O Estado de S.Paulo - 18/06
Enquanto a economia vai bem, tudo o mais vai também, reza a norma geral dos construtores de candidaturas, instrutores de campanhas e conselheiros de imagem inspirados em James Carville, marqueteiro do ex-presidente americano Bill Clinton.
Prova, diriam eles, é a coincidência entre os protestos que levam milhares às ruas do Brasil depois de duas décadas de apatia e a deterioração da economia. Do ambiente de estabilidade que deu duas vitórias em primeiro turno a Fernando Henrique Cardoso e levou Luiz Inácio da Silva à Presidência da República quando ele convalidou o compromisso na Carta aos Brasileiros.
Incontestável. Aceitemos, pois, que a economia tenha o condão de deflagrar as crises. Mas, é a política que dispõe dos instrumentos para construir as soluções, por meio da intermediação entre demandantes e demandados.
O professor Luiz Werneck Vianna foi preciso no artigo "O movimento da hora presente" publicado ontem no Estado.
Disse que é hora de a política se fazer presente removendo práticas e instituições que levaram a atividade à degradação, deixando a sociedade brasileira prisioneira do "anacronismo destes novos coronéis da vida republicana"; em seguida alertou para o risco de "intervenções desastradas dos atuais governantes" levarem a juventude a se afastar dos valores da democracia.
O exercício da política é valor democrático. O modo como ela está sendo exercida, no entanto, levou à depreciação desse ativo. Os jovens que não viveram os tempos em que, caladas as vozes dos políticos, falava o chicote do autoritarismo, com facilidade são levados a não acreditar no sistema representativo.
Ainda mais quando ele funciona "nesta forma bastarda de presidencialismo de coalizão sob a qual se vive", como bem afirmou Werneck Vianna.
Ou se encontram formas de reconstruir as pontes entre representantes e representados, ou se reabrem os canais de comunicação entre a sociedade e as instituições, ou iremos ao beco sem saída.
As ruas começaram a falar sobre aumento nas tarifas e os péssimos serviços dos transportes públicos, mas seguem falando de muito mais: de corrupção, de descaso, de desmandos, de desonra, de desvios de conduta. Na economia o poder público - e aqui o nome é governo do PT - abusou da sorte e agora chega para todos a dolorosa conta da farra de gastos.
Na política os Poderes abusaram do despudor, os valores foram dissolvidos. As pessoas não querem apenas de volta a estabilidade na economia. Elas desejam também recuperar o respeito perdido, a dignidade aviltada pela vulgarização dos modos e a celebração da esperteza.
Lula, que representava a esperança, que foi uma referência, acabou encarnando o personagem do herói sem princípios que a todos vence mediante o uso de quaisquer meios.
O ex-presidente não inventou a falta de ética na política, mas ao pretender construir uma unanimidade a poder de cooptação de partidos, entidades e movimentos, aprofundou os velhos vícios. Deu aval ao que havia de mais retrógrado, liderou um processo de rebaixamento dos padrões a níveis nunca vistos, incorporou a amoralidade como regra cotidiana.
As pessoas estão nas ruas para dizer que não estão dispostas a ser tratadas como massa de manobra. Terminem amanhã ou depois os protestos, o ânimo despertado voltará forte na campanha eleitoral. Sabem que não obterão passe livre nos transportes, mas avisam que ninguém é dono do passe de seus anseios.
A julgar pelo sentimento que emerge das manifestações, terá êxito em estabelecer um diálogo amistoso com a população não quem manipular emoções com mais competência, mas quem puder se mostrar confiável na tarefa de recuperação da política como fator essencial para o exercício da democracia.
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