa - como exige o PL, sempre que tais insumos representem mais de 20% do preço de venda. Ou como descobrirá o DNA dessa informação depois de a mercadoria passar por cinco ou seis elos na cadeia produtiva. Qual a razão de exigir, para cálculo do IR, a hipótese de adoção do regime de lucro presumido, mesmo quando o contribuinte seja optante pelo regime de lucro real, cujo valor é errático, dependente do resultado apurado no final do exercício, podendo ser nulo no caso de prejuízo? E o ISS incidente sobre os serviços intermediários (auditoria e publicidade, por exemplo) incidente na cadeia produtiva da mercadoria, deverá ser considerado pelo varejista no cálculo da carga tributária? Quem calculará isso? Com qual metodologia? E qual a verdadeira carga de PIS/Cofins incidente sobre cada mercadoria, cuja magnitude depende do caminho que ela percorre na cadeia produtiva, passando por empresas do regime cumulativo (3,65%) e do não cumulativo (9,25%)? E a informação sobre o valor do ICMS retido, por substituição tributária, pela indústria, será dispensada ou deverá ser resgatada pelo varejista - que, na cadeia, pode estar vários elos adiante do ponto de retenção? Qual a tolerância de desvio entre o valor "aproximado", calculado pelo contribuinte, e o valor "aproximado" (o efetivo é insondável mistério) calculado pelo Fisco? Haverá parede suficiente no estabelecimento para que sejam afixados "em local visível" painéis com informações tributárias sobre cada uma das centenas de mercadorias que qualquer botequim de esquina comercializa? Não há software que responda a todas essas perguntas...
Mas a questão fundamental diz respeito ao custo, para o contribuinte e, por consequência, para a sociedade, dessa "transparência aproximada". Ainda que o contribuinte use valores "aproximados" fornecidos gratuitamente por terceiros idôneos, como autoriza o PL, terão de ser específicos em relação a cada mercadoria e serviço, a cada Estado e a cada município. Caso contrário, é transparência "faz de conta".
É surpreendente que os paladinos dessa custosa obrigação, de resultados falaciosos ainda que midiáticos, são também ardorosos defensores da simplificação tributária. Seria mais barato e sensato exigir que se estampasse no documento fiscal alguma frase do tipo "esta mercadoria contém aproximadamente 35% de carga tributária" ou "esta mercadoria contém tributos prejudiciais à sua saúde financeira".
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