O Estado de S.Paulo - 09/03
O desvio e o desperdício de dinheiro atravessam a história da gestão pública no Brasil. Desde a volta da família real a Portugal, quando Dom João VI levou o que restava dos cofres do Banco do Brasil, a classe política se aproveita do poder de manipular verbas e desviá-las para fins diversos. O desperdício é a marca de políticos habituados a esbanjar o dinheiro da viúva. Se os valores subtraídos desde os tempos do Império tivessem sido aplicados com honestidade e zelo, o Brasil teria hoje os indicadores econômicos e sociais da Suíça ou da Dinamarca, seria próspero, culto e sem pobreza. Como a história foi outra...
Presidentes, governadores, prefeitos, parlamentares e burocratas agem assim de olho no financiamento de campanhas eleitorais e no enriquecimento ilícito, por desleixo com a coisa pública ou mesmo por pura incompetência. O caso das seis distribuidoras estaduais de energia elétrica empurradas para a Eletrobrás perpassa por todas essas motivações.
Situadas na Amazônia, onde a população pobre e a distância demográfica desfavorecem a cobrança da conta de luz, elas já nasceram deficitárias, mas seus prejuízos foram potencializados pelo sistemático uso político de sucessivos governadores que delas extraíram dinheiro para campanhas eleitorais, inflacionaram as folhas de salários com apadrinhados e nomearam gestores de confiança para servir aos interesses do governador, não para garantir à população um serviço público de qualidade. Após a intervenção da Eletrobrás, a influência dos governadores na sua gestão reduziu, mas não desapareceu e continua mais forte do que se esperava.
As seis distribuidoras dos Estados do Amazonas, Rondônia, Acre, Roraima, Piauí e Alagoas não pagam pela energia que compram das geradoras da Eletrobrás nem repassam para a União as taxas cobradas nas contas de luz dos consumidores (se uma empresa privada assim agir, o governo federal decreta intervenção na hora, como fez com a Celpa, do Pará). De janeiro a setembro de 2013, as dívidas das seis somavam R$ 938 milhões e, em 2012, acumularam prejuízo financeiro de R$ 1,33 bilhão (33% maior que em 2011). Esses resultados se ampliam pelo acúmulo de anos de más administrações.
A Aneel reconhece que elas só não faliram porque a Eletrobrás as assumiu, mas assiste a tudo inerte. "Quando entra o governo e transfere as empresas para a Eletrobrás, não cabe à Aneel opinar", justifica o diretor-geral da agência, Romeu Rufino. Se assim for, a Petrobrás pode inundar a Baía de Guanabara com óleo sem ser multada pela ANP. A Eletrobrás até deseja, mas não consegue vender as empresas, seja por pressão dos governadores sobre a presidente Dilma Rousseff, seja porque só encontrarão compradores se nelas for injetada uma bolada de dinheiro para sanear as dívidas.
No ano passado a estatal contratou o Santander para apresentar ao governo federal os números da sangria e sugerir soluções. O estudo do banco propôs a privatização total ou de 51% das ações e dimensionou em R$ 1 bilhão a R$ 1,2 bilhão o valor de mercado das seis juntas. Mas elas precisam de pelo menos R$ 3,5 bilhões em investimentos só para se adequarem aos padrões de qualidade definidos pela Aneel, sem contar com as dívidas e outros penduricalhos que antecedem uma privatização capaz de atrair compradores.
A presidente Dilma está consciente da urgência de uma solução para o problema, até porque as concessões das seis empresas vencem entre 2015 e 2017 e ela pode usar a antecipação da renovação das concessões por mais 30 anos como trunfo para atrair investidores privados e melhorar o preço de venda das empresas. E o que fez Dilma? Adiou para 2015. Afinal, se ela privatizar em ano eleitoral, corre o risco de perder aliados em seis Estados e votos preciosos numa campanha eleitoral incerta. E ainda enfrentar a gritaria de sindicatos que farão oposição à privatização. Ou seja, como ocorre desde sempre, o oportunismo eleitoral prevalece sobre o interesse público, as seis empresas seguem sugando dinheiro anos a fio e a população banca pagando impostos.
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