O GLOBO - 02/02
O quinto filho de Eduardo e Renata Campos tem síndrome de Down, e eles celebraram a vida
Foi o poeta João Cabral de Melo Neto quem disse: "Não há melhor resposta que o espetáculo da vida". É raro que ocorram episódios comoventes na esfera privada de políticos brasileiros. A imediata divulgação, pelo governador Eduardo Campos, de que seu quinto filho nasceu com a síndrome de Down e a forma com que ele e sua mulher, Renata, lidaram com isso justificam a transcrição da mensagem que postaram na quarta-feira:
"Hoje os médicos confirmaram o que já estava pré-diagnosticado há algum tempo. Miguel, entre outras características que o fazem muito especial, chegou com a síndrome de Down. Seja bem-vindo, querido Miguel. Como disse seu irmão, você chegou na família certa! Agora, todos nós vamos crescer com muito amor, sempre ao seu lado".
Esse tipo de comportamento revela não só o afeto de uma família, como serve de exemplo. Crianças nascidas com essa síndrome às vezes inibem os pais, infelicitando-lhes as vidas. Houve época em que eram raros os casos como o de Charles de Gaulle, cuja filha Anne nasceu com ela. O general que liderou a Resistência Francesa e governou o país por mais de dez anos, até 1969, era conhecido por sua reserva pessoal. Raramente ria ou brincava, salvo se estivesse com Anne. Com ela até cantava, fazia teatrinhos e tomava beliscões nas bochechas. Nunca se afastou da menina e levou-a consigo para a Inglaterra quando a França se rendeu à Alemanha. A moça morreu em 1948. Vinte e dois anos depois, quis ser sepultado ao seu lado. Conduta muito diferente de Joseph, o patriarca da família Kennedy. Ele educou seus filhos num padrão de competitividade doentia. Quando Rosemary, a filha mais velha, mostrou-se depressiva e lenta no aprendizado (nada mais que isso), submeteu-a a uma lobotomia experimental. Deu tudo errado. Aos 23 anos, ela perdeu a fala e andava com dificuldade. Esconderam-na num asilo e os pais não a visitaram. Rosemary terminou seus dias em 2005, aos 86 anos, tendo sobrevivido a três irmãos homens e a uma irmã que se tornara marquesa.
Felizmente, no Brasil, ocorreram mudanças exemplares. Em 2011, Romário levou sua filha Ivy a um evento contra a discriminação. O mesmo fez o ministro Dias Toffoli, do STF, com seu irmão José Eduardo.
NERVOSOS
O ministro Guido Mantega falou em "acalmar os nervosinhos" que temem pela estabilidade da economia brasileira.
Tudo bem, mas quem está à beira de um ataque de nervos é o pedaço da equipe que cuida dos números, na qual ele eventualmente se inclui. O temor, acima de tudo, relaciona-se com as ameaças que vêm de fora.
O HOMEM DOS CACHORROS
Um grande livro está chegando à praça. É "O Homem que Amava Cachorros", do cubano Leonardo Padura, uma brilhante trama policial e política, ou política e policial. Começa em 1929, quando o ex-dirigente soviético Leon Trótski é desterrado, e acaba em 2004, no funeral de Ana, a mulher do narrador. No caminho, conta a história de um sujeito que amava cachorros e não falava de si. Era Ramon Mercader, o homem que em 1940 matara Trótski no México, com um golpe de picareta. Ralou vinte anos na cadeia e nem o nome disse. Solto, viveu na Rússia com a medalha de "Herói da União Soviética" e em Cuba.
Dito assim, o livro é apenas mais um sanduíche de história com ficção, gênero que dá certo poucas vezes a cada cem anos, mas, quando dá, sai de baixo. Sua virtude está na qualidade da escrita, no rigor factual em relação ao que realmente importa e, sobretudo, na imersão na alma de personagens que viveram os crimes e ilusões do comunismo. Seu retrato do cotidiano do narrador no regime cubano de hoje (no qual vive Padura), rememorando o que foi o soviético do século passado, é um verdadeiro primor.
Tudo isso, e mais um romance policial.
BNDES
O presidente do BNDES, Luciano Coutinho, informa que os mecanismos de controle do banco impedem que um freguês receba um empréstimo e aplique esse dinheiro no mercado financeiro, que remunera a juros compensadores: "É impraticável ou, no mínimo, de execução muito difícil e arriscada".
ALCKMIN E O DOI
O prédio onde funcionou o DOI de São Paulo foi tombado pelo patrimônio histórico, para servir de lembrança do que lá acontecia.
O governador Geraldo Alckmin deixou essa bola passar. No seu primeiro mandato como governador eleito, rebarbou uma proposta de um colaborador para tombar o símbolo do porão da ditadura. Nessa época, ele queria dar visibilidade à sua política de segurança colocando presos uniformizados na manutenção das beiras de estradas.
MORTALIDADE
Tem gente que atravessa a rua para escorregar na casca de banana que está na outra calçada. A doutora Dilma atravessou o Atlântico para escorregar em Lisboa pelo simples culto à blindagem de suas agendas. Transformou um simples jantar em reunião da VAR-Palmares. Acreditar que a ex-ministra-chefe de Comunicação Helena Chagas tivesse algo a ver com essa obsessão exige que se desconheça as duas.
Houve um tempo em que a assessoria de imprensa do Planalto não tinha taxa de mortalidade, mas o presidente era Fernando Henrique Cardoso e a encarregada do armazém era Ana Tavares, a quem se atribuem milagres suficientes para instruir um processo de canonização.
OS TRANSPORTECAS DO RIO DORMEM NO PONTO
Durante a campanha eleitoral de 2012, o candidato Fernando Haddad anunciou que criaria o Bilhete Único Mensal, um plástico que permite o uso livre do transporte público. O benefício entrou em vigor em novembro passado. No Rio, nada. Na sua modalidade mais simples, o Bilhete Único começou a funcionar em São Paulo em 2004. O governador Sérgio Cabral prometeu-o em 2007 e pouco depois a RioCard lançou uma contrafação que não dava desconto algum. Em 2008 o candidato Eduardo Paes municipalizou a promessa. Elas só começaram a virar realidade em 2010. Era a época em que os transportecas faziam o que queriam, quando queriam. Em junho passado isso mudou.
Agora o prefeito Eduardo Paes anunciou um aumento da tarifa para R$ 3 a partir do próximo sábado. Os sábios já devem ter ouvido o slogan "Fifa, paga minha tarifa".
Cozinharam por mais de três anos o Bilhete Único simples e agora cozinham o mensal, que já existe em São Paulo, onde se prepara o bilhete semanal, com um pequeno desconto. Parece que os doutores vivem no mundo de Antonil, um dos primeiros cronistas da vida nacional, para quem as coisas se resolviam com três "pês": "pau, pão e pano".
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