CORREIO BRAZILIENSE - 14/07
Os protestos iniciados na segunda quinzena de junho estão completando um mês, mas neste curto prazo viraram a conjuntura política de ponta-cabeça, numa guinada que lembra a de 1994, quando o lançamento do Real dissolveu o favoritismo de Lula, fortaleceu o presidente Itamar Franco e catapultou a candidatura de Fernando Henrique. Mas ali as consequências foram basicamente eleitorais. Agora, com o pleito mais distante, o giro da roda afetou outros valores, como a estabilidade política, a governabilidade e a dinâmica da economia. E isso agora não é problema das ruas, mas das elites responsáveis.
Neste momento, a oposição colhe o que não plantou e ganha músculos graças ao vigor dos protestos que ninguém esperava. A presidente da República, num movimento arriscado, claramente tenta flertar com as ruas, permitindo que se amplie a distância entre o governo e o Congresso, e que a base de sustentação se estilhace. O esperado sinal de recuperação da economia chegou invertido, com as notícias de retração em maio.
As ruas, na quinta-feira, 11, foram ocupadas pelas centrais sindicais, o MST e outros movimentos da sociedade organizada. É verdade que os atos foram menos massivos do que o alardeado, mas não são menos legítimos do que os da segunda quinzena de junho, espontâneos, organizados a partir das mídias sociais e desvinculados dos partidos. Foram infiltrados por grupos de direita antipartidários e por legiões que desencadearam o vandalismo e a violência. Nem por isso deixaram de expressar o sentimento popular. A sociedade, que é diversa e plural, comporta todos eles, e a todos a democracia deve garantir o direito de expressão e manifestação. Mas os atos do dia 11 mereceram registros diferentes, com indisfarçado sotaque intolerante.
Oposição vitaminada
Talvez apenas a oposição, além, da própria democracia, tenha lucrado com o redemoinho. As pesquisas dirão. Mas é certo que ela deixou para trás o retraimento de que sofria diante de uma presidente bem avaliada, em franca campanha para a reeleição, à frente de um governo que, apesar dos percalços recentes na economia, não sofria contestações na sociedade. Agora temos uma oposição mais desenvolta e articulada. Não há semana em que o presidente do PSDB e presidenciável tucano Aécio Neves não conceda uma entrevista coletiva em que faz pesados ataques ao governo. No Congresso, especialmente no Senado, os oposicionista agora falam grosso e nem precisam disputar o microfone com os governistas intimidados. Rosnam também os aliados dos tucanos, como o DEM e o PPS. No PSB, o governador de Pernambuco, Eduardo Campos, voltou a vestir-se de presidenciável. José Serra recuperou o gosto pela esgrima verbal, especialmente através de seu mciroblog. Aliás, nesse ritmo, tudo aponta para uma disputa presidencial com muitos candidatos, e não com o quadro restrito dos anos recentes.
E se não bastasse, partidos da base governista agora levam água para o moinho da oposição. Como o PDT, que liderou a rebelião para derrubar o projeto sobre destinação dos royalties, na quarta-feira à noite. Uma oposição vertebrada faz bem à democracia e ao próprio governo, forçando a troca do comodismo pela autoexigência.
Governabilidade em risco
Crise de governabilidade não é apenas um cacoete verbal de políticos e analistas. Ela não leva necessariamente a golpes, renúncias e outras formas de ruptura. Frequentemente, leva à deterioração das condições que permitem o progresso de um país. Ela está de visita. Pode se instalar ou se dissipar. Vai depender do governo. Nos últimos dias, o plenário da Câmara votou como quis, adicionando emendas ou modificando as propostas, quase sempre gerando custos altíssimos para o Estado. As medidas de socorro aos agricultores nordestinos que sofrem com a seca ganharam dezenas de penduricalhos, com efeitos sobre as contas públicas. Daqui a pouco, outras medidas, de fato relevantes, poderão ser rejeitadas. A sessão de votação dos royalties foi quase uma luta campal. PT e PMDB, que, diga-se de passagem, agiu como aliado, tiveram que apelar para a obstrução para evitar o pior. Perde a presidente? Não, perde o país, que conseguiu tantos avanços nos últimos anos.
A proposta de plebiscito para a reforma política entornou o caldo, mas ele já estava azedo. Não há centro sólido de articulação e coordenação política do governo no Congresso. Culpar a ministra Ideli Salvatti é fulanizar um problema maior, de postura e compreensão do funcionamento da democracia. Uma coalizão não é um ajuntamento obediente, como parecem pensar alguns. Chamar os deputados de fisiológicos também é simplificar. Dilma é avessa barganhas, festejam alguns. Mas sem compartilhamento do poder e das decisões, não há coalizão.
Agora virá o recesso. A presidente, que detesta agir sob pressão — e dizem que voltará a viajar pelo país, refeita da vertigem de junho —, talvez resolva recompor seu ministério e cuidar de sua abalada sustentação parlamentar. Mais tarde pode ser tarde.
Crises de governabilidade não levam necessariamente a golpes, renúncias e outras formas de ruptura. Frequentemente levam à deterioração das condições de progresso de um país
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