O Estado de S.Paulo - 03/01
Sai ano, entra ano, o governo argentino continua barrando produtos brasileiros, sem respeitar regras internacionais, sem levar em conta os interesses dos parceiros do Mercosul, e sempre com a tolerância, a passividade e até a cumplicidade de Brasília. Sem um governo empenhado em defender seus interesses comerciais, empresários do setor de calçados já se dizem dispostos a negociar cotas de exportação para a Argentina. Seu objetivo é conseguir, em troca, a liberação do ingresso de produtos brasileiros no prazo de 60 dias, previsto pela Organização Mundial do Comércio (OMC), segundo noticiou o jornal Valor. Acertos semelhantes ocorreram em 2006, 2007 e 2009. A situação é estapafúrdia e só acontece porque as autoridades nacionais têm negligenciado, seguidamente, a proteção dos interesses legítimos da indústria brasileira. Barreiras protecionistas entre parceiros do Mercosul, com ou sem cotas, são uma excrescência numa zona de livre-comércio e ainda mais, como neste caso, em uma união aduaneira.
Quando representantes de um setor se dispõem a aceitar uma restrição aberrante em troca do mero cumprimento de uma obrigação, só há uma explicação plausível: perderam a esperança de ver seus problemas resolvidos pelas vias normais e legais. Estão sendo vítimas de extorsão, mais uma vez, e têm de ceder porque ninguém aparece para socorrê-los. Segundo o presidente executivo da associação de produtores de calçados, Heitor Kein, 700 mil pares, no valor de US$ 13 milhões, continuavam retidos na fronteira.
Esse era o mesmo volume barrado no começo do mês, quando o ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, Fernando Pimentel, esteve em Buenos Aires para discutir problemas comerciais com autoridades argentinas. Nada melhorou depois desse contato, apesar das promessas ouvidas na reunião e por ele citadas logo depois em entrevista. Nada havia melhorado, igualmente, durante a maior parte do ano. Ao contrário: em 2013 o governo argentino intensificou o protecionismo, prejudicando principalmente o Brasil.
Há dois anos, em janeiro de 2012, o presidente da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), Paulo Skaf, pediu uma entrevista com a presidente Cristina Kirchner para discutir uma recém-anunciada medida protecionista: a exigência de listas prévias de importações. Cinco meses depois, em 12 de junho, representantes da indústria gaúcha cobraram no Senado uma ação mais firme do governo contra as barreiras.
"O governo brasileiro tem sido fraco nas represálias ao governo argentino", disse o presidente do Sindicato das Indústrias de Máquinas e Implementos Agrícolas do Rio Grande do Sul, Claudio Affonso Amoretti Bier. Segundo ele, máquinas vendidas mais de um ano antes estavam retidas por falta de licença. Naquela ocasião, carretas com 3,6 milhões de latas de milho verde estavam na fronteira, informou na mesma audiência o empresário Marcos Oderich, do setor de conservas.
Exemplos como esses têm sido rotineiros. Muito raramente alguma autoridade brasileira ensaia fazer cara feia e encena uma retaliação. O governo argentino assume um tom conciliador, o pessoal de Brasília logo se amansa e o armistício nunca é implantado para valer.
Ao contrário: a partir de 2009, toda mudança no protecionismo argentino resulta somente em ampliação das barreiras. A exigência de licenças de importação foi só um começo. Logo vieram exigências mais complexas, como a das listas acompanhadas de uma declaração juramentada. Além disso, as barreiras foram sempre manejadas de forma arbitrária, sem respeito a prazos, e parte das restrições foi imposta informalmente, sem papel escrito, a importadores argentinos. O ex-secretário de Comércio Interior Guillermo Moreno, gestor de fato das importações, era especialista em ameaças.
Moreno foi substituído, mas o protecionismo foi mantido. A qualquer momento novas propostas de trégua poderão surgir e novamente serão rompidas, se o risco de sanções continuar nulo. Continuará, enquanto a diplomacia brasileira não tiver exata noção do interesse nacional.
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