O Estado de S.Paulo - 14/07
Há duas mudanças em marcha na economia internacional. Primeiro, os Estados Unidos vêm retomando o crescimento sustentado, com o Federal Reserve devendo iniciar em breve a redução das compras de ativos. Com isso, o dólar se valoriza, readquirindo o seu DNA de moeda forte. Segundo, o crescimento da China vem se desacelerando, o que leva à desaceleração da demanda mundial de commodities, reduzindo seus preços.
Há, assim, um redirecionamento de fluxos de capitais para os EUA em detrimento dos países emergentes, e há uma perda de relações de troca nos países produtores de commodities. Essas mudanças marcam o fim do período dominado pela bonança externa - a abundância de ingressos de capitais combinada com o aumento de preços de commodities -, que por alguns anos favoreceu o crescimento brasileiro.
Com uma breve interrupção na fase aguda da crise internacional, em 2008/2009, o crescimento econômico brasileiro se beneficiou dos fortes ingressos de capitais. Cresceram os investimentos estrangeiros diretos; os ingressos de capitais ajudaram a expansão do crédito; e empresas puderam se capitalizar lançando ações que atraíram capitais estrangeiros.
Foram esses ingressos que financiaram os déficits nas contas correntes provocados pelo excesso dos investimentos sobre as poupanças domésticas, e foram eles que permitiram o ciclo de IPOs de 2006 e 2007, no qual várias empresas saíram da informalidade, melhoraram a governança e se capitalizaram, criando um ambiente de negócios estimulador dos investimentos.
Porém, tão ou mais importante do que isso foi o ciclo de elevação dos preços internacionais de commodities. Os efeitos da elevação dos preços de commodities sobre o crescimento do PIB aparecem claramente no gráfico nesta página, que é repetidamente mostrado pelo economista José Carlos Faria, superpondo as taxas de variação dos preços de commodities às taxas de variação do PIB.
Testes de causalidade aplicados a essas duas séries mostram que são os movimentos nos preços de commodities que causam os movimentos nas taxas de variação do PIB, e não o contrário, e a correlação positiva elevada e estável entre as duas séries atesta que a aceleração no crescimento dos preços de commodities conduz à aceleração no crescimento do PIB. Tanto a aceleração do crescimento no período de 2006 a 2008 quanto a forte recuperação da economia em 2010 são em grande parte fruto de um acentuado crescimento dos preços de commodities.
O Brasil é reconhecidamente um país produtor de commodities, mas tem uma estrutura produtiva muito diferente da Austrália, país no qual uma correlação positiva elevada como a mostrada no gráfico não causaria qualquer estranheza. Contudo, apesar de o peso do setor de serviços no PIB brasileiro ser muito grande, e de o País ter um setor industrial grande e diversificado, há setores importantes, com reflexos nos demais, cujo desempenho depende diretamente dos preços de commodities. São os casos do agronegócio, da mineração e da siderurgia.
Mais importante ainda é o fato de que a elevação dos preços de commodities leva a ganhos de relações de troca, que permitem o crescimento dos investimentos acima das poupanças domésticas, que são reconhecidamente escassas, levando à absorção de poupanças externas na forma de importações líquidas, sem que o déficit nas contas correntes seja excessivamente pressionado.
Por um caminho ou por outro, as elevações dos preços internacionais de commodities levam a uma expansão da formação bruta de capital fixo. Se no gráfico substituirmos as taxas anuais de variação do PIB pelas taxas anuais de variação da formação bruta de capital fixo, veremos reproduzido o mesmo padrão de elevada correlação positiva, com os testes de causalidade mostrando que neste caso também são os preços de commodities que causam variações nos investimentos, e não o contrário.
Diante desses dados, não poderia haver nenhuma surpresa quanto à desaceleração da economia em 2012 e 2013: ela se deve em parte aos desestímulos vindos da queda dos preços internacionais de commodities. Em um passado não muito distante, o Brasil tinha seu crescimento impulsionado pelo crescimento da China, que expandia a demanda de commodities elevando seus preços. Agora, a desaceleração do crescimento na China contribui significativamente para a desaceleração do crescimento no Brasil.
A queda dos investimentos reduz o crescimento do PIB potencial, e nesse sentido a desaceleração ocorrida nos últimos anos é um fenômeno ligado à oferta, e não à demanda. Porém, desde a resposta à recessão de 2008/2009, todas as ações do governo estão voltadas apenas ao estímulo da demanda. Foi no pressuposto de que "a demanda cria a sua própria oferta", que o governo forçou uma queda exagerada da taxa de juros a partir de 2011, e que provocou acentuada expansão fiscal em 2012 e 2013, elevando a demanda sem o correspondente estímulo à produção, aumentando a inflação e o déficit em contas correntes. A queda da taxa de juros não foi capaz de libertar o "espírito animal" dos empresários, porque este estava acorrentado pelo desestímulo vindo do final da bonança externa. A insistência em ampliar a demanda levou a uma situação de pleno emprego, que elevou os salários e o custo unitário do trabalho na indústria, impedindo-a de crescer, mas, em contrapartida, o crescimento dos salários acentuou a inflação.
Resta, apenas, comemorar uma consequência da valorização do dólar; da queda dos ingressos de capitais e das relações de troca, que é a depreciação cambial. Com ela, uma parte da competitividade perdida pela indústria poderá ser recuperada, elevando os seus lucros e favorecendo o aumento dos investimentos. Mas, para que a competitividade seja recomposta, é preciso que a depreciação do câmbio nominal influencie predominantemente o câmbio real, e não simplesmente o aumento da inflação.
Isto requer que a depreciação do câmbio nominal seja seguida da austeridade nas políticas fiscal e monetária, e na medida em que o governo continuar tímido no uso do instrumento fiscal, a carga terá de ser suportada pela taxa de juros. A recusa em seguir este caminho trará como consequência uma inflação persistentemente mais elevada e crescimento econômico medíocre.
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