Valor Econômico - 19/06
A iminência do início da normalização da política monetária dos Estados Unidos continua fazendo estragos nos mercados mundo afora e no Brasil em particular. Desde a última reunião do Comitê de Política Monetária (Copom), ocorrida em 29 de maio, o real sofreu, segundo o Valor Data, desvalorização de 2,94% frente ao dólar. No ano, a perda de valor da moeda nacional já é de 6,20%.
O real está entre as moedas que mais se desvalorizaram em 2013. Em gráfico apresentado ontem à Comissão de Assuntos Econômicos do Senado (CAE), o presidente do Banco Central (BC), Alexandre Tombini, revelou que, das 19 principais moedas do planeta, a brasileira foi a 5ª que mais se depreciou desde janeiro.
O movimento de apreciação do dólar é global e atinge quase todas as moedas. A ocorrência de turbulência nesse processo é natural. Estão sofrendo mais os países onde a credibilidade da política econômica está em xeque, caso do Brasil. Além de se refletir no câmbio, a desconfiança aparece nos mercados de juros - as taxas dispararam nas últimas semanas, principalmente, nos papéis e contratos de prazos mais longos - e ações - a Bovespa acumula queda de 18,85% no ano.
Hoje será um dia importante para os mercados graças à reunião do Federal Reserve (Fed), o banco central americano, e da entrevista de seu presidente, Ben Bernanke. Há expectativas distintas quanto à sinalização que ele dará aos mercados. Bernanke tanto pode frustrar a expectativa de um anúncio concreto de quando e em que intensidade o Fed começará a reduzir a compra mensal de ativos - promovida para injetar liquidez no mercado dos EUA - quanto pode ir na direção contrária.
O BC brasileiro chamou a atenção pela primeira vez para a iminência do início da normalização monetária nos EUA no Relatório de Inflação de março. Explicitou a crença de que isso ocorreria no horizonte relevante (12 meses) da política monetária. Ontem, Tombini dedicou ao tema um bom tempo de sua apresentação no Senado.
O presidente do BC lembrou que os atuais níveis globais de liquidez e de taxas de juros decorrem de circunstâncias "muito especiais" e que, portanto, devem desaparecer nos próximos anos - elas já duram cinco anos! No caso do Brasil, explicou, as implicações serão duas: o aumento do custo dos financiamentos externos e a apreciação do dólar.
A atual depreciação do real difere da ocorrida na crise de 2008. Naquele momento, o real sofreu um overshooting, em parte por causa da aversão dos investidores a risco e da saída de capitais estrangeiros para cobrir prejuízos nas economias centrais, mas também por causa das operações de derivativo cambial em que incorreram empresas exportadoras. Quando se restabeleceu a confiança dos investidores e ficou clara a dimensão do rombo dos derivativos, o real devolveu a desvalorização sofrida.
No processo atual, o que está ocorrendo é uma mudança de patamar do dólar. Não se trata de um movimento temporário, mas permanente. É bem provável que o país passe a conviver com uma taxa de câmbio mais depreciada. Diante disso, a tendência é que o repasse da desvalorização aos preços internos seja maior que a observada em 2008.
Isso vem no momento em que o BC está no meio de uma batalha para reduzir a inflação e melhorar as expectativas. Em tempos normais, com os instrumentos de política econômica funcionando livremente, o repasse de desvalorizações do real aos preços domésticos é estimado pelos modelos do BC em algo como 6% a 7% em 12 meses.
Ontem, Tombini deixou claro que o regime de câmbio flutuante e uma "adequada" condução da política monetária reduzem os repasses. Quando os agentes econômicos sabem que a taxa de câmbio tanto pode desvalorizar quanto apreciar, a tendência é repassar menos essas variações aos preços. O mesmo vale para a taxa de juros: se o empresário tem certeza de que o BC reagirá, com juro mais alto, a reajustes preventivos de preços, ele prefere não corrigi-los, sob pena de sofrer prejuízos.
A mensagem de Tombini é um claro recado ao restante do governo, uma vez que, nos últimos dois anos, Brasília optou pela gestão de um câmbio administrado, que facilita o repasse de desvalorizações do real aos preços internos, e de uma política monetária irrealista, leniente com a inflação.
Tombini não falou da necessidade de o governo fortalecer a política fiscal e dar a ela credibilidade, mas isso está implícito em sua comunicação recente. Em entrevista a Cláudia Safatle, do Valor, ele disse que "não há limite" para o aumento do juro. Ora, a alta será tanto maior quanto menor for a contribuição do governo para o controle da demanda agregada.
Uma boa dose do nervosismo dos mercados nas últimas semanas decorre disso. Na semana passada, o ministro da Fazenda, Guido Mantega, anunciou que o setor público cumprirá superávit primário de 2,3% do PIB nas contas públicas neste ano, mas não disse como fará isso. O governo dá sinais de que tenta ganhar tempo. Assim como os mercados, deve aguardar a fala de Bernanke antes de tomar decisões.
Em Brasília, há resistência. Existem aqueles que acreditam que o mercado está tentando impor uma "agenda" ao governo. O sentimento é quase de derrota, já que, dos três instrumentos clássicos de política econômica, dois (o monetário e o cambial) foram devolvidos ao BC depois da aventura dos últimos dois anos. Falta o terceiro.
Além de tola, a ideia de que existe um cabo de guerra entre mercado e governo e de que sua motivação é ideológica gera prejuízos ao país. Desde 31 de maio, o BC já realizou nove operações de swap cambial, somando US$ 13,067 bilhões, para (mal) segurar o dólar. Um esforço descomunal justificado apenas pelo fato de o Brasil ter hoje uma política econômica manca por causa de uma política fiscal sem nenhuma credibilidade.
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