O GLOBO - 09/03
Até o momento, o governo não tem nenhuma ideia do que fazer com a próxima cúpula que reunirá aqui Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul
O clichê de que o “mundo americano” já teria acabado inebriou muitos desde a crise global de 2008. Uma precipitação. Com o dólar refortalecido e a crise de confiança abalando os ânimos dos países emergentes, muitos se perguntam hoje se há vida após o Brics. Uma tremenda virada de mesa.
Na última reunião de Davos, todos ouviram boquiabertos, de autoridades e analistas internacionais, que o Brasil saiu da condição de emergente para a de subemergente ou “frágil”. Na economia não perfilamos mais ao lado da China, mas da problemática Turquia. De repente, redescobriram as mazelas nacionais. Crescemos pouco, com baixo investimento e inflação alta.
Voltamos a aparecer nos noticiários como aquele país que está entre os dez piores do mundo em analfabetismo adulto, que tem uma desigualdade monstruosa, os juros mais abusivos, mas de onde os capitais escapam pelos dedos e há até bolha imobiliária. No entanto, sempre encontramos consolo em alguns vizinhos em pior situação, como a Argentina e Venezuela.
Desde 2009 o Brasil não estava tão bem como se dizia. Após oficializarmos o Brics, nada de bom nos aconteceu. A nossa diplomacia cometeu erros grosseiros. O próprio chanceler brasileiro reconheceu, em entrevista ao jornal “Valor Econômico”, no fim do ano passado, que a política externa precisa ser revista.
Até o momento, o governo não tem nenhuma ideia do que fazer com a próxima cúpula que reunirá aqui Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul. Esperam que uma vitória na Copa recupere a autoestima e que, até lá, Putin em Moscou não torne a Ucrânia em um pesadelo maior. Seria terrível se ainda por cima o Brics se transformasse em um diretório do despotismo global.
Muda-se o chanceler e o Itamaraty continua a cometer erros sérios demais. O gasto exorbitante em hotéis de Lisboa para pernoite rumo a Cuba “socialista”, que acaba de inaugurar um porto típico do capitalismo, não é o único problema. Bem pior é a atitude com relação à Venezuela, que beira o colapso institucional. Já não há mais democracia naquele país, e o governo brasileiro perdeu credenciais para ser conciliador na crise porque se aliou ao autoritarismo chavista, que, depois de tanto alarido anos atrás, hoje se encontra em um previsível beco sem saída, ameaçando causar graves danos políticos e econômicos ao Brasil.
O caos na Venezuela já rebate sobre o restante da região dividida em dois blocos. Enquanto os países do Pacífico liderados por Chile, Colômbia, Peru e México estão se integrando e tentando encontrar novas oportunidades comerciais em um mundo mais complicado, o Mercosul simplesmente afunda em instabilidades e desconfiança, após passar muito tempo à deriva, preterido pelos modismos de acrônimos.
A verdade é que todas as apostas feitas pelo governo brasileiro deram n’água. Os profetas do mundo emergente antiocidental perderam credibilidade, e Dilma agora recorre à velha Europa e ao Papa, que virou pop novamente. A nossa economia se desindustrializou e se tornou deficitária, o dinheiro produtivo sai dos emergentes para as nações mais ricas e novas siglas começam a surgir, porém, sempre deixando uma janela aberta para voltarem atrás mais uma vez, sem pedidos de desculpas ou autocrítica. Afinal, o mundo dá voltas, “a crise é de meia idade”, e há vida depois do Brics.
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