FOLHA DE SP - 19/06
O BC deixou a inflação alta. Agora, cada queda do real em 10% deve trazer meio ponto a mais na inflação
Desde meados de maio houve um encarecimento visível do dólar, que saiu de valores próximos a R$ 2,00 para algo em torno de R$ 2,18, provocando várias reações das autoridades, do retorno às intervenções do BC até a eliminação de impostos que haviam sido criados para inibir a venda da moeda norte-americana.
O governo não disfarça seu desconforto com a depreciação do real, o que não deixa de ser curioso, consideradas todas as medidas que haviam sido tomadas precisamente para esse fim.
É verdade que o dólar mais caro não é uma exclusividade nacional. Nas últimas semanas ele se fortaleceu contra quase todas as demais moedas e não há razão para que o real se comporte de forma diferente. Pelo contrário, em trabalho com Tatiana Pinheiro, estimamos que a valorização de 10% do dólar relativamente a uma cesta de seis moedas de países maduros se traduza num encarecimento de 6% do dólar ante o real.
No caso, a perspectiva de crescimento mais positiva para a economia norte-americana sugere a possibilidade de uma normalização mais rápida da política monetária naquele país.
É bom que se diga que a normalização propriamente dita ainda se encontra muito distante, mas a mera expectativa de que possa acontecer foi suficiente para elevar as taxas de juros de dez anos em quase 0,5 ponto percentual (para perto de 2,2% ao ano), uma mudança nada trivial, ainda que inferior à ocorrida no Brasil, onde o rendimento do título equivalente aumentou pouco mais de um ponto percentual.
A desvalorização do real não resulta, portanto, de nenhum problema intrínseco do país. Já no que se refere às consequências da depreciação cambial, a preocupação é maior e é aqui que o Brasil se diferencia de várias outras economias.
Embora não nos enquadremos nos casos mais patológicos dos países até há pouco apontados por nossos "keynesianos de quermesse" como modelos de política econômica, a verdade é que não fizemos todos os preparativos para a eventualidade de uma mudança das condições internacionais de liquidez.
De fato, exceção feita à acumulação de reservas, as políticas dos últimos anos deixaram o país mais vulnerável a reversões dos fluxos de capitais em algumas dimensões importantes. Assim, por exemplo, a redução da poupança doméstica, seja pelo avanço do consumo do governo, seja pelo estímulo contínuo ao consumo privado, tem como contrapartida a elevação do deficit externo, o que torna o país mais dependente do financiamento internacional.
Já a permissividade monetária do BC se traduziu numa taxa de inflação que já estava próxima ao limite superior da meta mesmo antes do enfraquecimento da moeda. Como o dólar mais alto encarece aqui dentro tanto os produtos importados como os exportados, seus impactos no sentido de acelerar a inflação são claros.
Grosso modo, estima-se que a desvalorização de 10% da moeda eleve a inflação em torno de meio ponto percentual em 12 meses, nada extraordinário, mas mais que suficiente para elevar significativamente a probabilidade de ruptura do teto da meta.
Por outro lado, ao mesmo tempo em que o governo mais uma vez acena com o controle de gastos, toma medidas da direção oposta, não deixando dúvidas acerca de sua falta de compromisso nesta área.
Sob essas circunstâncias, pois, o peso de qualquer ajuste recai sobre as taxas de juros, que, como notado acima, subiram vigorosamente nas últimas semanas.
Fica explicado, assim, o quase desespero do governo para conter a depreciação da moeda depois de anos reclamando do dólar barato.
No entanto, dado que esse processo reflete um fenômeno de alcance mundial, as chances de as medidas conterem a taxa de câmbio são evidentemente reduzidas.
Descobrimos assim que, a despeito da choradeira persistente sobre o tsunami monetário, o governo jamais se preparou para sua reversão. E que o improviso continua sendo a marca registrada da nossa "política econômica".
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