O Estado de S.Paulo - 14/07
Na transição do governo FHC para o de Lula houve um raro consenso entre os dois ex-presidentes: a necessidade de completar as reformas estruturais para modernizar o País, afastar entraves ao progresso, dar eficácia e celeridade ao funcionamento do Estado e da economia privada, fomentar investimentos e alargar caminhos na direção do desejado crescimento sustentado, longo e contínuo. FHC teve o mérito de dar a partida, mas suas reformas foram meia-sola, tímidas e incompletas. Lula começou com gás, disposto a levá-las em frente. Num primeiro momento, a trabalhista e a previdenciária; depois viriam a tributária e a mãe de todas - a reforma política. A previdenciária avançou quase nada, a trabalhista marchou de ré, a tributária não saiu do lugar e a política ele nem tocou. Dilma simplesmente descartou todas. As reformas foram murchando até desaparecerem da cena, esquecidas e abandonadas. Mas os problemas que a falta delas gera continuaram vivos, fazendo estragos, travando o progresso econômico.
Elas foram lembradas na semana passada, quando dois organismos internacionais - o Fundo Monetário Internacional (FMI) e a Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) divulgaram mais uma das sucessivas previsões de queda para o PIB do Brasil e identificaram nas reformas a saída indispensável e mais rápida para dar vida longa ao crescimento econômico. A ministra da Casa Civil, Gleisi Hoffmann, logo reagiu: "Dispensamos sugestões e receituários do FMI", afirmou, recorrendo ao velho método do PT de desqualificar o interlocutor quando quer se livrar do assunto. É certo que o FMI também precisa ser reformado e atualizado, mas a necessidade das reformas no Brasil é tão óbvia que sua negação desqualifica o funcionário que a propõe. Se o próximo presidente não levar adiante as reformas no primeiro dia do mandato, o PIB brasileiro vai continuar navegando na mediocridade.
Prioridade invertida. O governo Dilma parece uma metamorfose ambulante. Em várias entrevistas, no início do ano, o secretário do Tesouro, Arno Augustin, defendeu a redução da meta fiscal: o governo precisava de mais dinheiro para suas necessidades de gastos. Em menos de seis meses mudou radicalmente o discurso: a meta fiscal precisa ser cumprida porque a prioridade é controlar a inflação. Ainda no governo Lula, Dilma criou o critério de que vence quem oferecer a tarifa mais baixa nos leilões de serviços públicos, condenou sem dó nem piedade e eliminou o critério de arrecadação de dinheiro para o Tesouro, dos leilões de FHC. Pois bem, o bônus de assinatura mínimo para o Campo de Libra, na região do pré-sal, será de R$ 15 bilhões, acima do que defendia a Agência Nacional do Petróleo (ANP) e R$ 5 bilhões a mais do que previa o mercado. Objetivo: arrecadar dinheiro para cumprir a meta fiscal do ano. Por trás da metamorfose está a tentativa de recuperar prestígio e credibilidade perdidos em meio a truques e enganações na contabilidade das contas públicas, em que ninguém mais acredita. Na leva, impõe novo castigo à Petrobrás, que terá de desembolsar mais R$ 4,5 bilhões de seu desfalcado caixa este ano.
A montanha e o rato. Diante da intensa propaganda que antecedeu o anúncio de greve geral e multidões nas ruas, das manifestações organizadas pelas centrais sindicais restou a sensação de que a montanha pariu um rato. A greve foi raquítica e as multidões sumiram. Com dinheiro para gastar em publicidade e carros de som para gritar, as centrais conseguiram reunir 10 mil pessoas no Rio de Janeiro, menos de 4% das 300 mil que a garotada levou para as ruas em junho. Ficou claro que, nas comemorações do 1.º de Maio, o que atrai os trabalhadores são o palco e o show de artistas e cantores. Sem eles, o poder de mobilização dos sindicatos é nulo. Que ao menos reflitam: que diabos está acontecendo?
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