O GLOBO - 19/06
Uma das perguntas que mais ouvi nestes últimos dias foi sobre as semelhanças e diferenças entre as manifestações de agora e as de 1968. Seria a reedição 45 anos depois de um modelo-matriz ou um fenômeno de massa inteiramente novo? Ou seria um pouco de cada coisa? Talvez isso. Começando pelas mudanças: o país não vive mais numa ditadura (embora a polícia às vezes tenha agido como se vivesse); os jovens não pertencem mais a uma só geração, mas a diferentes tribos. E, sobretudo, existe hoje a onipresente internet, capaz da mobilização instantânea, viral e sem limites. Distantes os tempos em que a organização de uma passeata exigia longa preparação e intermináveis discussões em assembleias.
De semelhante entre os dois momentos, permanece a disposição estudantil que parecia anestesiada, como também naquela época (na França, um sociólogo perguntava: "Por que não acontece nada por aqui?" No dia seguinte, Paris pegou fogo). De igual ainda, o sentimento difuso de insatisfação, que é cumulativo e não depende apenas de uma única motivação ou pretexto.
Vem vindo, vem vindo até que uma gota (ou alguns centavos) no pote até aqui de mágoa provoca o transbordamento. Os sinais emitidos nem sempre são captados, porque parecem desconectados, quando na verdade estão formando uma rede com poder de contágio. Só o governo talvez não tenha percebido que o fantasma da inflação, a corrupção desenfreada, a incerteza econômica, a alta no custo de vida, a queda de oito pontos na popularidade de Dilma, a vaia no estádio Mané Garrincha, tudo isso fazia parte do mesmo e crescente caldo de rejeição. Pelo menos uma lição de 68 não foi aprendida e assim não se evitou o incidente mais lamentável das manifestações do Rio: coquetéis molotov atirados contra a Alerj e carros incendiados na marcha dos 100 mil anteontem. Em julho de 68, na lendária Passeata dos 100 Mil, Vladimir Palmeira, o líder do movimento no Rio, convidou os participantes a se sentarem no chão, o que proporcionou a Nelson Rodrigues uma fina gozação. Segundo ele, médicos, poetas, atrizes, sacerdotes, todos obedeceram.
"A única que permaneceu de pé e assim ficou foi uma grã-fina, justamente a que lera as orelhas de Marcuse".
Muito tempo depois, Vladimir explicou o que pretendeu com o gesto: demonstrar as "intenções pacíficas da manifestação para a polícia e para alguns companheiros". Assim, os "porraloucas" desistiram de invadir rádios, como queriam, e os policiais não ousaram bater em pessoas sentadas no chão, inclusive freirinhas.
De semelhante entre os dois momentos, permanece a disposição estudantil que parecia anestesiada, como também naquela época (na França, um sociólogo perguntava: "Por que não acontece nada por aqui?" No dia seguinte, Paris pegou fogo). De igual ainda, o sentimento difuso de insatisfação, que é cumulativo e não depende apenas de uma única motivação ou pretexto.
Vem vindo, vem vindo até que uma gota (ou alguns centavos) no pote até aqui de mágoa provoca o transbordamento. Os sinais emitidos nem sempre são captados, porque parecem desconectados, quando na verdade estão formando uma rede com poder de contágio. Só o governo talvez não tenha percebido que o fantasma da inflação, a corrupção desenfreada, a incerteza econômica, a alta no custo de vida, a queda de oito pontos na popularidade de Dilma, a vaia no estádio Mané Garrincha, tudo isso fazia parte do mesmo e crescente caldo de rejeição. Pelo menos uma lição de 68 não foi aprendida e assim não se evitou o incidente mais lamentável das manifestações do Rio: coquetéis molotov atirados contra a Alerj e carros incendiados na marcha dos 100 mil anteontem. Em julho de 68, na lendária Passeata dos 100 Mil, Vladimir Palmeira, o líder do movimento no Rio, convidou os participantes a se sentarem no chão, o que proporcionou a Nelson Rodrigues uma fina gozação. Segundo ele, médicos, poetas, atrizes, sacerdotes, todos obedeceram.
"A única que permaneceu de pé e assim ficou foi uma grã-fina, justamente a que lera as orelhas de Marcuse".
Muito tempo depois, Vladimir explicou o que pretendeu com o gesto: demonstrar as "intenções pacíficas da manifestação para a polícia e para alguns companheiros". Assim, os "porraloucas" desistiram de invadir rádios, como queriam, e os policiais não ousaram bater em pessoas sentadas no chão, inclusive freirinhas.
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