O GLOBO - 03/01
Ouve-se com frequência que o Brasil é privilegiado em fontes de energia. Além de termos várias alternativas (hidrelétricas, parques eólicos, termelétricas movidas a inúmeros combustíveis - como gás natural, carvão mineral, biomassa e nuclear - e a energia solar iniciando sua inserção), nossa matriz elétrica é invejada internacionalmente por causa de nossos cerca de 80% de participação de fontes renováveis.
No entanto, causa surpresa a dificuldade que temos em nos valer desses privilégios para promover um ambiente para tomada de decisões apoiado na serenidade e no rigor analítico. Causa surpresa maior o espaço ocupado por discussões e opiniões que acabam criando uma tóxica - e desnecessária - disputa entre as fontes de energia. Poderíamos investir dias explicando por que, como e quando determinada fonte de energia se qualifica como a melhor escolha em termos econômicos, sociais e ambientais.
Como aqui não temos espaço para esse exercício, a observação atenta dos obstáculos enfrentados no desenvolvimento de todas as fontes nos tem ensinado uma lição valiosa: precisamos investir num esforço de comunicação bidirecional. É imprescindível, num primeiro momento, ouvir e acolher as manifestações da sociedade sobre os prós e contras de cada tipo de fonte e, em seguida, comunicar de forma simples e transparente como e por que as decisões foram tomadas.
Isto dito, um erro que não podemos cometer é perder as janelas de tempo para trilhar caminhos sustentáveis na construção de nossa matriz elétrica, mesmo porque os cenários pós-2030 já precisam ser pensados: após esse ano estaremos muito perto do pleno aproveitamento de nosso potencial hidrelétrico.
É por isso que o debate sobre a alternativa nuclear precisa ser aprofundado sem paixões. É fundamental contar no futuro com algum ou vários tipos de fonte que forneçam energia sem intermitência - limitação das fontes eólica e solar, que são renováveis, mas que só geram quando há vento e sol - e em grandes quantidades.
Precisamos de opções de energia que operem de forma ininterrupta e com baixo custo operacional. Atualmente, térmicas a carvão e a gás natural cumprem esse papel. Iniciar o debate sobre energia nuclear não significa assumir qualquer tipo de compromisso, mas apenas implica oferecer uma eventual alternativa futura à expansão.
O Ministério de Minas e Energia tem aventado a intenção de construir quatro térmicas nucleares de grande porte, cada uma com mil MW de potência instalada, nos próximos vinte anos. Se essa é a intenção governamental, é preciso começar a agir já, pois tais projetos implicam cronogramas de implantação medidos em décadas e que exigirão uma complexa articulação entre formuladores de políticas públicas, reguladores, licenciadores, comunidades locais, fornecedores, prestadores de serviços e empreendedores estatais e privados.
Se levada adiante, a expansão nuclear terá mais chances de sucesso com a separação das funções reguladoras das atividades executivas e com a abertura para a participação de empresas privadas. Para que isso aconteça, uma mobilização urgente precisa ser orquestrada entre inúmeros agentes e instituições, a começar pelo Congresso Nacional, que deveria engajar-se na produção de legislação que altere o artigo 22 da Constituição Federal, que determina que a exploração de energia nuclear é monopólio da União.
Nenhum comentário:
Postar um comentário