O GLOBO - 02/02
A relação da presidente Dilma com o capital é mais complexa do que parece. Ela foi muito generosa com alguns empresários. O BNDES distribuiu recursos abundantes a grandes empresas, seu governo ouve alguns dos lobbies protecionistas. Na área dos problemas: a mudança de regras na energia produziu perda de valor das empresas e consolidou sua imagem de intervencionista.
A visão que opõe a presidente ao capital simplifica o que é complexo. Há setores que a criticam, há empresas que ganharam muito dinheiro com ela, há lobbies bem atendidos. Uma parte do capital não gosta das suas inclinações geiselistas, outra parte se beneficia da relação incestuosa entre capital e Estado que sempre existiu e foi aprofundada no governo Dilma. Grupos como JBS e Eike Batista receberam fatias gordas do dinheiro dos contribuintes. Não foi por falta de dinheiro público que Eike quebrou.
No mercado financeiro, sua gestão fiscal é considerada um desastre e o que se teme é um rebaixamento da dívida que leve todo o capital externo para fora. E com ele, os lucros do setor financeiro. Esse é o temor do momento. Há o risco de abalos na estabilidade econômica. Um erro crasso foram os truques na contabilidade fiscal. Nessa área só tem profissional, todo mundo sabe o que há por trás da maquiagem: o enfraquecimento da situação financeira e fiscal do Brasil.
Quando a presidente fez a intervenção no setor de energia, antecipando, manu militari, a renegociação dos contratos, houve ressentimentos do setor. Os executivos não encontraram interlocutores no governo para ouvir detalhes técnicos relevantes. O resultado foi um desastre econômico e fiscal. As empresas estatais federais que foram obrigadas a aceitar os novos parâmetros tiveram uma perda de valor de mercado; estatais estaduais que não aceitaram foram jogadas no ostracismo. Muito investidor perdeu dinheiro e isso elevou a insegurança sobre a estabilidade de regras no Brasil. A incerteza na área de energia continua.
Tudo foi feito para alimentar a propaganda eleitoral. Reduziu-se o preço que as famílias e empresas pagavam pela energia e isso custou R$ 10 bilhões ao Tesouro em 2013 e deve custar outros R$ 9 bilhões em 2014. O consumidor deixou de pagar e o contribuinte assumiu a conta.
Na época, as empresas, inclusive as estatais, falaram muito mal do governo. Contaram os diálogos com os assessores da presidente que mostravam que eles não tinham entendido problemas técnicos criados pela proposta.
Ao mesmo tempo, o presidente da Fiesp, Paulo Skaf, comemorou. Ele fez mais uma de suas campanhas publicitárias com interesse eleitoral. Usava a Fiesp, em parte financiada com o dinheiro público do Sistema S, em anúncios que se creditava pela queda do preço da energia e apoiava o governo. O evento mostra que essa relação Dilma-empresários é mais complexa e não se enquadra na limitada visão da presidente de esquerda que não gosta do capitalismo. Alguns capitalistas nunca foram tão felizes. O presidente da maior federação de empresários comemorou a decisão, que fez empresas perderem valor na Bolsa de Valores.
O setor automobilístico e, em menor escala, outros segmentos de bens duráveis tiveram do governo reduções de impostos e barreiras aos importados. O lobby foi atendido. E os lucros cresceram.
São muitas as empreiteiras felizes com o governo Dilma, principalmente as especializadas em barragens de hidrelétricas. Foram abertas novas frentes de trabalho e o governo fez um arranjo camarada. Elas são financiadas pelo BNDES, garantidas pelo Tesouro e têm o Estado como sócio nos empreendimentos. Há casos em que a soma do capital estatal é majoritário. O risco é público, o financiamento também e o lucro será privado.
O agronegócio também foi beneficiado. A presidente não entende a dimensão do problema ambiental e climático. No Código Florestal, sua posição ambígua ajudou o setor em vários pontos controversos. Na área de energia, Dilma jamais deu atenção aos limites. Cabeças rolaram no Ibama até serem extraídas licenças para Belo Monte.
A reação a ela não vem de todos os empresários. Alguns conseguem ver que uma gestão fiscal desastrosa contrata elevações de impostos, rebaixamento na dívida, problemas de médio prazo. Mas outra parte ganhou muito dinheiro nos últimos três anos, com vantagens que não teriam em outro governo.
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