domingo, janeiro 19, 2014

Topless - MARTHA MEDEIROS

ZERO HORA - 19/01

Nos primeiros dias do ano foi organizada uma manifestação no Rio de Janeiro a favor do topless, mas, para desapontamento geral, teve adesão de algumas poucas gatas pingadas e o assunto não evoluiu.

Brasil, país da liberalidade, do Carnaval, das popozudas, das mulheres-fruta, da globeleza, do fio dental e demais manifestações de culto ao corpo (sem que nada disso altere a paz familiar), proíbe o topless na beira da praia. Um contrassenso? É, mas explica-se.

O Brasil é permissivo quando o assunto é sexo. De letras de música a comerciais de tevê, aqui quase tudo tem apelo erótico e tudo bem, aceitamos a lascívia como traço de caráter. Seios de fora é uma representação da nossa identidade, da nossa latinidade, das nossas raízes – desde que associada, de forma sutil ou não, à malandragem, à sacanagem, à libido. Por incrível que pareça, é mais chocante ver uma mulher amamentando seu bebê dentro de um ônibus do que arregaçando a camiseta e mostrando os peitos em frente às câmeras num estádio de futebol. Esta será candidata à musa. Ela pode. Mas o gesto maternal sugere indecência.

A amamentação em lugares públicos não é uma atitude sexual, portanto, é algo que perturba, que está fora do nosso contexto. Com o topless se dá o mesmo. Uma mulher com os seios de fora à luz do dia, em volta dos filhos, tomando mate gelado? É atentado ao pudor.

Topless não é um ato de exibicionismo, e sim uma atitude naturalista. Na Europa, basta despontar o primeiro raio de sol para a população tirar a roupa, inclusive nos parques. Em Munique, homens e mulheres dos oito aos 80 anos se reúnem no Englischer Garten, tiram toda a roupa – toda – e ficam lendo seu livrinho numa boa, com a pureza de um recém-nascido. Ninguém sai batendo fotos, salivando com cara de tarado ou marcando encontros atrás da moita. Desde a loira escultural até a senhora pelancuda, todos têm sua privacidade respeitada.

À beira mar o topless é ainda mais comum. Muitas mulheres dispensam o sutiã, não importa o estado de conservação de suas mamas. Fazem isso porque é mais confortável e também para ganhar um bronzeado uniforme, sem as marcas do biquíni. Particularmente, acho mais bonito usar as duas peças, mas não é de estética que se está falando. É do direito que uma pessoa tem de vestir-se (ou, no caso, despir-se) como bem entender, desde que num ambiente propício e sem agredir quem está a sua volta.

Aqui, na novela das nove, homens disputam para ver o “bigodinho” (depilação da virilha) de uma colega de trabalho, e o povo acha a maior graça, mas topless é perversão. Dançamos na boquinha da garrafa, mas não toleramos a liberdade de costumes. E como não se muda a mentalidade de um país por decreto, fazer topless sem estardalhaço ficará para uma próxima encarnação.

Do rolezinho ao rolezaço - EUGÊNIO BUCCI

REVISTA ÉPOCA

Se os inventores do rolezinho se associarem aos ideólogos do blackbloquismo, melhor nem pensar


A palavra rolezinho logo entrará nos dicionários. Substantivo masculino. Modalidade de manifestação pública instantânea – inventada por adolescentes de bairros pobres de São Paulo e normalmente convocada por meio das redes sociais –, que reúne dezenas ou centenas de participantes em shopping centers para confraternizar, chamar a atenção e se divertir; um rolezinho, como um elefante, incomoda muita gente; dois rolezinhos, como dois elefantes, incomodam muito mais, podendo mesmo tirar o sossego de dirigentes de associações comerciais e de Estado, apavorados(as) diante da possibilidade de que meia dúzia de rolezinhos, ou mesmo, sejamos paranoicos, milhares de rolezinhos, atrapalhem eventos esportivos de caráter internacional, como a Copa do Mundo, por exemplo. Etimologia: do francês roulê, particípio passado de rouler (sXII roueller ‘enrolar’) (mas aqui com o sentido de “dar um rolê”, significando “dar um passeio”, i.e., “dar uma banda por aí”, se é que você me entende, mas uma banda em grupo, com a molecada pisando forte e cantando rap), de rouelle, “rodela”, do latim rotella.

O rolezinho chega como a mais forte tendência do verão, rivalizando com os protestos de junho e com os black blocs, que escaldaram a temporada de inverno. O medo das autoridades está justamente nessa aproximação. Elas temem que os insufladores de rolezinhos se aliem às figuras cavernosas do blackbloquismo, gerando um híbrido dedicado a depredar vitrine e saquear geral. Aí, aconteceria nas ruas e nos shoppings do Brasil de hoje um casamento semelhante ao que se deu dentro das cadeias nos anos 1970. Naquela época, ao menos de acordo com alguns relatos, os presos políticos ensinaram rudimentos da disciplina bolchevique aos presos comuns e deram origem a crime organizado que hoje domina os presídios, o tráfico e as milícias. Se os inventores dos rolezinhos se associarem aos ideólogos do blackbloquismo, bem, melhor nem pensar (mas as autoridades não pensam em outra coisa).

Eis aí a contradição: a folia juvenil que anima os finais de semana da juventude das periferias é um filme de terror na imaginação daqueles que são encarregados de assegurar a ordem. As duas expectativas não têm como se conciliar. Possivelmente, o pau vai comer.

Aliás, já come. Imagens de policiais fustigando garotos com seus cassetetes (que já saem de fábrica dotados de preconceito de classe) estampam fartamente o noticiário. Não vem boa coisa por aí. Os shopping centers, templos do consumo sem janela alguma, iluminados o tempo todo por luzes ubíquas, lugares em que os corpos humanos não projetam sombra, posto que a luz brota de todas as paredes, vivem dias de apreensão. Império da mercadoria em que o sol (artificial) nunca se põe, espaços de confinamento voluntário em que os internos, como os prisioneiros de solitárias, não sabem se é dia ou se é noite lá fora, correm o risco de virar ringues dessa coisa disgusting e fora de moda que é a luta de classes. De um lado, a garotada que mal completou 18 anos; de outro, os brucutus da PM ou aqueles sujeitos de terno preto, treinados a dizer amém aos endinheirados e dirigir insultos (inclusive físicos) aos descapitalizados.

Diante de um simples rolezinho, a monumental empáfia das caixas-fortes do fetichismo se desfaz como fumaça. As torres inexpugnáveis, os caixotões de concreto armado, vigas de aço e vidro blindado, as fortalezas ultravigiadas que acomodam as grifes mais caras – e as mais bregas também – prometem segurança total aos clientes, mas não têm defesa contra meninos e meninas que, mesmo sem nadar em dinheiro, trafegam de cabeça erguida pelas galerias que existiriam para sentenciar sua exclusão.

Nesse ponto, a contradição vira fratura exposta. A menos que passem a cobrar ingresso na porta – R$ 50 por cabeça, que tal? –, os shoppings não têm como impedir legalmente a entrada de ninguém. Se, de uma hora para outra, as multidões que não compram naquelas lojas (supostamente chiques) resolvessem desfilar entre as vitrines, o ritual do consumo ficaria inviável. A clientela fugiria. As vendedoras baixariam as portas dos estabelecimentos. Os ricos teriam vergonha de comprar e os lojistas não teriam coragem de vender.

Por aí a gente entende: os shopping centers são como são, tão fechados, fortificados, ilhados, para segregar e, principalmente, para se esconder. Se os rolezinhos virarem um imenso rolezaço, muitos biombos virão abaixo. O temor das autoridades não é de todo infundado.

Gélidas lembranças - FERREIRA GULLAR

FOLHA DE SP - 19/01

Quem está com a razão, os que dizem que o planeta está esquentando ou os que dizem que está esfriando?


Eu, que nasci numa cidade tropical, que ali me criei a uma temperatura média de 27 a 30 graus Celsius --isso nos períodos mais amenos--, não é que um dia me encontrei na cidade de Moscou enfrentando uma temperatura de dez graus abaixo de zero? Avalia só como me sentia ali eu que, no inverno carioca, se o frio chegasse a 16 graus, pensava que ia virar picolé. É nisso que dá se meter em política.

Confesso que quase pensei isso, quando me vi metido em ceroulas de lã, calças, suéter, cachecol, paletó e capote, que pesavam muitos quilos. Isso sem falar na "chapka" --aquela touca de lã que desabotoa e protege o rosto quando o vento frio se torna insuportável. E os lábios? Se você os deixar expostos, racham.

Lembrei disso na semana passada, quando vi na televisão as cidades norte-americanas soterradas sob a neve. A televisão mostrou cidadãos apreensivos, temendo que a temperatura baixasse ainda mais. Já estava, em alguns lugares, por volta de 50 graus abaixo de zero. É temperatura da Sibéria, pensei comigo.

Enquanto isso, no Brasil, estávamos sobrevivendo a uma sensação térmica de 50 graus acima de zero. É impossível não perguntar o que ocorre com o nosso planeta. No final das contas, quem está com a razão, os que dizem que o planeta está esquentando ou os que dizem que ele está esfriando? Quero achar que está esfriando, mas, tendo que tomar um banho a cada meia hora, fica difícil acreditar nisso. A verdade é que nesse assunto particular nem os cientistas se entendem.

Querendo ou não, a memória insistia em me levar para Moscou, onde, naquele ano de 1970, o inverno chegava. Minha preocupação diminuiu quando o chefe de nosso coletivo informou que íamos receber roupas especiais para enfrentar o frio do inverno russo.

Mas minha tranquilidade durou pouco. Antes de dormir, imaginava o futuro que me esperava naquela cidade que nada tinha a ver com minha origem tropical.

Quando o inverno chegou para valer, encontrou-me metido nas ceroulas de lã, na camiseta de lã, nas calças de lã, no suéter, no paletó, no capote grosso e pesado, tão pesado que, se tivesse que andar mais de uma quadra, morreria de cansaço. De qualquer modo, antes cansado do que morto.

A sorte é que passava o dia todo na escola do partido, escutando a lição dos professores ou conversando com os companheiros na lanchonete. A última coisa que eu queria era sair à rua, a não ser quando as aulas terminavam e era já noite, porque, no inverno, ali, anoitece às três da tarde.

No percurso da escola à "abchejite" (uma espécie de pensão de estudantes), se estivesse ventando então, era barra pesada. Meu nariz esfriava tanto que tinha a impressão de que, se desse um peteleco nele, quebrava, caía no chão. Claro que um comunista está no mundo para o que der e vier, razão pela qual evitava formular a pergunta que de vez em quando assomava à mente: que diabo vim eu fazer nesta cidade gelada? Só parei de perguntar quando conheci uma russa de olhos azul-violeta, linda como um sonho, e que só nasce em cidades geladas como Moscou.

Pois bem, e não é que inventaram de nos levar a um passeio em Leningrado, ainda mais frio que Moscou?

Ali topamos com uma temperatura de 30 graus abaixo de zero, o que nos foi anunciado quando o trem se aproximava da cidade, ao amanhecer. À noite, iríamos ao teatro Bolshoi para assistir ao balé famoso no mundo inteiro.

Ao sairmos do hotel, fomos advertidos de que não devíamos fumar na rua. Estranhei, mas a tradutora explicou: "Com 39 graus abaixo de zero, se você puxa o ar frio pela boca, ganha uma pneumonia". Apaguei o cigarro.

Mas ao chegarmos ao teatro, não havia onde estacionar, tivemos que sair do carro e correr uns 50 metros até a entrada, o suficiente para nos congelarmos. Quando entrei no hall, meu paletó parecia uma placa de gelo; se batesse nele, partiria em pedaços, escrevo eu, agora, no Rio de Janeiro, suando em bicas.

Bye bye, 'Face'? - JAIRO BOUER

O Estado de S.Paulo - 19/01

Uma pesquisa divulgada na última semana por uma empresa de consultoria em estratégias de tecnologia nos Estados Unidos revelou que o Facebook está criando "rugas". A maior parte dos usuários americanos tem hoje entre 35 e 54 anos de idade. Há três anos, a faixa que concentrava mais internautas era mais jovem, entre 18 e 24 anos. Um efeito colateral dessa tendência é a perda de mais de 3 milhões de usuários adolescentes, entre 13 e 17 anos, no intervalo de 2011 a 2014.

Bom lembrar que um outro trabalho, realizado pela University College of London (UCL) e divulgado no final de 2013 pelo jornal inglês The Guardian, já apontava que na Europa os jovens de 16 a 18 anos estavam migrando para os aplicativos de troca de mensagens instantâneas, como o Whatsapp, em vez de ficarem presos em plataformas em que se sentiam mais expostos aos olhos da família, como o Facebook.

A publicidade inglesa captou o fenômeno. Em uma campanha atual, que pode ser vista nos cinemas de Londres, uma empresa de telefonia celular, que vende um plano familiar, brinca com o potencial "erro" do filho em aceitar sua mãe como amiga em sua rede social, claramente fazendo uma alusão ao Facebook.

O fenômeno de migração jovem não é exatamente novo, mas a velocidade com que está ocorrendo talvez seja. Toda vez que um "espaço" reconhecido como do jovem passa a ser ocupado por outras gerações, ele deixa de ser visto como "descolado", o que acaba forçando uma debandada dos adolescentes, que querem novidades que os identifiquem com os pares.

No caso dessas plataformas digitais, provavelmente, não é só a novidade que conta. A privacidade do jovem parece ser outro ponto importante. Ao ser invadido pelo chefe, pela mãe e pela família, o Facebook passa a ter um menor apelo como espaço em que segredos, peculiaridades e opiniões pessoais podem ser compartilhados com os amigos. Tudo fica mais "vigiado" e o jovem sabe que pode ficar exposto de uma forma que não deseja.

O estudo da UCL traz outras informações interessantes: os textos e fotos postados no Facebook pelos jovens hoje parecem passar por um processo de filtragem psicológica, ao contrário das mensagens trocadas no Skype ou no Whatsapp, que são mais imediatas. Será que o jovem não sente que perdeu a espontaneidade no Facebook? Assim, lá ele publica só aquilo que pode ser dito, enquanto nas outras plataformas pode ser mais autêntico?

Outro ponto que pode explicar a migração é a praticidade das novas plataformas. Por mais que ipads e pequenos computadores sejam hoje leves e fáceis de carregar, um celular com múltiplas funções, conectado a internet, é ainda muito mais simples e ágil, apesar das limitações das suas interfaces. Assim, além de estar no bolso e acessível o tempo todo, ele garante mais privacidade ao seu usuário.

Em um primeiro momento, o Facebook parecia ser o ponto de convergência definitivo para todo mundo. Pelo visto, como tudo o que acontece no mundo digital, parte significativa do seu público original evaporou. Nem as recentes aquisições de outras empresas de tecnologia ainda mais modernas parecem ter freado esse processo, pelo menos na Europa e nos EUA. No Brasil, parece que essa tendência ainda não é tão clara, embora boa parte dos jovens já expresse um certo incômodo com a presença dos pais em suas redes sociais.

Teclar e guiar. No momento em que os celulares inteligentes são o sonho de consumo dos adolescentes no mundo e em que cada vez mais jovens usam os sistemas de troca de mensagens instantâneas, uma pesquisa divulgada há duas semanas pelo jornal New York Times mostra que o uso dos telefones por motoristas inexperientes aumenta em até oito vezes o risco de acidentes.

O trabalho, realizado pela Universidade Virginia Tech, mostra que entre os jovens recentemente habilitados trocar mensagens pelo celular ou digitar um número enquanto guiam foram os fatores de maior risco para um acidente. Não é difícil de entender o porquê. Pouca experiência aliada à falta de atenção (eles passaram cerca de 10% do tempo com o olhar desviado para outro foco, que não a frente do carro) em um jovem com reações mais impulsivas pode ser uma combinação fatal!

Conversas com o fantasma - TONY BELLOTO

O GLOBO - 19/01

Eu me esmerava em criar novas e escabrosas provas quando senti o cheiro de mofo da casa da minha avó


1. Eu tentava escrever uma crônica de ano novo. Imaginei uma carta aos deuses olímpicos propondo a realização das Apocalimpsíadas, evento em que cidadãos comuns participariam de provas urbanas na cidade do Rio, utilizando a metrópole em obras e seus subsequentes congestionamentos e transtornos urbanos como mote da competição.

2. A ideia era ser irônico, amargamente irônico, já que a amargura é a gasolina aditivada da ironia. O slogan natural do projeto seria: se a vida te der um limão, faça dele uma limonada. Acho o provérbio óbvio e meio idiota, mas explica bem a ideia. Na crônica, eu argumentava que tal competição valorizaria e enalteceria nossas cidadanias e civilidades, quando, atualmente, o caos urbano só faz testar paciências e medir a capacidade de nos conformar e resistir aos apelos da insanidade. Mas eu só estava sendo irônico.

3. Entre as provas que imaginei para as Apocalimpsíadas, constavam:

Cem metros rasos no congestionamento (largue seu carro parado no engarrafamento e saia correndo por cima dos automóveis imóveis, amassando capôs, detonando tetos solares e estilhaçando para-brisas).

Corrida de obstáculos na calçada (desvie de bueiros explosivos ao longo de uma volta no quarteirão. Caso não perca nenhum membro anatômico pelo caminho, suba ao pódio com as duas pernas e comemore elevando os dois braços aos céus).

Apneia no emissário (mergulhe sem tubo em plena Baía da Guanabara, no local em que emissários submarinos ejetam esgotos da cidade. Se retornar vivo do mergulho, ganhe uma medalha e tratamento privilegiado em hospital público).

Biatlo comunitário (galgue as intermináveis escadarias das favelas de dois em dois degraus. Pacificada ou não, dê um rolé lá em cima, desviando dos tiros. Se sobreviver, volte pelas escadarias, pulando de três em três degraus).

Medley na inundação (durante as inundações corriqueiras, saia nadando variando os estilos. Quem sabe você chega em casa a tempo de ver a novela?).

Luta Vasco-Atleticana (saia porrando quem estiver ao seu lado. Chute a cabeça de seu adversário. Quem morrer primeiro perde).

Eu me esmerava em criar novas e escabrosas provas quando senti o cheiro de mofo da casa da minha avó. Virei-me. Era um velho que me observava por trás de minha cadeira. O fantasma acinzentado de um antigo cronista, ou algo do gênero.

4. “Quanta amargura”, disse o fantasma. “E sem graça, ainda por cima. Isso é uma crônica de início de ano, seus leitores merecem um pouco mais de positividade e esperança. Ou de humor, pelo menos”, concluiu depois de respirar como se lhe faltasse o ar.

“Tem humor”, me defendi. “Negro.”

“Não importa a cor, o humor tem de ser engraçado. O seu não é.”

“Sente-se”, eu disse, convidando-o a sentar-se ao meu lado em frente ao computador. Só então notei que ele usava bigode.

“Você não é aquele que fazia umas crônicas meio melancólicas?”, perguntei.

“Eu era melancólico, você é amargo.”

“Sinal dos tempos. Me fale mais desse negócio de esperança.”

O velho fantasma apertou-se com dificuldade ao meu lado na cadeira. Seus quadris eram largos e faziam um ruído estranho quando ele se mexia. Como se faltasse óleo nas juntas. Seu bigode exalava um cheiro de armário fechado.

“O Brasil é uma merda, eu sei, e tudo está errado”, prosseguiu. “Mas será que temos de ser sempre tão desiludidos? O momento em que as pessoas estão curtindo o início de um novo ano é a hora de exprimir alguma esperança, mesmo que a título de distração passageira.”

5. Apesar do cheiro de naftalina do bigode, a companhia do velho era agradável. Eu queria falar sobre literatura, mas ele insistia em falar sobre mulheres. Perguntou-me sobre meus níveis de PSA e do tamanho da minha próstata. Falou também da saudade que sentia de aipim frito. Pediu-me um cigarro, mas eu disse que não fumava.

“Pare de escrever essa crônica”, ele exclamou de repente com voz grave e enferrujada. “Se é que se pode chamar isso de uma crônica. Estou ficando sentimental, vamos dar uma volta.”

Topei. Às vezes é preciso seguir os conselhos de um fantasma de bigode.

6. Caminhamos até a Praia de Ipanema, pois o velho queria ver “mulheres de biquíni”. Avisei-o que, com sorte, talvez até visse alguma de topless. Ele andava com dificuldade e demoramos para chegar. Na praia, uma brisa suave soprava do oceano. Pessoas pegavam sol, jogavam bola, bebiam água de coco, pedalavam, andavam, nadavam, corriam, riam, respiravam. O sol iniciou seu mergulho para o fundo do mar enquanto banhistas aplaudiam. Se houve arrastão, ou topless, ninguém notou. Comentei com o fantasma sobre um pôr do sol a que eu assistira com minha mulher na Grécia. “Humanos, não importa onde e quando, estão sempre aplaudindo o sol”, disse ele, pensativo. Então uma grande explosão tomou forma no horizonte, como se o sol se estilhaçasse de repente, e todos correram em pânico. Quando olhei para o lado, o fantasma já tinha desaparecido.

Eu acho que... - FÁBIO PORCHAT

O Estado de S.Paulo - 19/01

Como é difícil dar uma opinião. Tem aqueles que discordam, tem aqueles que concordam. Tem aqueles que veem na sua opinião um crítica que você mesmo não viu. Tem aqueles que têm certeza de que você é de esquerda e aqueles que afirmam categoricamente que você é direitista.

Tem aqueles que dizem que você é um alienado, que você é muito jovem, que você é branco, que você não é pobre, que você é um merda, que você é preciso em suas observações, tem aqueles que entendem tudo errado, tem aqueles que fazem uma análise completa de uma frase apenas, desvalidando todo o resto. Tem aqueles que acham que você não devia estar fazendo aquilo, tem aqueles que acham que você é uma revelação.

Tem aqueles que conseguem ver algo tão por trás daquilo que tem certeza que o que você está dizendo é exatamente o oposto daquilo tudo. E as pessoas acham tudo isso de uma só opinião. Há algumas semanas, eu disse aqui que eu acho que o Brasil dará conta da Copa do Mundo. Muita gente me disse que o Brasil é um país muito carente em educação e saúde. Eu tenho certeza disso. É um absurdo o que fazemos com nossas crianças e enfermos. Mas isso não invalida o fato de podermos realizar muito bem uma Copa do Mundo.

Ah, mas aqui a polícia é corrupta e os políticos roubam. Sem dúvida. E eu nunca afirmei o contrário. É que parece que se você disser que alguma coisa vai bem por aqui, as coisas que não vão bem invalidam tudo. Não é verdade. Se eu digo que o Brasil oferece gratuitamente o "coquetel" de tratamento de aids para a população, e isso é bom, você não pode contra-argumentar que o ensino fundamental é péssimo. Isso não é um contra-argumento, isso é outra informação.

Uma coisa é uma coisa a outra coisa é outra coisa. Sim, o ensino fundamental no Brasil é de péssima qualidade, mas o "coquetel" gratuito é uma coisa excelente. E eu não tô nem aí se o responsável por isso foi o Serra ou se o Quércia muito antes já havia sugerido isso para o Ulisses. Se o Lula propôs ao Jânio que levou até o Itamar. O que importa é que isso existe, é positivo e não pode ser anulado por conta de um dado ruim.

Me parece que está implícito pra qualquer cidadão brasileiro que o Brasil é um país de terceiro mundo, com vários problemas graves em todas as áreas e que nenhum governo consegue sanar isso. Temos sempre que expor nossos problemas e não mascará-los, justamente para corrigi-los.

Não acho que temos que só falar das coisas boas, mas temos que falar delas também. É muito bom morar no Brasil sim. O Brasil tem os problemas dele, como todos os outros países também têm. De terceiro e de primeiro mundo. Mas não podemos deixar as coisas ruins do nosso país anularem as coisas boas (que são muitas). Nem podemos deixar que as coisas boas dos outros países também anulem as coisas boas do nosso. Sempre vai ter alguém pior e alguém melhor.

Eu gosto de morar no Brasil apesar do Brasil e por causa dele, principalmente. Enfim, essa é só a minha opinião.

Sem num nem numa - CAETANO VELOSO

O GLOBO - 19/01

Minha opinião é que 'num' é melhor do que 'em um' e que rolezinhos são expressão de luta de classes


Dê um rolê: você não vai encontrar a contração da preposição “em” com o artigo indefinido em nenhum texto impresso no Brasil em tempos recentes. Mesmo na biografia de Alexandre Frota, em que o português é tratado com demasiada licença, repete-se, até nas transcrições de falas do biografado, a suposta fineza de grafar a preposição separada do artigo. Me lembro (e aqui vai uma homenagem irônica, tanto aos linguistas quanto aos defensores da gramática da norma culta) de ter exposto minha estranheza em relação ao abandono do “num” e do “numa” (e, consequentemente, é claro, do “nuns” e do “numas”) no blog “obraemprogresso” e ter recebido resposta sóbria de Heloisa Chaves, a mais atenta às questões da língua entre os comentadores, confessando que de fato sempre dizia “num” mas escrevia “em um”. Aprendera na escola. É muito mais jovem do que eu e isso me fez observar que talvez tenha havido um acordo, mesmo informal, desautorizando a mencionada contração na linguagem escrita. Quando eu estudei, a contração da preposição “em” com o artigo “um” (e suas variações de gênero e número) era ensinada como a que se dá entre a mesma preposição e o artigo definido: ninguém diz ou escreve “em a” ou “em o”. Por alguma razão, deixou-se de encorajar os estudantes a fazerem o mesmo com artigos indefinidos, ao menos por escrito, já que não costumo ouvir nada além de “nuns” e “numas” nas falas de todos os meus eventuais interlocutores. Imagino o Alexandre Frota contando que, “em uma noite”, botou pra “fuder”. Pode ser que, influenciados pela escrita, alguns já falem assim e eu, com o ouvido viciado, não ouça.

Parece que “num” passou a ser considerado não algo como “no”, mas um caso semelhante ao de “pro”. Falando, digo que vou “pro Rio”. Muitas vezes escrevo assim em e-mails. Mas se preparo um texto sério para alguma coisa (uma orelha, uma contracapa, um release, um artigo) escrevo “para o Rio”. E mesmo que não o faça, sei que estou tomando a liberdade de transcrever um som coloquial que não é normal (esta é a boa palavra) na linguagem escrita. E, mesmo na fala, dizer “para o Rio” não me soa artificial. Apenas demonstra uma correção que pode sugerir ênfase ou detalhamento para maior clareza. Já “em um”… Sei não. Leio: “Em um ano de eleições as raposas levantam as orelhas”. Me pergunto: Por que não “Num ano de eleições”? Parece que, provinciano nascido e criado numa cidade pequena de uma região que não era nem Nordeste, fiquei por fora dos avanços nos currículos escolares. Teimosamente sigo escrevendo “num” e “numa” e “nuns” e “numas”. O final da letra de “O leãozinho” cita a frase “entrar numa” (que em São Paulo passou a ser “numas”, inclusive abandonando o verbo “entrar”). Me lembro (outra vez a próclise que me parece tão bonita — com o português brasileiro também nisso se aproximando do espanhol e sua clareza) de, passando um tempo na Costa do Marfim na casa de Nazaré e Fabrício, este último me ter chamado a atenção para o fato de que “Numa” era o nome do leão de Tarzan. A canção era então recém-composta e o álbum que a inclui só sairia depois de minha volta ao Brasil: botei a palavra “NUMA” toda em caixa-alta na letra impressa no encarte.

Curioso é que passei esses dias aqui na Bahia repetindo a palavra “rolezinho” em conversas com meu filho mais novo e nossos amigos — e todas as vezes eu pronunciei “rolèzinho”. É como se os baianos sempre tivéssemos pronunciado “rolé”, em vez de “rolê” (os da geração que escreve “em um” não devem saber que se usava o acento grave para definir uma sílaba subtônica, em geral em advérbios de modo nascidos de adjetivos proparoxítonos ou em diminutivos de substantivos oxítonos terminados em “e”: escrevíamos “cafèzinho” e teríamos agora que escrever “rolèzinho”, caso a palavra fosse mesmo “rolé” — mas vejo que, se era “rolê” para os Novos Baianos por que seria “rolé” para alguém?). Não sei por que tive esse ataque de baianismo, do qual só me dei conta quando meu filho já tinha tomado o avião para o Rio. Ele é baiano de nascimento mas carioca de formação. Suponho que tenha estranhado a pronúncia. Seja como for, minha opinião é que “num” é melhor do que “em um” e que rolezinhos são expressão de luta de classes. Gosto menos de ler na “Folha” que os black blocs vão tomar para si algo inocente do que “garotos entraram em um shopping”. Quanto a black blocs, tou mais pra Viveiros de Castro do que pra Ruy Castro. Daí usar expressões para mim exóticas como “luta de classes”. Só não acham isso blogueiros que pensam que o “Esquenta” é racista. Pelo menos é o que me diz a lógica. Rolezinhos são revolucionários, sexy e historicamente significativos.

Um animador sem igual - HUMBERTO WERNECK

O Estado de S.Paulo - 19/01

Ninguém precisa escrever pelos cotovelos para construir uma grande obra - e Aníbal Machado aí está para prová-lo. Ao morrer, faz hoje meio século, aos 69 anos de idade, o escritor mineiro não havia publicado mais do que uma dúzia de contos, reunidos em A Morte da Porta-estandarte e Outras Histórias, e um volume de poemas em prosa, relatos curtos e reflexões, Cadernos de João. Um mês antes, terminara seu livro mais ambicioso, o romance João Ternura, escrito ao longo de quatro décadas e editado postumamente, em 1965. Nos anos 90, inéditos e esparsos seriam recolhidos em Parque de Diversões e A Arte de Viver e Outras Artes.

Foi só - e foi bastante: cambaleante em sua magreza física (proporcional à do autor, diga-se), a obra de Aníbal Machado definitivamente para em pé na paisagem da literatura brasileira, e com muito mais firmeza do que tantas, imoderadas, enxundiosas, que nelas se esparramam. Meu predileto, mesmo não sendo o melhor (nada supera os contos), na cabeceira desde a adolescência: Cadernos de João, naquela esplêndida edição de 1957 que a José Olympio deveria relançar tal e qual, com as vinhetas ocre de Manuel Segalá. Quando acho no sebo, compro - e vou atrás de quem mereça.

À obra em papel se junta outra, imaterial porém não menos relevante: o generoso trabalho de divulgação de ideias e autores a que Aníbal Machado obstinadamente se entregou a vida inteira. Esforço difuso cuja face visível ficariam sendo as famosas "domingueiras" de Aníbal: as reuniões semanais que, de 1935 às vésperas da morte, ele promoveu em sua casa, primeiro na Francisco Sá, 12, em Copacabana, depois no 487 da Visconde de Pirajá, em Ipanema, ao lado das seis filhas (entre elas, Maria Clara Machado) e de Selma, a cunhada com quem se casou ao enviuvar de Aracy.

"Muitos novos receberam ali a iniciação literária e muito livro foi ali batizado", escreveu um dos habitués daquelas noitadas, Otto Maria Carpeaux. "Nenhuma estatística verificará jamais quantos livros importantes, bons ou sofríveis, qual parte da literatura brasileira entre 1930 e 1960, foram concebidos nas conversas daquela sala da rua Visconde de Pirajá; e quanta música boa se inspirou nos cantos folclóricos ali ouvidos."

Carpeaux dizia que Aníbal Machado, "animador sem-par", foi para o Brasil "o Colombo de novos continentes poéticos". Continentes que não se limitavam à poesia posta em versos: a sensibilidade e a inteligência do antenado Aníbal se interessaram igualmente pelas outras artes - em especial, as artes plásticas, o cinema e o teatro. Também nesse terreno foi ele um aplicado divulgador.

As domingueiras começaram sob a forma de jantares íntimos que a multiplicação de convivas logo tornou impraticáveis. O uísque e o garfo-e-faca deram lugar aos salgadinhos, à cerveja, à batida de limão e de maracujá. Não havia visitante ilustre que passasse pelo Rio sem ali fazer escala. Escritores como Albert Camus, a caminho da fama em 1949. Pablo Neruda, já celebridade em 1945. Gente de teatro, como o diretor Jean-Louis Barrault. Orson Welles, filmando no Brasil de 1942. Atrizes do porte de Janette Gaynor e Martine Carol.

Estrelas ou não, todos eram bem acolhidos. "Amigo de Aníbal Machado era quem chegasse, de qualquer país, de qualquer idade, de qualquer cor, de alta ou reduzida voltagem intelectual", escreveu Paulo Mendes Campos ao rememorar os forrobodós de Aníbal, a que não faltavam atrações como Vinicius de Moraes dançando boogie-woogie, Fernando Sabino impressionando a meninada com uma sessão de mágicas e Tônia Carrero, para todos a Mariinha, cintilando no auge de seus encantos. Quando ela entrava na sala, lembra Paulo, "só por um denodado esforço de compostura social a gente podia olhar para outra pessoa".

Não é de espantar que mesmo os penetras fizessem dos fuzuês anibalinos um programa sem erro nas noites cariocas de domingo. Em seu livro sobre Ipanema, Ruy Castro recuperou a deliciosa história de um desses bicões, que, sem saber com quem falava, propôs ao anfitrião um chope em lugar mais animado. "Não posso", explicou o escritor, "tenho que dormir com a dona da casa..."

O rolezão do verão - RUTH DE AQUINO

REVISTA ÉPOCA

Rolezinho não é fenômeno político ou social, não é novidade. É um modismo da estação selvagem



Que me perdoem a ministra sem-noção, os policiais truculentos, os sem-teto oportunistas, os lojistas apavorados, os esquerdistas e os fascistas, que tal baixar a bola e parar com a histeria? Antes que realmente se dê motivo para vandalismo?

Um rolezão estava programado para este domingo no Shopping Leblon, no Rio de Janeiro, mas foi proibido por uma juíza. Oito mil jovens tinham confirmado pelas redes sociais que iriam a esse centro comercial de luxo, num dos metros quadrados mais caros do Brasil.

Eles curtem grifes, zoação, funk e beijaços. E detestam política (não há como culpá-los, não é, Roseana e Renan, a dupla caipira RR?). Pardos e mestiços, como a maioria dos brasileiros, e não brancos ou negros, eles parecem clones do Neymar sem brincos de brilhante.

Detesto shopping e multidão. Abomino a ânsia do consumo. Prefiro as ruas, mesmo com pedrinhas portuguesas. Entendo quem goste de shopping, e são consumidores de todas as classes sociais – especialmente em tempos de liquidação. Não dou rolezinho em shopping. Não como em shopping. Quando vou a um cinema ou teatro em shopping, subo de elevador para não rolar pelos corredores de vitrines, escadas rolantes e praças de alimentação. Minha praça é outra, tem árvore, vento, flores e banquinhos, seja no Rio, Londres ou Paris. Mais na Europa, admito, porque as praças brasileiras são maltratadas pelos prefeitos e pela população.

Evitar shoppings não me livra do rolezão do verão. As grandes cidades, especialmente as litorâneas, se tornam palco de um imenso rolezão – festivo ou agressivo – quando as temperaturas alcançam 40 graus e o Carnaval se aproxima. Quem viu as fotos do mar e da areia em Ipanema nos últimos fins de semana, quem testemunhou os arrastões... Quem caminha ou vai à praia no Rio na estação selvagem é personagem do rolezão. Está no calendário. Acontece antes de os blocos carnavalescos assaltarem (no bom sentido) as ruas e avenidas cariocas. Estamos todos misturados. Favelados, periféricos, suburbanos, playboys, peruas, gostosos, gostosas, atletas, atores, artistas, idosos, bebês.

Corre-corre dá medo? Dá, muito. Quando passo por um grupo grande e barulhento de pivetes, guardo meu iPhone. Preconceito ou realismo? Neste verão sem policiamento ostensivo (os policiais estão todos nas UPPs), o que tem de garoto roubando o celular direto do seu ouvido, no meio da conversa, seja você gringo ou local... Recordo um filme colombiano de 2000, La virgen de los sicarios (A virgem dos assassinos), baseado no romance homônimo de Fernando Vallejo. O filme, com roteiro do escritor, retrata sua cidade natal, Medellín, tomada por furtos e assaltos de adolescentes.

Nos rolezinhos dos shoppings, está cheio de gente mal-educada? Está. Acontece em todo lugar e com todas as classes sociais. Dos riquinhos e fortinhos aos pobrinhos e magrinhos, dos héteros aos gays, dos ambulantes aos quiosqueiros, dos flanelinhas aos motoristas de ônibus e de possantes. Como o brasileiro, em geral, é mal-educado! Socorro. Confunde extroversão com barulho. Espaço público de convívio social significa “espaço onde só se conversa aos gritos” e onde gente fura fila sempre que pode.

Não me venham classificar rolezinho como fenômeno político ou social... Ou, pior, como alguma “novidade”, positiva ou negativa. Enxergo como mais um factoide de verão abaixo do Equador, igual a tantos outros. Como o toplessaço que não colou por preconceito. Quanta hipocrisia numa sociedade hipersexualizada de bunda de fora.

A bagunça mudou de cenário porque está quente do lado de fora e, nos shoppings, o ar-condicionado funciona. Eles vão lá se divertir, “catar mulher”, provocar, conseguir seus 15 minutos de fama, fugir de policial, beijar como nos blocos. Não deram a sorte de entrar na casa do BBB. Recusam-se a ser eliminados. Torcem para o circo pegar fogo e, assim, aparecer na televisão, na primeira página dos jornais e na capa das revistas.

Anônimos e invisíveis, ganham aura de black bloc, experimentam o poder de arregimentar multidões nas redes sociais. Causam furor, torcidas pró e contra. Nunca sonharam tão alto. Só mesmo num país em que a ministra da Igualdade Racial, Luiza Bairros, incita ao racismo, dizendo que os problemas com os rolezinhos são “derivados da reação de pessoas brancas”. Santa ignorância. A escola é do Lula. Ele disse em 2009 que a crise era causada por “gente branca de olhos azuis”.

Os jovens dos rolezões são ajudados pela burrice dos policiais, prefeitos e governadores, que os transformam em mitos e inflam seus egos. Bombas de gás? Multa de R$ 10 mil? Se os policiais fardados são incapazes de evitar furtos de um bando de moleques sem apelar para a brutalidade ou a ignorância, estão eliminados do BBB – deu para entender, brothers?

Mudaremos - FABRÍCIO CARPINEJAR

ZERO HORA - 19/01

Era aquele que dizia que não bebeu nada, apesar do bafo de cerveja.

Era aquele que dizia que não fumou, apesar do cheiro de cigarro.

Era aquele que dizia que não pegou as chaves, apesar de ter sido o último a sair com elas.

Era aquele que negava antes de ouvir a pergunta. Das situações mais triviais às mais complexas.

Desprezava as pequenas mentiras. Acreditava que representavam lapsos necessários, pequenas omissões imprescindíveis para viver a dois.

Eu me transformei por amor. Busco ser honesto sempre, assumindo as mancadas e as falhas.

Mentir não me tornava imperfeito, mentia porque não admitia errar. Não aceitava arranhar a minha imagem. Somente mente quem se julga perfeito, e quer esconder seus vacilos.

Atravessei um tabu de décadas, deixei para trás antigas crenças que não entendo de onde tirei.

Todo homem é conservador e resiste às metamorfoses. Até se apaixonar.

“Não vou mudar”, portanto, é uma frase falsa. Apague de seu vocabulário.

Por amor, mudaremos sim. É só mudando que amadurecemos.

Por amor, nos revolucionamos sim.

Pode vir com sua teimosia, com seu orgulho, com sua arrogância, afirmando que é imutável, que não mexerá em seu temperamento, que tem seus hábitos, que foi assim toda a vida, mas mudará sim.

A convivência influencia, abre as ideias, destrói intolerâncias, força a mutação emocional.

Amor é exceção. É quando praticamos a exceção. Pode deixar as regras para os outros.

Quer uma maior declaração do que tentar fazer o que não admitia ou apreciar o que recusava?

Se você mantinha distância de água, por amor fará natação.

Se você alertou que jamais dirigiria um carro, por amor entrará numa autoescola.

Se você alimentava horror de avião, atravessará o oceano atlântico de seu medo.

No relacionamento que dá certo, promessa não é maldição. Ainda que tenha lavrado verdades no cartório, elas serão lavadas dentro de casa: vão desbotar, vão amarelar, vão desaparecer.

Já vi gente parar de beber, parar de fumar, parar de trapacear, parar de trair.

Vícios são abolidos, virtudes são regeneradas: mudaremos sim.

Encontraremos coragem no olhar terno e confiante de nossa esposa. Localizaremos vontade na cumplicidade ingênua do filho.

Mudaremos sempre. Mudaremos vários fins enquanto não vem nossa morte.

Cartilhas - LUIS FERNANDO VERISSIMO

O ESTADÃO - 19/01

À ANTIGA: Eva viu a uva. O vovô viu a Eva

MODERNA: O vovô viu Eva vendo a uva.

PÓS-MODERNA: Eva viu a uva vendo o vovô.

CAPITALISTA: Eva vendeu a uva ao vovô.

SOCIALISTA: Eva e o vovô dividiram a uva.

COMPETITIVA: Eva viu a uva primeiro, o vovô ficou sem uva.

SOCIAL-DEMOCRATA: Eva e o vovô acabariam dividindo a uva, mas só depois de um longo processo de conscientização, sem recorrer à violência.

TRÁGICA: Eva tirou a uva da boca do vovô à força e depois engasgou-se com ela, enquanto o vovô tinha um ataque cardíaco.

ERÓTICA: Eva chupou a uva fazendo “mmmm” enquanto o vovô fingia que não via.

AMERICANIZADA: Eva viu the book on the table enquanto o vovô recebia o delivery da uva.

FILOSÓFICA: Eva viu a uva, logo existe. O vovô viu Eva vendo a uva, mas não pode dizer com certeza que viu mesmo Eva vendo a uva ou apenas uma projeção conceitualizada da sua imagem no seu sistema neurológico, o que não comprovaria sua existência.

NOIR: Eva pressentiu a presença da uva na escuridão, mas antes que pudesse virar-se e vê-la sentiu a ponta de uma arma nas suas costas e ouviu a voz do vovô dizendo: “Esta é minha, baby”.

SURREALISTA: Eva ouviu a vulva do vovô.

CULINÁRIA: Eva viu a uva, cortou a uva em pedaços, botou no molho do peixe junto com alcaparras e vinho branco – e o vovô só olhando.

SIMBÓLICA: Eva ver a uva significa a reiteração de um ato de conhecimento do mundo que está na origem da cultura humana. Eva, a primeira da sua espécie; uva, a coisa a ser entendida, a realidade extra espécie que, inaugurando a relação gente/mundo, é precondição para o desenvolvimento das artes fabris e da agricultura e, portanto, da civilização. Já o simbolismo do vovô não é tão claro.

TEATRAL:

Eva – Oba, uma uva.

Vovô – Cuidado.

Eva – Por quê?

Vovô – Você sabe, os agrotóxicos.

Eva –Ora vovô, fazer um drama só por causa de...

Vovô – Não. Conheço gente que comeu uma uva e morreu na hora. Uma uva pode ser tão mortal quanto os punhais que abateram Cesar, na peça de Shakespeare.

Eva – Não vou comer. Só vou olhar.

Vovô – Citando de novo o bardo: também nos envenenamos pelos olhos.

Eva – Shakespeare disse isso?

Vovô – Não sei, mas soa como dele.

Eva – De qualquer jeito, não vou comer.

Vovô – Vou ficar de olho em você, menina.

APOCALÍPTICA: Eva verá a uva, o vovô verá a Eva, e este será o último acontecimento na História do mundo antes de começar a chover enxofre.

A arte de ouvir o que merece ser ouvido - ROBERTO GOMES

GAZETA DO POVO - 19/01

Um amigo telefona do outro lado do Oceano Atlântico para comunicar que, segundo seu médico, está ficando surdo. É verdade que não anunciava nenhuma novidade – já havíamos conversado a respeito – mas mesmo assim falou num tom melancólico de quem espera algum conforto.

Não me dei por achado. Disse a ele:

– Comemore. Com o mundo do jeito que está, com tanta porcaria sonora solta no ar, ficar surdo é uma bênção. A surdez vai te livrar de chateações, inclusive das novas duplas sertanejas, dos cantores românticos, dos discursos políticos, das pregações evangélicas. Portanto, fique feliz!

Acho que fiz bem, pois ele deu uma gargalhada estrondosa. Num mundo abarrotado de ruídos endoidecidos, isso de surdez pode ser útil, concluímos.

Há muitos anos trabalhei na Aliança Francesa como bibliotecário. Jovem, tímido e ingênuo, fiquei comovido certa ocasião com um senhor francês, arquiteto, que surgia por ali a cada três dias ao lado de sua mulher. Ela falava alto, tinha opiniões constrangedoras sobre todos os assuntos, dava risadas sarcásticas, convertendo o mundo a sua volta num pandemônio. Ele, quieto e meio sonso, era surdo.

Fiquei triste com a surdez daquele homem. Entrava em silêncio, cumprimentava com um leve movimento de cabeça e ia bisbilhotar as estantes da biblioteca. Remexia nos livros, sempre achava um volume de poemas – amava Baudelaire e Rimbaud – e ficava a um canto lendo poemas enquanto sua mulher seguia em sua missão ensurdecedora de falar pelos cotovelos.

Seria um homem triste. Triste pela surdez, pelo isolamento do mundo, mas me parecia ter uma alma de poeta. Até que certo dia, quando eu também folheava um livro, ele se aproximou de mim. Fiquei tenso, pois não imaginava como conversar com um surdo, ainda mais em francês. Mas ele sorriu e, com voz calma, me perguntou o que estava lendo. Respondi que relia – tentando decorar – o poema de Verlaine, “Chanson d’automne”, que até hoje considero o mais perfeito da literatura universal.

Ele se empolgou e me deu uma aula a respeito de Verlaine, insinuando educadamente que eu já saberia de tudo aquilo que estava me dizendo. Eu não sabia, é claro. Fiquei pasmo, não só com seu conhecimento de Verlaine, mas com o fato de que falava com elegância e ouvia perfeitamente.

Assim ficamos num papo tranquilo, só atrapalhado pelo meu sofrível francês da época, que era capenga. Aliás, continua capenga.

Foi quando ouvi a voz de trovão de sua mulher. Atropelou nossa conversa sem cerimônia e disse que já estava na hora.

Ele colocou a mão no ouvido direito e perguntou:

– O que disse?

Ela subiu o tom:

– Vamos embora!

Ele me olhou, sorriu e, com um sinal, deixou claro que voltaríamos a conversar. E saiu, como se diria em outras épocas, à francesa.

Só então fui descobrir o que todos ali na Aliança já sabiam. O triste arquiteto só era surdo quando sua mulher estava por perto. Escutava perfeitamente quando queria e era surdo ao que ela dizia, com o que mantinha a alma leve para se dedicar ao seus poemas e projetos.

Era, desta forma, um homem feliz. O que é raro.

Ueba! Maranhão vira Lagostão! - JOSÉ SIMÃO

FOLHA DE SP - 19/01

'Senadores fazem inspeção em Pedrinhas.' E ninguém se lembrou de trancar a porta por fora? Rarará


Buemba! Buemba! Macaco Simão Urgente! O esculhambador-geral da República! Piada Pronta: "Polícia flagra racha de charretes em Botucatu". É remake de "Ben Hur"? E como eles dão cavalo de pau em charrete? Rarará.

"Senadores fazem inspeção em Pedrinhas". E ninguém se lembrou de trancar a porta por fora? Rarará.

Três fatos abalaram a semana: Maranhão, rolezinhos e o terno vermelho do Messi! Ele tava parecendo garçom de puteiro! Cantor de festa de casamento! Mágico do Circo Vostok!

Mas nada bate aquele smoking do ano passado: preto com bolinhas brancas. Galinha de Angola! O Messi tem duas estilistas: a filha do Dunga e a estilista do Faustão!

E o Maranhão? Ops, Lagostão! Maranhão vira Lagostão! Roseana Sarney é desgovernadora do Estado do Lagostão! E aí perguntaram pro Sarney: "Como é que os presídios ficaram nessa barbárie?". "Culpa do meu antecessor!". "Quem?". "Dom Pedro 2º". Rarará!

E os rolezinhos? Posso entrar no shopping de bermuda Bob Marley? Não, só com polo de gola levantada e Visa no bolso!

Facebook Urgente! Represália! Tá agendado um rolezinho de coxinhas em Heliópolis. No bar do Russo! Com manobrista e transmissão direta do "Cidade Aleta". E um participante: "Como é que tá o asfalto lá? Meu Fusion é rebaixado".

E as autoridades estão atentas! Alckmim lança rodízio de rolezinhos e pedágio em porta de shopping. E o Haddad vai criar faixa exclusiva para rolezinhos dentro dos shoppings. E o mauricinhos estão agendando um rolezinho na periferia de Miami. Rarará.

E a PM chama bala de borracha de "munição elastômera". Já imaginou? "Cuidado! Lá vem uma munição elastômera". PUNF! Rarará!

E socuerro! Todos para o abrigo! Me mate um bode! Começou o "BBB"! Abriram o açougue! A Turma do Friboi! As Gostosas do Friboi e os Rinocerontes de Sunga! E a pérola do programa: "A maldade tá no olho de quem vê e no volume da sua sunga". PAF!

E eu já disse que a próxima geração no Brasil vai nascer falando "Oi, Bial!". Papai, mamãe e oibial. Oibial virou uma palavra só! Rarará!

E um amigo está numa pousada no Nordeste com o cartaz: "Quem quiser café na cama, vá dormir na cozinha". Concordo! Rarará!

Nóis sofre, mas nóis goza.

Que eu vou pingar o meu colírio alucinógeno!

Outra carta da Dorinha - LUIS FERNANDO VERISSIMO

O GLOBO - 19/01

Bons tempos em que a gente viajava não para alargar nossos horizontes culturais, mas para, na volta, dar inveja nos que não podiam



Recebo outra carta da ravissante Dora Avante. Dorinha, como se sabe, não revela sua idade para ninguém, só diz que não é verdade que já viu o Cometa Halley passar duas vezes. À frente do seu grupo de pressão política e carteado, as Socialaites Socialistas, que lutam pela implantação no Brasil do comunismo soviético na sua ultima etapa, a da volta ao tzarismo, Dorinha se mantém ocupada o ano inteiro, o que não a impede de fazer a coisa que mais gosta, pelo menos entre as publicáveis: viajar. Ela ainda se lembra do tempo em que mandava fazer vestido especialmente para andar de avião, e todos os seus maridos só viajavam de paletó e gravata, e em viagem você só encontrava contribuintes da mesma categoria tributária que você, ou pelo menos do mesmo grau de sonegação, enquanto hoje... Mas deixemos que a própria Dorinha faça a sua queixa. Sua carta veio, como sempre, escrita com tinta turquesa em papel lilás, cheirando a “Mange moi”, um perfume recentemente denunciado pelo Papa Francisco para agradar à ala conservadora da Igreja.

“Caríssimo! Roto-beijos! Bons tempos em que a gente viajava não para alargar nossos horizontes culturais, mas para, na volta, dar inveja nos que não podiam. Me lembro do tempo em que não se encontrava brasileiros nem em Miami. Encontrava-se muitos cubanos, é verdade. Se por alguma razão você exclamasse ‘Jesus!’ na rua, sempre tinha um por perto que respondia ‘Sí?’ Mas os cubanos eram simpáticos, e todos anticastristas, o que me enternecia a ponto de levar vários para a cama. Hoje Miami é um subúrbio do Brasil, e Orlando sua colônia de férias. Já tive a experiência de viajar para a Flórida num avião cheio de ruidosas crianças brasileiras a caminho da Disneyworld, o que só reforçou minha convicção de que Herodes foi um incompreendido. Na Europa também era raro se encontrar alguém falando português, inclusive em Portugal. Lembro que um dos meus maridos brasileiros, cujo nome me escapa no momento, insistiu em visitar sua conta na Suíça (era um sentimental) e descobriu que o banco o identificava como ‘El mexicano’. Na época, nem corrupto nacional era reconhecido. Hoje você não pode andar na rua em Paris ou Londres sem ouvir português por todos os lados. Você não pode, principalmente, falar mal do grupo na mesa ao seu lado porque é quase certo que sejam de Presidente Prudente e estejam entendendo tudo. Você sabe que eu sou uma democrata e até já dei jantar pro Lula — não com a louça boa, claro — mas é preciso haver um limite! Que graça tem chegar de viagem e contar o que eu vi para minha diarista e ela dizer que a catedral de Chartres é bonita, mas não se compara ao Taj Mahal? Assim, decididamente, não dá. Da tua lamurienta Dorinha.”

Os palestinos e Jesus Cristo - JACOB DOLINGER

O GLOBO - 19/01

Toda a história do Senhor dos Cristãos se desenrola na Jerusalém judaica de dois milênios atrás


Aimprensa noticiou que Mahmoud Abbas, o presidente da Autoridade Palestina, reafirmou que não reconheceria o Estado de Israel como o Estado dos Judeus. Realmente nenhuma novidade nesta manifestação, que já foi objeto de várias declarações anteriores suas e de outros líderes palestinos.

O que houve de novo nesta recente manifestação é o que vem relatado na correspondência do jornalista árabe Khaled Abu Toameh, especialista em assuntos árabes e palestinos do jornal “The Jerusalem post”, em sua edição eletrônica de 12 de janeiro.

Assim descreve o correspondente árabe as palavras de Abbas: “Referindo-se à exigência de Israel para que seja reconhecido como o Estado Judeu, Abbas disse: ‘Esta é uma história de que só temos ouvido falar nos últimos dois anos. Não reconheceremos e não aceitaremos a judaicidade de Israel. Temos muitas excusas e razões que nos impedem de fazer isto. O problema de Israel é que os palestinos sabem mais do que os israelenses sobre história e geografia. Nós falamos sobre o que conhecemos’.”

Ocorre que, de um lado, toda a história e o desenvolvimento do sionismo, visando à volta do povo judeu à sua terra ancestral, partiu do livro de Theodor Herzl intitulado “O Estado Judeu”. E, por outro lado, a oposição dos árabes ao desenvolvimento do esforço sionista na Terra Santa sempre se baseou na recusa a aceitar o povo judeu autônomo e soberano em sua vizinhança. O rei Ibn Saud, da Arábia Saudita, deixou isso bem claro em suas conversações com o presidente Franklin Delano Roosevelt durante os anos da Segunda Guerra Mundial. Nenhuma novidade de dois anos atrás nos ouvidos árabes.

Mas repetir a ladainha de Arafat de que os judeus não têm conexão histórica com a Terra Santa leva a uma outra conclusão que interessa a toda a cristandade. O Novo Testamento está repleto de referências à conexão de Jesus Cristo com a cidade de Jerusalém, centro da vida judaica da época.

Em Lucas 2:22, lemos: “E quando os dias de sua purificação, de acordo com as Leis de Moisés, se completaram, trouxeram-no para Jerusalém, para apresentá-lo ao Senhor.” E ao longo de todo o capítulo 2 vem descrita a relação de Cristo com Jerusalém e com os sábios que nela pontificavam. Em Marcos, capítulo 11, versículo 15, a narrativa de como Cristo derrubou a mesa dos vendedores no templo.

E assim toda a história do Senhor dos Cristãos se desenrola na Jerusalém judaica de dois milênios atrás. Que fique então caracterizado que quando Arafat negava a existência do Templo Judaico em Jerusalém e quando Abbas se diz melhor conhecedor de história e geografia do que os judeus, o que o leva a negar a ligação do povo de Moisés com a Terra Santa, eles estão igualmente indo contra as verdadeiras origens históricas e geográficas do cristianismo.

Seria oportuno e adequado que a Igreja Católica Apostólica Romana, a Igreja Anglicana, a Igreja Greco-Ortodoxa, os evangélicos, enfim, todos aqueles que acreditam no Senhor Cristo e nas suas origens, levantem-se para explicar aos palestinos e aos muçulmanos em geral que eles, que só apareceram no cenário mundial muitos e muitos séculos depois dos eventos ligados aos judeus na Terra Santa e ao nascimento do Cristianismo, se não estudarem diligentemente a história e a geografia da época nunca saberão realmente do que estão falando.

A verdade é que esta posição dos árabes e dos muçulmanos em geral representa um atentado contra uma crença que une judeus e cristãos — o centro religioso judaico construído primeiramente pelo Rei Salomão, que, destruído, foi novamente levantado pelo Rei Herodes e completado pelos macabeus. E neste segundo templo andou e lançou seu verbo o fundador do Cristianismo.

A tradição e os laços judaico-cristãos de que tanto se lê na filosofia, na teologia, na história, nas manifestações da civilização ocidental em geral, deveriam se unir em defesa de um atentado à verdade histórica e à realidade geográfica. E um dia os muçulmanos voltarão a ocupar sua posição de sabedoria, de honra como nos gloriosos tempos da Alta Idade Média.

Senhor Abbas, ouça seus irmãos mais velhos.

Um pacto faustiano com as gangues - MAC MARGOLIS

O Estado de S.Paulo - 19/01

Corre que governar é a arte do possível, quando não do desespero. Muitas vezes, conduzir um país envolve acordos malcheirosos. El Salvador que o diga. Em 2012, com a violência à solta, os governantes do convulsionado país centro-americano taparam o nariz e selaram seu pacto faustiano.

À mesa estavam líderes da Mara Salvatrucha e da Barrio 18, duas gangues rivais, das mais temidas do hemisfério, que disputavam à pólvora o mercado de droga e armas. Do outro lado, sentaram-se representantes da Igreja Católica, que se ofereceram como fiadores da paz. Fora dos holofotes, estava o governo de Mauricio Funes, que negou seu papel no acordo com a mesma veemência de alguém que esperava dele um milagre.

Foi um gesto extremo que trazia riscos enormes. Com 68 homicídios a cada 100 mil salvadorenhos, a terceira pior taxa no mundo, a explosão de violência fez refém essa pequena nação de 6,1 milhões de habitantes que rumava à ruína. Valia a pena fiar a paz na honra de bandidos?

Hoje, dois anos depois, essa pergunta ainda ressoa pelo país, com eco nas Américas. No dia 2, os salvadorenhos elegerão o novo presidente. As pesquisas indicam a vantagem folgada do candidato governista. Ele conta com o embalo do presidente, que acaba o mandato com 60% de aprovação. O desempenho é surpreendente para quem conduziu o país sem brilho nem ousadia, fez pouco para estimular a economia - que cresce sofríveis 0,6% ao ano desde 2009 - e deixa uma dívida pública preocupante. Funes salvou-se, talvez, em razão dos investimentos sociais, que diminuíram a pobreza sem tocar na vasta desigualdade social, notória na região.

Arredio à critica e com pouco entusiasmo para mercados abertos, o presidente estreitou o comércio internacional e afastou investidores. Na escala de liberdade econômica, El Salvador mereceu a nota 66 da Heritage Foundation, relegando o país à décima primeira posição entre os latinos.

Mas o fiel da balança na política salvadorenha pode ser a taxa cadente de violência. Após a polêmica, o pacto de gangues colheu resultados. O índice de homicídios recuou de forma dramática. Em 2011, mais de 11 pessoas tombavam assassinadas todos os dias, chegando a 14 na véspera da trégua. Ano passado, a média diária foi para 6,8. Embora a criminalidade tenha voltado a aumentar ligeiramente no início deste ano, a imagem de El Salvador como um pária da América Latina começa a se desfazer. A região está de olho.

Recentemente, dois negociadores do pacto de paz visitaram a prisão de San Pedro Sula, cidade mais violenta do mundo (187 homicídios por 100 mil habitantes), para um encontro com integrantes hondurenhos das gangues de El Salvador. A iniciativa partiu dos criminosos, que pediam ajuda da Organização dos Estados Americanos.

Até onde vai o pacto faustiano? Em El Salvador, criou-se um paradoxo. O governo jamais assumiu seu papel na negociação, que poupou mais de duas mil vidas em dois anos, embora não hesite em tentar faturar com seu êxito.

A sociedade agradece a trégua mas não confia nela. Dissidentes receiam que o país vire prisioneiro dos prisioneiros, que podem matar ou não dependendo das concessões e mordomias que consigam espremer.

Segundo o jornal El Faro, que escancarou o pacto oculto em 2012, uma delas já foi concedida e foi fundamental para "comprar" a paz. Foi a transferência dos líderes criminosos da segurança máxima para cadeias menos rígidas, com direito a visitas conjugais e telefones celulares. Imediatamente, os assassinatos caíram. O país comemorou - discretamente. Na lógica faustiana, o que cai também pode subir.

A dúvida na justificativa para o aumento do IOF - LUCIANO BERNART

GAZETA DO POVO - PR - 19/01

Em 27 de dezembro de 2013, a presidente da República aumentou a alíquota do IOF de 0,38% para 6,38% sobre as operações de cartões de débito no exterior, compras de cheques de viagem e saques de moeda estrangeira no exterior. O aumento ocorreu quase dois anos e meio depois da última elevação da alíquota do mesmo imposto, quando gastos com cartões de crédito, que pagavam 2,38% de IOF, passaram a pagar 6,38%.

Em nota à imprensa, o Ministério da Fazenda justificou que com a alteração de 2013 se pretende “conferir isonomia de tratamento às operações com moeda estrangeira realizadas por meio de cartões de crédito internacionais”. Não fosse o esclarecimento da justificativa efetuado pelo ministério, de que com “a medida, evita-se que um meio de pagamento seja preterido por outros em decorrência de sua estrutura de tributação”, a tendência seria entender que o tratamento isonômico estaria relacionado aos consumidores. Isso porque qualquer promoção de tratamento isonômico nesse sentido visa emanar efeitos a sujeitos, uma vez que coisas não são titulares de direitos ou deveres. Contudo, o esclarecimento ressalta que o fim da medida foi o de equiparar os meios de pagamento, o que indica que o objetivo seria o de estabelecer a igualdade entre operadoras de cartão de crédito e outras instituições do mercado financeiro.

Vários profissionais de diversas áreas se manifestaram alegando que o verdadeiro motivo da alteração de alíquota não teria sido o alegado, mas que a intenção foi outra: proteger o comércio nacional, evitar gastos excessivos no exterior (afirmação fortalecida pelo fato de 2013 ter sido um ano em que mais houve fuga de capitais do país), ou aumentar a arrecadação. O fato é que cada uma dessas situações pode servir para justificar a alteração de alíquota. Isso ocorre porque o IOF é um imposto que não serve apenas para arrecadação, mas tem uma função importante de regulação da economia, que no meio jurídico é chamada extrafiscalidade. É por isso, por exemplo, que se estabeleceu na Constituição que as alíquotas podem ser alteradas por meio de decretos, enquanto na maioria dos outros casos é necessária a publicação de lei.

O fundamento apontado pelo governo, a igualdade, não é injustificável, mas causa estranheza, pois a diferença de alíquotas não é nova. Desde 2007 as alíquotas eram diferentes para as diversas operações de câmbio, e mesmo antes, com base em um decreto de 2002, a diferenciação já ocorria. Se o governo entendeu que havia uma preterição relacionada às empresas de cartão de crédito, por que a demora em tomar tal atitude?

Quanto à inovação, basta analisar a legislação referente ao IOF para concluir que a diferenciação de alíquotas é usual, e até necessária, por vezes, tendo em vista a extrafiscalidade.

Há de se comentar ainda que o aumento de alíquotas comportaria não somente uma das justificativas indicadas pelos especialistas, mas todas elas, pelo fato de todas estarem ligadas à regulação da economia. A medida vai arrecadar cerca de R$ 552 milhões por ano, segundo estimativa do Ministério da Fazenda. Ela tende a proteger o comércio nacional, na medida em que passa a ser mais caro comprar no exterior. Com menos compras no exterior, mais capital permanece no país. Com exceção do aumento de arrecadação, as outras seriam plenamente justificáveis, também do ponto de vista político. Assim, de todas as fundamentações que poderiam ter sido apresentadas, por que a que menos se justifica foi escolhida?

PMDB, onde sempre esteve - JOÃO BOSCO RABELLO

O Estado de S.Paulo - 19/01

Ainda a maior máquina partidária, o que o faz um aliado imprescindível a qualquer governo, o PMDB historicamente condiciona seu apoio político a um tratamento proporcional ao peso do partido, e ao vigor eleitoral do parceiro no comando do País.

Ao menor sinal de erosão de uma dessas variáveis corresponde uma reação, cuja intensidade é determinada pelo grau de ameaça percebido.

A história se repete agora quando o governo começa o ano da campanha da reeleição mais fragilizado do que previra.

O pano de fundo da insatisfação do PMDB são as condições mais competitivas dadas pelo governo ao PT, contemplado com pastas ministeriais bem mais influentes no processo eleitoral, e privilegiado na formação das alianças país afora.

A presidente Dilma, se inclina por uma solução que abra mais espaço ao partido, sem aumentar sua cota ministerial, preservando a capacidade do PMDB de exercer influência política junto a aliados e financiadores de campanhas.

O que preocupa o governo é o risco de perda de apoio em regiões estratégicas, num eventual processo de "cristianização" promovido pelo PMDB, com reflexos na campanha presidencial.

O partido é facilitado pelas condições gerais adversas ao governo. Embora dissimule as dificuldades, o Planalto sabe que os 43% de aprovação da presidente representam um índice vulnerável para quem está no Poder.

A deterioração da economia é real e gradativa e o governo já traiu suas preocupações com os efeitos desse quadro no cotidiano do eleitor mais de uma vez. Embora a influência da economia na eleição dependa do grau de percepção do eleitor, este já foi menor do que agora.

No cenário mais amplo, que inclui a conquista do governo de São Paulo, o ex-presidente Lula continua tenso com o efeito do fraco desempenho do prefeito Fernando Haddad sobre a candidatura de Alexandre Padilha que não afetou, até aqui, o favoritismo do governador Geraldo Alckmin.

A Copa do Mundo, um ativo eleitoral importante, ocorrerá com maus índices de mobilidade urbana e violência, que podem reduzir o poder ufanista do torneio, sempre unificador.

Passagens caras, trânsito infernal, aeroportos inconclusos, serviços urbanos abaixo da exigência mínima, podem contaminar a eleição, pela afetação do humor do eleitor.

São, portanto, acima do desejável, as apreensões do governo em 2014. Vão da economia às alianças regionais, passando pela crise entre os partidos da base e alcançando os riscos de uma Copa que aumentará a população das grandes cidades, desafiando a capacidade de gestão de um sistema já saturado.

Rumo aos 4 milhões - ANCELMO GOIS

O GLOBO - 19/01

Neste fim de semana, mais de 1.200 salas de cinema do país, quase 50% do total, estão exibindo filmes brasileiros.
É um fato histórico.

Nos separe...
Aliás, o filme “Até que a sorte nos separe 2”, dirigido por Roberto Santucci, bateu os três milhões de espectadores e caminha para alcançar a marca dos quatro milhões.

Que Copa, hein!
Dilma anda preocupada não só com eventuais manifestações populares durante a Copa como também com a segurança dos chefes de Estado que estarão por aqui.
O russo Vladimir Putin, por exemplo, já mandou avisar que vem ao Brasil em julho para promover a Copa em seu país, em 2018.

No caso dele...
Putin deve ser recebido por um forte esquema de segurança por causa da lei russa proibindo “sexo não tradicional”, que irritou os gays, e também pela recente prisão dos ativistas do Greenpeace.
Entre os presos, estava a bióloga gaúcha Ana Paula Maciel.

Por falar em...
A Anac vai colocar mil pessoas trabalhando durante a Copa do Mundo.
Na operação do final do ano, a agência mobilizou 315.

Vingança
Uma madame entrou, quarta passada, num salão do Downtown, na Barra, com uma toalha enrolada na cabeça e chorando muito.
Ela havia demitido sua empregada. Mas a moça, antes de ir embora, colocou água oxigenada no xampu 
da patroa. O cabelo, antes negro, ficou totalmente descolorido.

Os escravos brancos
A ABL acaba de relançar “Crônicas”, de Artur Azevedo, publicadas na revista “A vida moderna”.
Em um trecho, escrito em 1886, dois anos antes da abolição da escravidão, o escritor e dramaturgo surpreende ao falar de “escravos brancos” no Brasil.

Diz assim...
“A Câmara Municipal acaba de distribuir, por mão da Sereníssima Princesa Imperial, nada menos que quarenta cartas de liberdade. Entre os escravos havia dois que eram brancos. Sua Alteza admirou-se muito de que houvesse escravos de sua cor.”

Mistura de raça...
Para a historiadora Mary del Priore, Azevedo se refere à mestiçagem no Brasil, resultado dos frequentes casos de concubinato entre senhores brancos e escravas.
— Estes casos eram considerados uma desfaçatez. Havia uma campanha grande contra esta prática pela Igreja.
Mas não adiantou.

Luta contra o crime
Teve comerciante da favela Pavão-Pavãozinho, em Copacabana, ameaçado por traficantes para não vender “nem uma garrafa de água” para os policiais da UPP.
Aliás, UPP eu apoio.

Acabou em samba
Os 50 anos do Golpe de 1964 serão lembrados pelo Cordão do Prata Preta em seu desfile, na Gamboa. O tema é “Ditadura nunca mais”.A camiseta do bloco, veja, além da frase traz o,desenho de um preso político sendo torturado no “pau de arara”.

Vendo o sol quadrado...
Aliás, a Editora José Olympio, por conta dos 50 anos do golpe, vai relançar o livro “Reminiscências do sol quadrado”, de Mário Lago (1911-2002).
O ator e compositor de “Amélia” e “Atire a primeira pedra”, ligado ao Partido Comunista desde a juventude, conta sua prisão no dia do golpe.

Salvem os livros!
A Livraria São José, há 74 anos no Centro do Rio, fecha as portas em março.
O sebo, frequentado pela nata dos advogados da cidade à procura de livros jurídicos raros, não aguentou o aumento do aluguel na loja que ocupa na Rua Primeiro de Março. Pulou de R$ 8 mil para R$ 20 mil.

Sashimi chique
O grupo Trigo, dono do Spoletto e do Koni, de comida fast-food, vai investir num mercado mais sofisticado. Abre, no Fashion Mall, o japonês Gurume, com projeto do arquiteto Thiago Bernardes.

Quitutes na Igreja
Começa a engatinhar por aqui a prática de servir comidinhas em missas de 7º dia, a exemplo do que acontece nos velórios nos EUA.
Outro dia, na Igreja Santa Inês, na Gávea, no Rio, o bufê 3naCozinha foi contratado para servir quitutes para 150 pessoas depois dos pêsames.

DOSE DUPLA - MÔNICA BERGAMO

FOLHA DE SP - 19/01

Antonio Fagundes, 64, faz dobradinha com o filho caçula, Bruno, 24, no palco e na TV; eles estão em sintonia também na dieta e nas críticas à dependência excessiva de patrocínio na produção cultural do país

Diante de uma entrada de mexilhões, Antonio Fagundes, 64, é taxativo: "Só posso comer o limão", brinca o ator, ao dispensar o prato. Vai degustar no almoço no restaurante da Casa das Rosas um filé de saint peter grelhado com legumes e salada.

Ele explica à repórter Eliane Trindade que está fazendo a dieta da proteína. "Não é para emagrecer, é saúde. Quero ficar bem e ir emagrecendo devagarinho. Vai levar dois anos pra chegar no que quero. Sem ansiedade."

No dia anterior, confessa logo depois, passou na padaria e desequilibrou a equação 20% de carboidratos/80% de proteínas diárias. "Não aguentei, comi um pãozinho saído do forno." Com um personal trainer, ganhou disciplina de malhação. "Tô fazendo ginástica. Tô tão orgulhoso de mim mesmo."

Seu caçula, Bruno, 24, é ainda mais econômico no consumo de calorias: fica só na salada. Ergue a taça de espumante para o brinde, mas não bebe. "É meu janeiro seco, sem álcool", explica, no propósito de atravessar o mês também sem ingerir doces.

Tanto o pai, peso-pesado da dramaturgia nacional, agora na pele de César em "Amor à Vida", quanto o filho, que estreia na TV na próxima novela das seis da Globo, estão em sintonia alimentar e no trabalho. Na sexta, reestrearam a peça "Tribos", que já levou 30 mil espectadores ao teatro em São Paulo, em três meses em cartaz.

É a segunda experiência da dupla em cena. Em "Vermelho", de 2012, o convite foi paterno. Agora, a iniciativa partiu de Bruno, que descobriu em Nova York o texto sobre uma família disfuncional que precisar lidar com um deficiente auditivo.

"Quando o pano abre, não somos pai e filho, mas dois profissionais. Não carrego o parentesco para o trabalho", diz Bruno. "Estou lutando pelo meu espaço, humildemente. Quem me vê atuando percebe que tenho dedicação." O pai dá uma piscadela e diz em tom de confidência: "O cara é bom". E emenda: "A cobrança maior é minha e dele".

São também produtores (investiram R$ 100 mil do próprio bolso para dar início ao projeto). "Metade cada um", salienta o filho. Criaram uma cooperativa com 17 colegas para viabilizar o espetáculo sem patrocínios.

"Criamos uma empresa, todos entraram de sócios encarando o risco de bilheteria", explica Bruno. Abriram mão de ir à caça do R$ 1,8 milhão, aprovado pelo Ministério da Cultura, que poderiam captar pela Lei Rouanet. "Há um equívoco do governo ao dar esse patrocínio [via lei de incentivo], que virou espécie de cala-boca para a classe teatral", diz Fagundes.

Com 50 produções teatrais em 48 anos de carreira, o ator conta nos dedos quantas vezes recebeu dinheiro de patrocinadores: três. "A única coisa que o governo faz é decidir quem não pode [contar com Lei Rouanet]. O que funciona como certa censura. Envia-se o projeto, eles analisam e apoiam ou não a possibilidade de ir atrás de patrocínio. Não fazem mais nada."

A crítica se estende à "segunda censura econômica", após o filtro ministerial. "É quando você vai falar com o gerente de marketing das empresas. São pessoas estudiosas, mas de suas áreas. Alguns até gostam de teatro, mas não são capazes de avaliar um texto. Sem falar que, se passar por essa etapa, seu trabalho vira brinde de empresa."

O filho faz coro: "Eles querem usar nossa visibilidade para estampar a marca deles na nossa testa". Relatam ter ouvido de um diretor de marketing de uma grande corporação que a peça "era cultural demais". O pai rechaça o argumento de que se trata de uma troca. "Seria, caso colocassem recurso do bolso deles, mas não põem."

Sem dinheiro do contribuinte por meio de renúncia fiscal, "Tribos" se pagou com casa cheia. "Nossa média de público foi de 589 por dia. 89% da ocupação", contabiliza Bruno. A conta fecha alavancada pelo protagonista de um folhetim das oito. "Fico feliz quando a novela faz sucesso, pois vai levar 30% a mais de público ao teatro", diz Fagundes, o produtor.

Há 38 anos batendo ponto na maior emissora do país, o galã sai em defesa de Walcyr Carrasco, autor de "Amor à Vida", detonado por colegas de elenco. "Criticam a novela como se fosse uma obra definitiva. Não é. A proposta é entreter. Se mantém 70 milhões de pessoas ligadas, cumpriu o propósito."

Fagundes vai emendar outra novela. Foi escalado para a próxima trama de Benedito Ruy Barbosa, "Meu Pedacinho de Chão", com direção de Luiz Fernando Carvalho. Mesmo trio de "O Rei do Gado" (1996) e "Renascer" (1993). "Fiz teste e só soube que meu pai tava no elenco depois de aprovado", diz Bruno.

O estreante será um médico que percorre o interior do país. "Estava até pensando em fazer com sotaque", brinca, em referência aos estrangeiros do Mais Médicos. Começam a gravar no fim do mês. "Será uma novela diferenciada, com cem capítulos e poucos núcleos."

O sistema industrial de produção dos novelões tradicionais levou Fagundes a encabeçar movimento entre os astros globais. "Estamos conversando com a Globo tentando nos entender para melhorar artisticamente a nossa participação. Naturalmente, vamos mexer com problemas de carga horária e de tempo para estudar em casa."

Querem receber horas extras pelas 12, 13 horas de gravação diárias? "Elas são pagas, não é esse o caso", explica. "Disseram que a gente estava pensando em dinheiro. Não se tocou nisso. Por enquanto, estamos buscando formas de retomar o nosso prazer artístico, sem a aflição de ter 40 cenas para fazer."

Fagundes pede a salada para fechar o menu light e encara o papo indigesto das próximas eleições presidenciais. "Tá ruim, né? Sinto muito não termos uma oposição." Não se empolga com o tucano Aécio Neves nem com a terceira via representada por Eduardo Campos (PSB). "Parece que ele é um ótimo administrador, mas uma coisa é Pernambuco, outra é o Brasil."

Marina Silva também não o convence. "O purismo dela é burro. Vai governar como? Terá que fazer alianças. Ao mesmo tempo, essa história de governabilidade é um problema. Tudo bem, é preciso fazer aliança pra governar, mas logo com bandido?"

Não vê distinção entre PT e PSDB. "É um sistema inteiro comprometido." Cobra punição para o mensalão mineiro. "Ninguém está tocando no assunto. É só o PT? Não." Lembra ainda denúncias de cartel no metrô de SP. Dilma Rousseff decepcionou: "Tinha condição de fazer mais".

Pai e filho dispensam a sobremesa e voltam a se empolgar ao falar da "acessibilidade total" de "Tribos" para portadores de deficiência. No último sábado do mês, contam com intérpretes de Libras para traduzir o espetáculo aos cerca de 2.000 deficientes auditivos que já foram vê-los.

Bruno está estudando a língua brasileira de sinais. "Aprender Libras é tão difícil quanto mandarim." Serão pioneiros em acessibilidade também para portadores de deficiência visual, por meio de audiodescrição da peça.

É hora do cafezinho e de falar de cinema. Fagundes estreia, dia 31, "Quando Eu Era Vivo", de Marco Dutra, ao lado de Sandy. O longa é adaptação de um livro de Lourenço Mutarelli. "Li tudo dele, adoro. Quando me chamaram, dei pulos de alegria."

E se alegra também com o fato de o filme de baixo orçamento seguir sua lógica de produtor teatral. "O movimento certo é fazer projetos que possam se pagar e sermos menos dependentes de patrocínios." E conclui: "Estamos em um momento de repensar a profissão e de se perguntar: Eu quero continuar sendo ator, diretor, produtor de cinema, teatro e TV ou vou ser captador e empresário?'".

"Há um equívoco do governo ao dar esse patrocínio [via lei de incentivo fiscal], que virou uma espécie de cala-boca para a classe teatral"
ANTONIO FAGUNDES
ator e produtor

"Quando o pano abre, não somos pai e filho. Não carrego o parentesco para o trabalho. Estou lutando pelo meu espaço"
BRUNO FAGUNDES
filho caçula do ator

Alerta vermelho - ILIMAR FRANCO

O GLOBO - 19/01

A paciência do governo está chegando ao limite com o presidente do Atlético Paranaense, Mario Petraglia. A obra da Arena da Baixada está enroscada. A presidente Dilma e o ministro Aldo Rebelo (Esportes) trataram do assunto na semana passada. O governo não pode recorrer à construtora. Ela é de amigos do cartola. O estádio, que deve receber quatro jogos, pode sobrar.

PMDB: ‘stand up comedy’
Uma sonora gargalhada tomou conta do Palácio do Jaburu na noite de quarta-feira. Depois de extravasar o descontentamento com os rumos da reforma ministerial e da relação eleitoral nos estados com o PT, a cúpula do PMDB jantava com o vice Michel Temer, quando um dos presentes fez uma intervenção surpreendente e recheada de ironia. Lá pelas tantas, ele brincou: “O Michel vai assumir na próxima semana. Deveria aproveitar que a Dilma está viajando. Ele demite, nomeia e faz a reforma ministerial”. A descontração tomou conta do ambiente. E, mesmo sendo brincadeira, os peemedebistas presentes à reunião insistem em dizer que não lembram quem foi o gaiato.



“A reação aos rolezinhos tem uma dimensão preconceituosa. As pessoas associam aquela correria nos shoppings com os arrastões na praia”
Luís Adams Advogado-Geral da União

A todo vapor
A CUT publicou texto na internet defendendo os rolezinhos. O secretário de Juventude da
entidade, Alfredo Santos Junior, diz que “a reação de conservadores representa o medo das elites de ter seu espaço ameaçado pelos excluídos”.

Palanque exclusivo
O candidato do PSDB ao Planalto, Aécio Neves, independentemente de suas declarações, não quer uma aliança do governador Geraldo Alckmin com o PSB, pois ela implicaria dividir o palanque tucano com o candidato socialista Eduardo Campos.

Reforçando o alicerce
Os palanques regionais são a maior dor de cabeça dos candidatos de oposição à presidência, Aécio Neves (PSDB) e Eduardo Campos (PSB). Os dois estão empenhados em construir candidaturas no maior número de estados. Vários quadros estão sendo pressionados a entrar na disputa para dar suporte à campanha nacional.

Palanque mineiro
O ministro da Agricultura, Antônio Andrade, anuncia amanhã ao comando do PMDB se será vice na chapa do candidato do PT ao governo de Minas, o ministro Fernando Pimentel. O PT dá a dobradinha como certa. Mas o PMDB ainda não.

Na crista da onda
O prefeito de Salvador, ACM Neto (DEM), foi festejado pela massa na Lavagem da Igreja do Bonfim, na quinta-feira. Seus partidários estranharam a ausência do candidato do PSDB ao Planalto, Aécio Neves. Oportunidade perdida.

O BISTRÕ DA LIVRARIA SEBINHO, na Asa Norte, em Brasília, virou ponto de encontro de assessores do governo Dilma. Eles se escondem dos locais glamourosos.

Agenda de campanha - BERNARDO MELLO FRANCO - PAINEL

FOLHA DE SP - 19/01

O ministro da Saúde, Alexandre Padilha (PT), tem usado o cargo para se aproximar do eleitor de São Paulo. Pré-candidato a governador, ele saiu de Brasília para participar de 57 atos oficiais do início de novembro até ontem. Nada menos que 47 deles, ou 82% do total, ocorreram em solo paulista. Como cumpria agenda oficial do ministério no Estado, Padilha contou com a estrutura do governo, foi acompanhado por assessores e viajou a bordo de aviões da Força Aérea Brasileira.

Dose tripla A agenda do petista mostra que ele manteve uma média superior a um evento em São Paulo a cada dois dias. Ontem foi a terceira vez em que ele visitou três municípios na mesma data.

Maratona No último dia 20, Padilha embarcou às 7h para Ribeirão Preto, onde assinou portaria. Às 11h voou para Marília, onde anunciou investimentos em UPAs. Duas horas depois, decolou rumo a Guarulhos e visitou um hospital. Tudo nas asas da FAB.

Locomotiva Em nota, o Ministério da Saúde diz que Padilha atende a convites e que São Paulo "concentra o maior número de unidades de saúde, possui hospitais de excelência, entidades do setor e instituições universitárias de impacto nacional".

Ah, bom "Além disso, o ministro vistoria o andamento de obras e acompanha a execução dos programas federais para a saúde de todos os Estados brasileiros", afirma o texto enviado à coluna.

O sucessor No Planalto e em São Bernardo do Campo, é dado como certo que Arthur Chioro será nomeado para a vaga de Padilha, que já esvazia as gavetas no ministério. Ele é secretário do prefeito Luiz Marinho (PT).

O cientista Dilma Rousseff ofereceu o Ministério da Ciência e Tecnologia ao PSD de Gilberto Kassab. A pasta é ocupada hoje por Marco Antonio Raupp, indicado por Aloizio Mercadante (PT).

Já respondo O ex-prefeito prometeu consultar o partido e deve falar de novo com a presidente quando ela voltar de Davos. Os dois se encontraram na última terça-feira, dois dias antes de Kassab ser acusado de receber "uma fortuna" da Controlar. Ele afirma ser inocente.

Gasparzinhos O Maranhão não tem vice-governador desde o fim de novembro, quando Washington Oliveira (PT) renunciou. Mesmo assim, Roseana Sarney (PMDB) nomeou mais dois assessores para a Vice-Governadoria.

As datas Eliene Fernandes da Silva é "assessora especial II" do gabinete do vice desde 18 de dezembro. Ana Maria Silva de Oliveira virou "adjunta de serviços residenciais" em 7 de janeiro.

O companheiro A Vice-Governadoria é um feudo do PT maranhense, que continua aliado à família Sarney apesar das queixas de parte dos militantes. O presidente estadual do partido, Raimundo Monteiro, foi designado assessor especial em 2011.

A explicação O governo diz que as nomeações "referem-se a solicitações quando do período em que Washington estava no cargo". E demoraram porque "é necessário obedecer a um criterioso cadastro de servidor público", segundo nota oficial.

De outro mundo O mineiro Walmir Marques, que se apresenta como embaixador cósmico, tem ligado insistentemente para o Planalto. Ele diz que a espionagem dos EUA tem um objetivo oculto: rastrear desembarques de óvnis no Brasil.

Uma vez Flamengo Dilma nomeou o advogado Flávio Willeman juiz do TRE do Rio. Ele é vice-presidente jurídico do Flamengo.

com ANDRÉIA SADI e BRUNO BOGHOSSIAN

tiroteio
"O Brasil voltou a ser uma monarquia com capitanias hereditárias. Viveremos uma disputa entre os netos de Arraes e Tancredo."

DE CLÁUDIO LEMBO (PSD), ex-governador de São Paulo, sobre a presença dos herdeiros Eduardo Campos (PSB) e Aécio Neves (PSDB) na corrida presidencial.

contraponto


As cocadas da primeira-dama
Aliado histórico da ditadura, o líder baiano Antonio Carlos Magalhães gostava de enviar presentes para agradar aos militares. Um dia, no governo João Figueiredo, mandou para Brasília uma caixa de cocadas. Horas depois, ligou para saber se dona Dulce tinha gostado.

A primeira-dama, que não havia visto os doces, agradeceu polidamente. Logo o telefone tocou no Planalto:

--Cadê as minhas cocadas? --cobrava ela.

Tinham virado lanche de assessores. A solução, conta o fotógrafo Orlando Brito, foi enviar um avião da FAB a Salvador para buscar novos doces para a primeira-dama.