Responsável por regras dos planos foi o Estado e não os bancos
Há uma dose considerável de populismo e maniqueísmo no tratamento dado ao tema da correção monetária nos planos econômicos. O caso está sendo analisado, erradamente, como se os bancos tivessem tungado os poupadores.
Na verdade, os bancos cumpriram as leis da época e, se por um lado obtiveram ganhos ao aplicar um redutor na correção dos saldos da caderneta de poupança, por outro sofreram perdas em seus ativos - na correção dos empréstimos imobiliários, concedidos no âmbito do Sistema Financeiro da Habitação (SFH), com recursos da caderneta.
Se alguém é passível de questionamento na Justiça, é o Estado brasileiro, responsável pelas leis que puseram os planos econômicos de pé. Tentar obrigar as instituições financeiras a bancar uma conta que não é sua cria um precedente perigoso. Os cidadãos passarão a recorrer à Justiça contra empresas toda vez que considerarem que seus interesses foram contrariados, mesmo sabendo que as firmas não criaram as regras, mas apenas as cumpriram.
A caderneta de poupança é um produto financeiro totalmente regulado pelo governo. A correção é fixa e a aplicação dos recursos, idem. O crédito gerado a partir de seus recursos é direcionado: só pode ser destinado a financiamentos habitacionais e da agricultura.
"No caso específico da caderneta de poupança, os bancos realmente não têm nada a ver com isso. Eles recebem do governo ordens claras com relação ao que podem cobrar na captação e na aplicação desses recursos no SFH", diz Armínio Fraga, ex-presidente do Banco Central. "[Os bancos] atuaram de forma casada: ativos e passivos sofreram o mesmo efeito da regra imposta pelo governo."
O argumento usado pelo ministro Ricardo Lewandowski, do Supremo Tribunal Federal (STF), de que os bancos devem pagar a conta porque já lucraram demais, é despropositado. Baseia-se num preconceito bem brasileiro, segundo o qual, os bancos são entidades diabólicas, sempre prontas a surrupiar dinheiro dos pobres clientes e, o que dirá, dos poupadores. Não deveria ser o raciocínio que se espera de um magistrado da principal corte do país.
"Esse argumento de que não há um problema porque os bancos têm condições de arcar com os custos não me parece ser algo de natureza constitucional", assinala Armínio.
É curioso que não passem pela cabeça dos maniqueístas dois fatos relativos aos bancos: eles são regulados pelo Banco Central e obtêm lucros fabulosos, em grande medida, graças ao desequilíbrio fiscal do Estado.
Os planos econômicos cometeram, de fato, arbitrariedades na tentativa de debelar a inflação crônica que prevaleceu no Brasil nos anos 80 e até meados dos 90 do século passado. Talvez, o mais opressivo de todos tenha sido o Plano Collor 1, que confiscou não só a poupança, mas também as contas correntes e tudo onde havia recursos lastreados em papéis da dívida pública.
"Muitos desses planos econômicos não foram realmente brilhantes, mas o fato é que a questão era bastante complicada. Os governantes têm que tomar providências e, com frequência, tomam decisões sob condições de imensa incerteza e muita pressão e essas decisões têm consequência", observa Armínio, hoje sócio da Gávea Investimentos. "Avaliar tudo com base nas consequências me parece um extremo. Isso vai engessar demais o governo daqui para frente."
O ex-presidente do BC reconhece que dar carta branca ao governo para fazer qualquer coisa e prejudicar o cidadão e não arcar com os custos também é "algo grave". O Brasil deveria tirar lições do passado. Não se deve esquecer, por exemplo, que o STF aprovou o confisco.
"Penso que, a longo prazo, é bom também que o governo tenha que se submeter a uma disciplina e a honrar contratos. É saudável que o Brasil seja um país onde se possa processar o governo, ganhar e receber e não ser perseguido por isso. Em vários dos países emergentes, isso é impensável. Na China e na Rússia, por exemplo", diz Armínio.
O STF adiou o julgamento dos planos econômicos para 2014. O ânimo predominante no tribunal é por dar ganho de causa aos poupadores, mas é provável que, dadas as consequências desastrosas dessa decisão não só para os bancos mas para o país como um todo, opte-se ou por um ganho parcial, limitado a um plano econômico e não a todos, ou por uma solução negociada com o governo, resultando na transferência da conta à Viúva. Em qualquer uma dessas opções, perde o país e ganham uma minoria e seus advogados.
A decisão do governo de não dar à Petrobras uma regra que lhe permita corrigir o preço dos combustíveis de acordo com a flutuação dos preços internacionais está sendo encarada, por investidores pesos-pesados, como o sinal definitivo de que a presidente Dilma Rousseff não pretende voltar atrás em seu modelo de gestão, nem mesmo confrontada com as consequências da deterioração fiscal (com efeitos perversos sobre as taxas de juros cobradas de consumidores e empresas), do baixo crescimento do PIB, do encolhimento do investimento, do aumento da vulnerabilidade externa provocada pela elevação do déficit em transações correntes, da retomada da contabilidade criativa (revelada pela repórter Leandra Peres, do Valor)
Há uma dose considerável de populismo e maniqueísmo no tratamento dado ao tema da correção monetária nos planos econômicos. O caso está sendo analisado, erradamente, como se os bancos tivessem tungado os poupadores.
Na verdade, os bancos cumpriram as leis da época e, se por um lado obtiveram ganhos ao aplicar um redutor na correção dos saldos da caderneta de poupança, por outro sofreram perdas em seus ativos - na correção dos empréstimos imobiliários, concedidos no âmbito do Sistema Financeiro da Habitação (SFH), com recursos da caderneta.
Se alguém é passível de questionamento na Justiça, é o Estado brasileiro, responsável pelas leis que puseram os planos econômicos de pé. Tentar obrigar as instituições financeiras a bancar uma conta que não é sua cria um precedente perigoso. Os cidadãos passarão a recorrer à Justiça contra empresas toda vez que considerarem que seus interesses foram contrariados, mesmo sabendo que as firmas não criaram as regras, mas apenas as cumpriram.
A caderneta de poupança é um produto financeiro totalmente regulado pelo governo. A correção é fixa e a aplicação dos recursos, idem. O crédito gerado a partir de seus recursos é direcionado: só pode ser destinado a financiamentos habitacionais e da agricultura.
"No caso específico da caderneta de poupança, os bancos realmente não têm nada a ver com isso. Eles recebem do governo ordens claras com relação ao que podem cobrar na captação e na aplicação desses recursos no SFH", diz Armínio Fraga, ex-presidente do Banco Central. "[Os bancos] atuaram de forma casada: ativos e passivos sofreram o mesmo efeito da regra imposta pelo governo."
O argumento usado pelo ministro Ricardo Lewandowski, do Supremo Tribunal Federal (STF), de que os bancos devem pagar a conta porque já lucraram demais, é despropositado. Baseia-se num preconceito bem brasileiro, segundo o qual, os bancos são entidades diabólicas, sempre prontas a surrupiar dinheiro dos pobres clientes e, o que dirá, dos poupadores. Não deveria ser o raciocínio que se espera de um magistrado da principal corte do país.
"Esse argumento de que não há um problema porque os bancos têm condições de arcar com os custos não me parece ser algo de natureza constitucional", assinala Armínio.
É curioso que não passem pela cabeça dos maniqueístas dois fatos relativos aos bancos: eles são regulados pelo Banco Central e obtêm lucros fabulosos, em grande medida, graças ao desequilíbrio fiscal do Estado.
Os planos econômicos cometeram, de fato, arbitrariedades na tentativa de debelar a inflação crônica que prevaleceu no Brasil nos anos 80 e até meados dos 90 do século passado. Talvez, o mais opressivo de todos tenha sido o Plano Collor 1, que confiscou não só a poupança, mas também as contas correntes e tudo onde havia recursos lastreados em papéis da dívida pública.
"Muitos desses planos econômicos não foram realmente brilhantes, mas o fato é que a questão era bastante complicada. Os governantes têm que tomar providências e, com frequência, tomam decisões sob condições de imensa incerteza e muita pressão e essas decisões têm consequência", observa Armínio, hoje sócio da Gávea Investimentos. "Avaliar tudo com base nas consequências me parece um extremo. Isso vai engessar demais o governo daqui para frente."
O ex-presidente do BC reconhece que dar carta branca ao governo para fazer qualquer coisa e prejudicar o cidadão e não arcar com os custos também é "algo grave". O Brasil deveria tirar lições do passado. Não se deve esquecer, por exemplo, que o STF aprovou o confisco.
"Penso que, a longo prazo, é bom também que o governo tenha que se submeter a uma disciplina e a honrar contratos. É saudável que o Brasil seja um país onde se possa processar o governo, ganhar e receber e não ser perseguido por isso. Em vários dos países emergentes, isso é impensável. Na China e na Rússia, por exemplo", diz Armínio.
O STF adiou o julgamento dos planos econômicos para 2014. O ânimo predominante no tribunal é por dar ganho de causa aos poupadores, mas é provável que, dadas as consequências desastrosas dessa decisão não só para os bancos mas para o país como um todo, opte-se ou por um ganho parcial, limitado a um plano econômico e não a todos, ou por uma solução negociada com o governo, resultando na transferência da conta à Viúva. Em qualquer uma dessas opções, perde o país e ganham uma minoria e seus advogados.
A decisão do governo de não dar à Petrobras uma regra que lhe permita corrigir o preço dos combustíveis de acordo com a flutuação dos preços internacionais está sendo encarada, por investidores pesos-pesados, como o sinal definitivo de que a presidente Dilma Rousseff não pretende voltar atrás em seu modelo de gestão, nem mesmo confrontada com as consequências da deterioração fiscal (com efeitos perversos sobre as taxas de juros cobradas de consumidores e empresas), do baixo crescimento do PIB, do encolhimento do investimento, do aumento da vulnerabilidade externa provocada pela elevação do déficit em transações correntes, da retomada da contabilidade criativa (revelada pela repórter Leandra Peres, do Valor)
A contradição do governo no caso Petrobras é gritante. Foi Brasília quem aumentou as atribuições da estatal ao torná-la monopolista na operação do pré-sal e ao obrigá-la a ter, no mínimo, 30% do capital de cada consórcio. Para fazer frente à nova realidade, a companhia elaborou, para os próximos anos, o que muitos chamam de "maior plano de investimento de uma empresa no mundo". Garroteada pelo controle dos preços dos combustíveis, não gera recursos suficientes para bancar esse plano e pode ter dificuldade para captá-los no mercado.
A decisão contrária à Petrobras tem pelo menos dois significados que vão além do petróleo. Mostra que o governo pretende continuar controlando a inflação por outros meios que não a taxa de juros e o controle dos gastos públicos e enfraquece a presidente da estatal, Graça Foster, que vinha fazendo um elogiado trabalho de saneamento desde que assumiu o posto, em fevereiro de 2012. Para muitos, se a situação não se inverter, Graça não terá condições de permanecer à frente do cargo.
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