O GLOBO - 14/07
É sempre necessária estreita atenção no encaminhamento dos incontáveis projetos de lei em tramitação pelo Congresso. Como há muitos lobbies em trânsito, mudanças em textos podem tornar imprestável um projeto ou até mesmo produzir efeitos não imaginados pelo próprio autor da lei. Em tempos normais, este cuidado já é imperioso; agora, em que Câmara e Senado seguem uma "agenda positiva", supostamente para ouvir as "vozes das ruas", numa maratona de aprovação de projetos, a atenção precisa ser redobrada.
A pressa para se acabar o "foro privilegiado" na Justiça para políticos em cargos eletivos e autoridades em geral é um desses casos que necessitam de extrema cautela, pois o resultado pode ser outro: garantir a impunidade de corruptos poderosos. A proposta favorável ao julgamento de políticos e autoridades pelos trâmites normais, a partir da primeira instância, é moralizadora apenas na aparência. Ela se fundamenta na lerdeza com que o Supremo costuma - ou costumava - tratar esses processos. Este, porém, é um problema menor diante do que pode acontecer se a emenda do fim do foro privilegiado tramitar no Congresso sem maiores debates e esclarecimentos.
Não se deve esquecer que uma das manobras da defesa dos mensaleiros foi tentar desmembrar o processo, para transferir os réus sem foro privilegiado à primeira instância judicial. Na prática, seria decretada a absolvição de todos pela simples prescrição das penas, devido à conhecida lerdeza do Judiciário e ao emaranhado de leis e ritos, sempre bem aproveitado por competentes advogados, mestres em usar o passar do tempo para manter impune a clientela de colarinho branco.
A ONG Transparência Brasil alerta, inclusive, que, aprovada esta emenda sem o julgamento dos embargos do mensalão, o processo cairá para a primeira instância. Assim como os do deputado Paulo Maluf e todos os demais que tramitam nas altas Cortes, em obediência à regra do foro especial.
Vale recordar, como prova de que a ausência de foro dito privilegiado favorece o crime, que, pouco antes de ser julgado no STF pela tentativa de homicídio contra Tarcísio Burity, seu antecessor no governo da Paraíba, o deputado tucano paraibano Ronaldo Cunha Lima renunciou e fez o processo começar do zero. Livrou-se ali de qualquer condenação. Outro aspecto da norma é proteger atuais e ex-autoridades de perseguições políticas por meio da Justiça, engendradas no próprio Judiciário ou no Ministério Público. Como exemplo é sempre citado o caso da campanha de procuradores ligados ao PT contra o presidente Fernando Henrique e seu governo.
Se a intenção é acabar com a impunidade de poderosos em geral, e não só deles, faz-se melhor aperfeiçoando os ritos de tramitação de processos na Justiça como um todo e, no caso específico, cobrando, como faz o CNJ, o cumprimento da Meta 18, a de julgamento de casos de improbidade administrativa em todos os tribunais.
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