A atitude cautelosa do Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central tem gerado ferozes críticas por parte do mercado financeiro. Elas vão desde: 1) a suposta leniência com o combate à inflação, que derivaria da crença ideológica (severamente rejeitada por toda a experiência histórica) de que "um pouco mais de inflação estimula um pouco mais de crescimento"; 2) passa pela crença de que o governo que estimulou, e se empenhou politicamente na baixa da taxa real de juros, não aceitaria o seu aumento, mesmo quando fosse a solução recomendável, devido à impopularidade que provocaria; e 3) termina numa dúvida moral sobre a autoridade monetária, que não teria autonomia para manobrar o seu único instrumento de ação horizontal: a taxa de juro real. Nenhuma delas faz sentido.
A crítica de que há leniência com a inflação por motivos ideológicos é, ela mesma, "ideológica". Apoia-se em velhas crenças, incorporadas aos programas do PT e do PDT, quando eles não haviam amadurecido. Na verdade, o que ela revela é a compreensão que a inflação brasileira tem causas mais complexas e a sua solução não pode ser reduzida à fórmula simples de aumentar a taxa de juro real.
O governo sabe que o namoro inflacionário duradouro com a banda superior da meta (5,8% nos oito anos de governo Lula e 6,2% nos dois anos do governo Dilma) é um convite à sua persistência. Isso deteriora as expectativas e reintroduz a incerteza na fixação dos salários. Com a dramática experiência inflacionária que temos escondida em nosso subconsciente, todos sabemos que isso acabará levando à indexação ainda maior da nossa economia. E sabemos, também, como isso termina...
A segunda crítica faz pouco da inteligência do governo. Quando as condições objetivas mudam, a política muda. Da mesma forma como foi correto reduzir a taxa de juro real absurda, à qual sobrevivemos durante as últimas décadas por equívocos da política monetária, será correto, se o Copom achar necessário, elevá-la com a mesma moderação que usam todos os países.
Antes de prosseguir permita-me recusar o terceiro argumento. Ele é ridículo. Faz uma imensa injustiça a um economista altamente qualificado, o ministro Tombini. Basta olhar para sua tranquila firmeza, para a sua formação acadêmica e a sua história como pesquisador, para entender que não é "pessoa para fazer o que mandam".
O que existe mesmo entre a autoridade monetária e os seus críticos, principalmente os economistas mais ligados ao sistema financeiro, é uma percepção diferente da realidade nacional e das incertezas que a cercam. Essa diferença cognitiva não significa uma diferença "científica", se é que se pode dar tal realeza às visões diferentes da relação relativamente tênue, mesmo no curto prazo (e inexistente no longo), entre a variação da taxa de inflação e a variação do nível de desemprego. A autoridade monetária estaria tecnicamente inferiorizada diante dos bem apetrechados profissionais que assessoram as finanças privadas.
Com relação à qualidade do conhecimento, experiência e sutilezas de funcionamento desse mercado fugidio, que é o financeiro, nem nossos mais sofisticados economistas daquele setor, ou da academia, podem competir com as informações armazenadas nas cabeças dos profissionais que habitam o Departamento de Estudos e Pesquisa (Depep) do Banco Central. Quem tiver alguma dúvida, deve comparar a "ciência" das assessorias financeiras privadas e da academia, com a "ciência" do Depep, revelada, por exemplo, no "Using a DSGE Model to Assess The Macroeconomics Effects of Reserve Requirements in Brazil" (Working Paper Series - 303, Jan., 2013), dos competentes economistas Waldyr Areosa e Christiano Coelho.
Ele explora as diferenças das respostas das variáveis macroeconômicas das manobras nas reservas bancárias e na taxa de juros utilizando um "Dynamic Stochastic General Equilibrium Model" (DSGE). E conclui que uma redução da relação de reserva tem o mesmo efeito qualitativo de uma redução da taxa de juros do Banco Central, ainda que seu efeito quantitativo seja menor, como era mesmo de esperar.
É preciso reconhecer que uma taxa de inflação anual de 5,9% nos últimos dez anos (30% sistematicamente acima da meta) já deveria ter mobilizado governo e sociedade para reduzi-la. A taxa de inflação é o radiador que dissipa o calor produzido pelos atritos no funcionamento dos mercados. E 4,5% é seguramente maior do que os 2,5% a 3,5% que parecem estabilizar as expectativas e fazê-los funcionar razoavelmente bem, na grande maioria dos países.
É mais do que óbvio, entretanto, que produzir esse resultado está fora do alcance da política monetária. Ele será consequência de uma política social e econômica, que tenha por objetivo continuar a manter a inclusão social com o suporte de medidas que reforcem as instituições e produzam mudanças estruturais, que estimulem a competição e reduzam os atritos.
Acreditamos que a visão do Banco Central tem tanta consistência quanto a do "mercado", o que recomenda sua cautela na manipulação da taxa de juros real. Até agora, a visão do primeiro tem se revelado a mais ajustada à nossa realidade e mais antenada com a situação da economia mundial. Se o que o Copom previu para o futuro próximo não se realizar - e a realidade mostrar a necessidade de uma manobra que sancione o aumento da taxa de juro real -Tombini a fará com a mesma tranquilidade e autonomia com que tem recomendado a "cautela". Quem viver, verá.
A crítica de que há leniência com a inflação por motivos ideológicos é, ela mesma, "ideológica". Apoia-se em velhas crenças, incorporadas aos programas do PT e do PDT, quando eles não haviam amadurecido. Na verdade, o que ela revela é a compreensão que a inflação brasileira tem causas mais complexas e a sua solução não pode ser reduzida à fórmula simples de aumentar a taxa de juro real.
O governo sabe que o namoro inflacionário duradouro com a banda superior da meta (5,8% nos oito anos de governo Lula e 6,2% nos dois anos do governo Dilma) é um convite à sua persistência. Isso deteriora as expectativas e reintroduz a incerteza na fixação dos salários. Com a dramática experiência inflacionária que temos escondida em nosso subconsciente, todos sabemos que isso acabará levando à indexação ainda maior da nossa economia. E sabemos, também, como isso termina...
A segunda crítica faz pouco da inteligência do governo. Quando as condições objetivas mudam, a política muda. Da mesma forma como foi correto reduzir a taxa de juro real absurda, à qual sobrevivemos durante as últimas décadas por equívocos da política monetária, será correto, se o Copom achar necessário, elevá-la com a mesma moderação que usam todos os países.
Antes de prosseguir permita-me recusar o terceiro argumento. Ele é ridículo. Faz uma imensa injustiça a um economista altamente qualificado, o ministro Tombini. Basta olhar para sua tranquila firmeza, para a sua formação acadêmica e a sua história como pesquisador, para entender que não é "pessoa para fazer o que mandam".
O que existe mesmo entre a autoridade monetária e os seus críticos, principalmente os economistas mais ligados ao sistema financeiro, é uma percepção diferente da realidade nacional e das incertezas que a cercam. Essa diferença cognitiva não significa uma diferença "científica", se é que se pode dar tal realeza às visões diferentes da relação relativamente tênue, mesmo no curto prazo (e inexistente no longo), entre a variação da taxa de inflação e a variação do nível de desemprego. A autoridade monetária estaria tecnicamente inferiorizada diante dos bem apetrechados profissionais que assessoram as finanças privadas.
Com relação à qualidade do conhecimento, experiência e sutilezas de funcionamento desse mercado fugidio, que é o financeiro, nem nossos mais sofisticados economistas daquele setor, ou da academia, podem competir com as informações armazenadas nas cabeças dos profissionais que habitam o Departamento de Estudos e Pesquisa (Depep) do Banco Central. Quem tiver alguma dúvida, deve comparar a "ciência" das assessorias financeiras privadas e da academia, com a "ciência" do Depep, revelada, por exemplo, no "Using a DSGE Model to Assess The Macroeconomics Effects of Reserve Requirements in Brazil" (Working Paper Series - 303, Jan., 2013), dos competentes economistas Waldyr Areosa e Christiano Coelho.
Ele explora as diferenças das respostas das variáveis macroeconômicas das manobras nas reservas bancárias e na taxa de juros utilizando um "Dynamic Stochastic General Equilibrium Model" (DSGE). E conclui que uma redução da relação de reserva tem o mesmo efeito qualitativo de uma redução da taxa de juros do Banco Central, ainda que seu efeito quantitativo seja menor, como era mesmo de esperar.
É preciso reconhecer que uma taxa de inflação anual de 5,9% nos últimos dez anos (30% sistematicamente acima da meta) já deveria ter mobilizado governo e sociedade para reduzi-la. A taxa de inflação é o radiador que dissipa o calor produzido pelos atritos no funcionamento dos mercados. E 4,5% é seguramente maior do que os 2,5% a 3,5% que parecem estabilizar as expectativas e fazê-los funcionar razoavelmente bem, na grande maioria dos países.
É mais do que óbvio, entretanto, que produzir esse resultado está fora do alcance da política monetária. Ele será consequência de uma política social e econômica, que tenha por objetivo continuar a manter a inclusão social com o suporte de medidas que reforcem as instituições e produzam mudanças estruturais, que estimulem a competição e reduzam os atritos.
Acreditamos que a visão do Banco Central tem tanta consistência quanto a do "mercado", o que recomenda sua cautela na manipulação da taxa de juros real. Até agora, a visão do primeiro tem se revelado a mais ajustada à nossa realidade e mais antenada com a situação da economia mundial. Se o que o Copom previu para o futuro próximo não se realizar - e a realidade mostrar a necessidade de uma manobra que sancione o aumento da taxa de juro real -Tombini a fará com a mesma tranquilidade e autonomia com que tem recomendado a "cautela". Quem viver, verá.
Nenhum comentário:
Postar um comentário